O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 19
Stay


Notas iniciais do capítulo

Olá, Booners, tudo bem com vocês? ~ Escondendo o rosto atrás de um poste por não cumprir com o prazo dos capítulos. Os problemas são os de sempre, então nem vou falar muito.
Esse capítulo é um pouquinho longo e com uma cena que eu adoro muito e gostei também de escrever. Eu espero que vocês gostem, não sei muito o que falar aqui, mas tenham todos uma boa leitura

:)



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“Não tenho muita certeza de como me sentir quanto a isso

Algo no seu jeito de se mexer

Faz com que eu acredite não ser possível viver sem você

Isso me leva do começo ao fim

Quero que você fique”

— “Stay”, Rihanna & Mikky Ekko.

 

 Washington, D.C

08 de Setembro de 2015

222 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

Apesar da multidão circulando no refeitório da escola como um bando de famintos atrás de comida — eu também era um —, consigo notar quase sem nenhuma dificuldade o cabelo escuro de Shawn Hans e os seus seguidores fiéis sentados em uma mesa redonda provando de suas refeições.

Como a representação clássica das matilhas, o macho alfa — ou Shawn Hans — está sentado entre os seus dois melhores amigos, Klaus Furler e Jared Trevisan, e ambos parecem entretidos na conversa que desenvolvem, enquanto os outros membros escutam atentamente cada palavra.

Reviro os olhos ao notar quando Shawn passa as mãos pelo cabelo escuro e sorri descaradamente para as garotas do segundo ano quando passam próximas de sua mesa. Elas parecem imitações de Regina George, só que em maior número.

Logo depois um garoto de idade menor e trajando roupas de dois números maiores passa pela mesma mesa e é cruelmente vaiado. “Mirradinho!”, “Deve ser pequeno em tudo!” e “Nunca pegou mulher esse verme!”. Depois dos palavrões, o garoto sai correndo e a matilha se põe a rir.

Antes desta cena eu havia repensado em minhas atitudes nos últimos dias em relação a denunciar o que eles faziam contra mim, e consequentemente a todos os inferiores. Mas, ao observar o garoto correndo, os olhos úmidos e os sorrisos de triunfo de Shawn Hans como de seus amigos, tenho certeza absoluta que é a coisa certa a se fazer.

A imagem da coordenadora com seus grandes olhos e o cabelo amarrado de uma maneira que deixava sua testa maior me vem à mente. Ela pedira que eu apontasse quem fosse os praticantes daquela enfermidade em sua escola e eu iria fazer aquilo agora mesmo.

Os meus passos no corredor vazio parecem combinar perfeitamente com as batidas aceleradas de meu coração. Minhas mãos estão suando frio e meu estômago parece dar mil voltas quando subo as escadas de dois em dois degraus e finalmente chego a sua sala.

Bato duas vezes e ela parece saber que sou eu, já que sorri sem mostrar os dentes e afaga o meu ombro.

— Pronto para acabar com tudo isso, Daniel? — sua voz é delicada e parece ser repleta de carinho; tentando através de seu timbre me tratar como um filho amado.

— Acho que eu não tenho escolha — meu tom de voz é irônico e a vejo revirar discretamente os olhos enquanto rumamos de volta ao refeitório.

O ambiente agora parece estar mais carregado, já que os outros alunos saíram de suas salas e procuram mesas para se sentarem e conversarem com seus amigos sobre assuntos banais. A gangue Hans se encontra no mesmo lugar e diferente de antes, todos tiraram seus casacos e estão com a camiseta do uniforme.

Shawn parece contar uma história que viveu em sua viagem para a Disney e Klaus rebate com alguma frase suja, como se tudo fosse normal demais. No entanto todos se calam quando notam a coordenadora caminhando entre as mesas e parando diante da deles. Sorrio para o nada com receio de encarar aqueles olhos verdes que provavelmente indagavam “Que merda é essa, Danico?”.

Quando a coordenadora está pronta para lhes dar um sermão e possivelmente lhe passar algumas atividades extracurriculares; eu saio correndo em direção à mesa que meus amigos comiam todos os dias.

Meus nervos parecem se acalmar um pouco quando vejo Peter mordendo uma batatinha e lançando olhares inquisitivos para Raven que estava debruçada sobre um livro e falava dele como se sua vida dependesse disso.

— Onde você estava? — Peter fecha o livro de Raven no mesmo segundo em que faz aquela pergunta pra mim — Estávamos preocupados.

— Não estávamos, não — Raven replica fazendo beicinho e catando uma batatinha do pacote. — Nós sabíamos o que ele estava fazendo, Peter.

— Vai à merda, Fields — o baixinho não parece muito paciente e lhe acerta um pequeno soco no ombro da amiga. — Agora conta pros seus camaradas como foi.

Puxo uma cadeira e sento-me junto deles. Conto desde que vi o garoto sendo massacrado por palavras cruéis, a minha consciência pesada em dedurá-los que depois foi compensada pelo sorriso doce da coordenadora e finalmente a expressão perdida que Shawn exibiu tanto para mim como para a autoridade da escola.

— Você não ficou até o fim? — Raven parece murchar quando discordo com um balançar de cabeça. — Por que não?

— Acho que eu não me sentiria bem ao ver a expressão de Hans quando ele descobrisse que fui eu — confesso em um tom baixinho para que apenas os meus dois amigos pudessem me ouvir.

Para minha surpresa, sinto quatro braços me envolvem em um abraço de cada lado. Raven sorriu dengosa para mim deitando a cabeça em meu ombro enquanto Peter apenas repetia:

— Agora as coisas voltarão ao normal, Boone.

E eu realmente esperava que sim. Porque fazia muito tempo em que a minha vida não era normal e eu não me sentia assim também.

[...]

Washington, D.C

15 de Setembro de 2015

215 dias antes da facada que pode ou não ter me matado.

Claro que estou nervoso. Claro que estou à beira de um colapso. Claro que um revólver resolveria todos os meus problemas. Ou quase, na verdade. Claro que eu não sei.

— Nossa senhora protetora do brioco — Raven cantarola em uma mistura de desespero e angústia quando os olhos passam pelos resumos da matéria que fez. — Eu não vou conseguir.

— Nem eu — murmuro tentando recordar da fórmula de física. Ou seria química? Quanto vale mesmo a constante de Clapeyron? Não, espera. Está errado. Qual é a fórmula dessa budega? Não existe constante com esse nome.

Para os perdidos de plantão, hoje é dia de recuperação trimestral na minha escola. TRIMESTRAL. Entende o desespero que estou passando? Física, Química, Matemática, Literatura e Biologia são os bichos de sete cabeças do dia de hoje. Eu passei à tarde/noite toda estudando, todavia, sinto que meu cérebro entrou em colapso nas duas primeiras horas de estudo.

E agora estou tendo uma crise de nervos e prestes a desmaiar nas escadas do terceiro piso do prédio escolar.

— Poderia ser pior — Peter deu de ombros enquanto tirava algumas canetas do estojo e colocava sobre a mesa. — Vocês não precisam fazer recuperação de história.

— Quem faz recuperação de história? — Raven levanta o olhar das folhas e lança um sorrisinho arrogante para Peter. — Ah, claro. Gazelas fazem recuperações de história.

— Um dia eu ainda vou enfiar um cabo de vassoura...

— Sossegam vocês dois, caramba — fecho os meus olhos com força e tento rezar. — Vamos fazer logo essa prova para podermos ir para casa e esquecer que tomamos naquele lugar.

— Claro, senhor Boone — Raven ataca e joga um papelzinho na minha cabeça. — Boa sorte, Peter.

— Boa sorte para você também, Fields.

Sorte realmente era algo que precisávamos, e infelizmente não podíamos fazer nada em relação a conseguir tê-la ou não.

[...]

O sol em Whashington parece ter resolvido sair do buraco negro, já que não há nenhuma nuvem no céu e os raios solares atravessam o vidro do transporte e atingem meu braço nu.

— Sobrevivemos a mais um dia — a loira constata assim que se senta ao meu lado e abre à mochila em busca do seu celular. — Eu estou morrendo de fome.

— Tenho umas batatinhas que sobraram do lanche, quer?

— Claro.

Entrego a Raven o pacote aberto e ela parece contente por ter encontrado algo para aquietar o seu estômago barulhento. Suspiro angustiado e começo a balançar os meus pés até sentir algo ser chutado e rolar em direção ao meio do corredor da van.

Luvas de boxe surgem em meu campo de visão e de Raven. Aparentemente elas foram esquecidas por alguém ou acidentalmente derrubadas para debaixo do banco.

Pego-as e analiso com cuidado. Brancas e com um símbolo redondo ao redor de uma águia preta estão no centro e parecem serem novas, já que o tecido está intacto e cabem perfeitamente sem terem sido laceadas para isso.

— Provavelmente foram perdidas — ela comenta com desânimo.

— Por um menino de oito anos — uma voz completa a frase de Raven e sinto uma leve pontada em meu coração ao reconhecer aquele som.

Uma mistura de sarcasmo com serenidade. Uma mistura de arrogância com preocupação. Uma mistura de perigo com caos.

Shawn Hans está diante de nós. A mochila pendendo em apenas um ombro, o corpo apoiado na segunda porta de entrada da van, um sorriso cínico pendendo em seus lábios e a camiseta do uniforme justa em seus músculos.

Que tentação do Diabo.

Diferente do que eu acreditava, o moreno de olhos verdes parece estar de bom humor e não guarda nenhum rancor do que houve semana passada em relação a minha denúncia.

E isso se comprova quando ele me puxa para um abraço de curta duração. Devo ter feito uma cara muito estranha, já que Raven revirou os olhos e fingiu bufar de irritação. Então decido envolver meus braços ao redor do corpo de Shawn e dar-me um prazer como esse por pelo menos uma vez durante esta semana.

Shawn Hans era a personificação da bipolaridade.

— Como você está? — Ele finalmente pergunta ainda sorrindo.

Como eu estou? Sério que você realmente quer saber? Estou tentando entender o que você acha o que está fazendo com os meus sentimentos, com a parte confusa da minha mente e com essa mania estranha de sempre ignorar o que eu faço contra você.

— Estou bem — dou de ombros tentando apagar das diversas respostas que eu poderia dar para essa pergunta ridícula que ele faz questão de fazer toda vez que a gente se vê. — E você?

— Muito bem, obrigado.

O temido silêncio se instala entre nós dois. Procuro por Raven, mas encontro apenas sua cabeça loira entre alguns bancos atrás juntamente com uma criança que parecia se divertir com suas palavras.

Olho para Shawn que está olhando para mim de um jeito esquisito, mas que logo depois se desfaz em um sorriso quando ele me puxa para o banco da frente e sentamos juntos pela primeira vez no mês.

— As luvas são de um vizinho antigo meu — Shawn comenta olhando para as luvas que agora estão em suas mãos. — Ele vai ficar muito feliz quando recebê-las de volta.

— Com certeza — reprimo um gemido quando percebo o quão ridículo estou sendo ao estar sentado aqui com o moreno e fingindo que está tudo bem entre nós.

— Por que você não as coloca? — Shawn pergunta animado, os olhos verdes brilhando de ansiedade.

Eu? Por as luvas? Nem aqui nem na China!

— E por que eu faria isso? — Ele revira as órbitas em perfeita sincronia para logo depois me fitar com desventura. Diferente do que eu acreditava, era possível, sim, convencer alguém pelo olhar. E Shawn Hans dominava essa prática melhor que ninguém — Tudo bem.

Ao passo que termino de apertá-las ao redor do meu punho, Shawn levanta os braços e pede para eu acertá-lo um soco. Deus, eu nunca dei um soco em alguém; somente em coisas.

— Tem certeza? — Indago com um vinco entre as sobrancelhas. — Não quero que você volte com um roxo para casa.

Shawn gargalha e balança os ombros como se estivesse se preparando para uma luta.

— Eu já voltei com muitos roxos para casa, Danico — seu tom de voz é sério. — E eu também sei me defender, em qualquer caso.

Uma piscadela provocante é como ele termina sua frase e aumenta a ansiedade dentro de mim. Respiro fundo e desfiro um pequeno gancho de direita e logo em seguida um de esquerda, repito o processo pelo menos duas vezes e já sinto minhas mãos doerem.

Provavelmente eu perderia uma luta de rua.

Shawn revira os olhos como se percebesse o meu cansaço e abaixa os braços, passa as mãos pela testa e estala os dedos da mão.

Então, contrariando toda a sanidade do mundo, o garoto de olhos verdes começa a me dar uma aula de socos. Suas palavras parecem repletas de entusiasmo e suas órbitas brilham de satisfação quando relembra de momentos em que desferiu os melhores socos de sua adolescência.

— Esse começa logo aqui, atrás do pé — seus dedos agarram o meu tornozelo e fazem uma mínima pressão. — Você faz pressão contra o chão, passa pelos quadris e finalmente pela musculatura as costas.

Os dedos frios e firmes pressionam cada parte do meu corpo. Tocam cada parte de minhas costas e diz onde é o melhor lugar para acertar e derrubar seu adversário. A onda de energia que ele tanto se refere termina na têmpora e conclui-se em um belo soco.

— Derruba seu adversário sem pensar duas vezes — ele sorri e empurra meu corpo em direção ao chão, mas não o suficiente para eu cair. — E depois disso você pode comemorar a queda mortal ou ajudar para que isso aconteça.

O sorriso que domina seus lábios é de orgulho e ele bate de leve em meus ombros quando me ajeito melhor no banco do transporte.

— Se quiser matar alguém, agora você já sabe como.

Elimino um muxoxo e faço menção de retirar as luvas.

— Só se for alguém chamado Shawn Hans — ataco com divertimento e noto de soslaio ele sorrir de um jeito cafajeste.

— Quer dizer que o meu fim está próximo? — toca de leve onde deveria ficar o seu coração — Eu sempre suspeitei que você fosse um Travis Maddox.

Gargalho alto com a referência. Quem diria que o macho alfa conheceria um personagem literário como Travis Maddox? Irônico seria dizer que os dois tem talento para a luta e para ferrar com o coração das pessoas.

— Não se preocupe — finjo uma voz carinhosa e toco de leve em seu braço. — Eu não vou socar o seu braço ruim.

— Ele já está melhor — Shawn balança o braço. — Mas agradeço por sua preocupação. É por isso que te amo.

Por todas as abelhas do mundo. Eu também.

Cale essa boca, Daniel. Você sabe que o jeito de amar de Shawn Hans é bem diferente do conceito que você defende.

E para concluir com a provocação e maldade com o meu coração, o braço esquerdo do macho alfa envolve o meu pescoço e me puxa para mais um abraço.

O segundo do dia.

Entretanto como felicidade de pobre dura pouco, logo o silêncio se instala entre nós dois — novamente — e Shawn retira o celular do bolso e desbloqueia a tela, abrindo o Instragram e vasculhando nas publicações recentes.

Para minha total surpresa ele para com rolagem e lê uma frase curta, mas muito direta “Eu não gosto de cobrar atitudes de ninguém. Se a pessoa quiser mesmo fazer algo, ela vai lá e faz. Se a pessoa quiser mesmo alguém, ela vai atrás”. Shawn dá a famosa batidinha com o dedo duas vezes e o coração broxante surge na tela.

De todas as coisas que Shawn curtia no Instagram — quadriciclos, mulheres e fotos aleatórias —, jamais imaginei que frases de efeito estariam presentes em sua vida.

Sou surpreendido novamente quando ele abre a caixa de notas do celular e copia a frase. Salva e depois volta para o aplicativo. O que ele faria com aquela frase? Tatuaria? Jogaria na roda? Seria o lema da sua matilha?

Ou seria apenas mais uma frase aleatória como a nossa amizade?

Ou seria uma mentira como a gente? As situações que escondemos de nós mesmo como dos outros? Das brincadeiras com segundas intenções que ocultamos de nós mesmos? Que tal falar do que a gente conversa? Do que a gente pensa um do outro?

Desse desejo que arde dentro do nosso peito, porém que nenhum de nós dois deixa escapar; e que prefere manter fechado a sete chaves que deixá-lo livre para fazer o que bem entender. Esse desejo que não consome somente a mim, mas também a você.

Eu penso em você todos os dias, e em todos os momentos dele também. Ontem, quando me sentei em minha cama e tentei por minha mente no lugar, eu pensei em você. Pensei nos seus olhos verdes encarando os meus, na sua boca dizendo palavras que eu ainda guardo em minha memória. De suas mãos acariciando a minha pele e de seu perfume impregnado em minhas roupas. Desses malditos lábios que proferem as piores sacanagens, mas que já estiveram colados aos meus em sonhos passados. Que já me calaram e me fizerem mergulhar em um mar sem profundidade.

Um mar repleto de problemas. Um mar sem salvação. E mesmo que você saiba nadar, jamais será capaz de sair dele. Ele te tem em suas mãos, te tem sobre seu próprio domínio. Um dominador, e você um subordinado desesperado por amor. Desesperado por seu corpo. Desesperado por algo que nunca vai ter.

Você finge que é inabalável. Você finge que o muro que criou ao seu redor é sólido demais para ser derrubado por uma pessoa como eu. Você finge que nada acontece entre nós enquanto faz declarações as suas garotas. Você fecha os olhos e as beija, contudo, quando eu fecho os olhos, só consigo ver a nossa conspiração pairando sobre nossas cabeças.

Eu penso em você todos os dias. Tremo só de ver, ouvir, lembrar-se do seu nome. E não queira saber da enxurrada de emoções que passam pelo meu coração quando te vejo. Sinto falta de cada detalhe do que tínhamos. Tá que não tínhamos nada sério, era o que muitos chamam de “brincadeira de adolescente”. Para mim nunca foi apenas uma brincadeira. Abraços apertados, confortantes. Beijos nas costas da mão, como verdadeiros cavalheiros.

Conversas sobre o que poderíamos ter juntos, sobre possíveis noites que poderiam ser aproveitadas com pegação. Conversas sobre à casa que poderíamos comprar no futuro. Pedidos de namoro. Pedidos de casamento. Atitudes nada inocentes, como levar nossas mãos a lugares extremos do corpo humano (melhor nem mencionar aqui). Sorrisos discretos, mas notados facilmente um pelo outro. Caminhadas de mãos dadas. Ou simplesmente mãos unidas enquanto estávamos parados em algum canto. Frases de duplo sentido. Declarações do tipo “eu te amo muito”.

Eu sinto saudades de todas essas coisas, por mais que elas só me denegrissem em público. Sinto falta das vezes nas quais eu te via e o mundo todo parecia sumir, restando apenas eu e você num espaço completamente oco e sem vida. E nós éramos a vida restante, a energia que sobrou no mundo. Sinto falta das vezes em que você me elogiava - ainda que provavelmente isso também fosse uma zoeira, mas eu nunca me importei de ser elogiado e ainda agradecia de volta — e eu ficava parecendo uma dinamite prestes a explodir. (Pra quem não sabe = vermelho).

Sinto falta das suas frases de sentidos bem duvidosos e que me faziam rir não só porque eram completamente normais vindas de você, mas porque eu não queria que a conversa morresse. Eu gosto demais de você pra deixar que essa história que temos acabe sem um final bem construído. Eu quero consertar as burradas que fiz nesses anos. Eu quero te mostrar que posso te dar o que ninguém provavelmente te deu em uma relação: seriedade em meio a risadas.

Confiança em meio a um mundo ladrão de sentimentos. Respeito em meio a um planeta cheio de falta do exato respeito. Algo novo em relação a um mundo feito de mais do mesmo. Amor verdadeiro, do tipo que nem as piores e mais destruidoras atitudes ou frases ditas por qualquer pessoa podem mudar o que sinto por você. Fidelidade, comprometimento total ao que pudermos ter. É tudo o que posso dar. Porque eu não tenho dinheiro, mas sou rico em palavras e gestos altruístas que te façam ver o quanto eu definitivamente te amo. E eu não vou desistir até que eu tenha travado a mais difícil das lutas.

 

[...]

Após um almoço repleto de perguntas “Como foi seu dia, filho?”, “As aulas foram boas?” e “Os seus amigos estão indo bem na escola?” ou “Está com duvida em alguma coisa?”; eu finalmente subo para o meu quarto, ouço a louça suja sendo colocada na pia e Ellis resmungar alguma coisa quando telefone começa a tocar.

Evito revirar os olhos ou bater a porta quando novamente o vizinho parece bradar com o cachorro barulhento que adotou no penúltimo final de semana. Até mesmo o ambiente do meu quarto parecia me irritar às vezes, e isso — talvez — apenas sinalizasse o quanto eu estava fora da relação entre idade e comportamento.

Meu celular parece ser meu único meio de escapatória e corro para a lista de contatos procurando aquele número que eu já sabia de trás para frente, mas me negava digitar no teclado por um simples sinal de TOC.

São apenas duas chamadas até a voz de Melanie adentrar em meus ouvidos naquele tom animado e arrastado.

— Oi, meu amor — ela finge estar sendo melosa, mas sei que é apenas uma clara provocação. — Qual o motivo de sua ligação em pleno horário que estou comendo o meu frango grelhado?

Gargalho alto e jogo o meu corpo na cama.

— Você sabe por que eu te ligo, flor — Melanie elimina um resmungo e provavelmente um possível revirar de olhar se seguiu. — Eu preciso contar o meu dia para alguém que não seja dessa cidade merreca.

— Vai fundo, Daniel — um som parecido com talheres batendo se sobrepõe ao ambiente. — Enquanto você fala eu como o meu frango, então pode demorar bastante.

Concordo mesmo sabendo que ela não estava vendo e narro cada momento de dia. E sim, isso envolvia preces para que minha amiga não me condenasse por eu me render à tentação novamente. Mas como algumas pessoas diziam sobre seus relacionamentos conturbados: era um ciclo repetitivo. Você está bem com seu parceiro, vocês se completam em quase tudo, depois algo pequeno parece por tudo a perder e vocês dois se distanciam. Mas é apenas um olhar, um sorriso ou alguns dias para tudo voltar ao normal. E você não se importa com isso, porque você gosta da pessoa. Você deseja o melhor para ela e anseia que esse melhor seja ao seu lado.

E Shawn Hans era a pessoa ruim neste relacionamento. Ele era a pessoa bipolar, a que me fazia sofrer, quebrava o meu coração e distribuía os cacos no mercado negro. Entretanto, eu sou quem sofre no meio de tudo isso. Sou eu quem se deita todas as noites pensando em fazer as coisas diferentes, formulando teorias sobre algo que talvez seja imaginação da minha cabeça e desejando que ele sinta as mesmas coisas por mim.

Eu sou quem se rende no fim. Eu sou quem você pode trazer de volta a sua vida em um estalar de dedos. Eu sou quase um pedaço de você. E talvez até pudesse ser, se você permitisse.

— Daniel — Melanie elimina um suspiro. — Se eu vivesse nessa sua cidade e estudasse na mesma escola que Shawn Hans, eu também me renderia aos seus encantos. Não posso negar. — Ela ri como se estar apaixonado pelo macho alfa fosse algo bom — PODER DO CRUSH.

— Poder do Crush? — gargalho alto até meus olhos umedecerem — Sério mesmo?

— Ué, eu preciso dar nome as desgraças da vida para elas deixarem de serem tão desgraças. Sabe? Amenizar a situação. Deixar a coisa na brisa. Na paz interior.

— Isso parece lema de CD de gente natureba! Tão Shailene Woodley.

— Daniel! — Ela parece bater palmas — Já sei! Vamos lançar um CD natureba!

— Com um futuro single chamado Poder do Crush? — evito rir ainda mais alto e chamar a atenção de minha mãe que estava no piso inferior.

— Sim, sim e sim! — Seu entusiasmo é tão grande que sua alegria até faz o meu dia se tornar um pouquinho melhor — Será um futuro single de Daniel Boone feat. Melanie Schmidt, que pegará número 1 nas paradas de sucesso e até Fifth Harmony fará cover dessa música, pra depois nós dois fazermos uma continuação chamada “Poder da Trouxisse”.

— Mas a gente precisa de dinheiro para isso, querida.

 Quando relembro Melanie deste fato ela parece se lamentar. Claro que o fato de a gente comer frango grelhado e usar celulares meio ultrapassados já sinalizava a nossa situação financeira. E para quem ainda não entendeu, estamos dizendo que somos pobres.

Não pobre pobre, mas pobre o suficiente para não poder fazer sucesso no mundo com nossas músicas.

— Somos a Equipe dos Pobres! — Brado com alegria e novamente o som de talheres caindo no fundo. — Você ainda está comendo frango?

— Claro! — Melanie retruca. — Mas não se esqueça do fato de sermos fãs do Ed Sheeran.

— E o que isso tem a ver com pobreza suja?

— TUDO! — Melanie usa uma entonação forte para cada letra. — The a Team, meu filho amado.

Gargalho novamente quando ela me chama de filho amado. Irônico é pensar que nem minha mãe faz isso, já que para ela parece que qualquer demonstração de carinho familiar é o fim dos tempos e um sacrifício.

Relaxa, mãe, seus braços não vão cair se me abraçar por mais de três segundos.

A conversa se desenrola por minutos, até termos formado o grupo “The P Team” — Equipe dos Pobres — os quais lançariam CD’S por todo o mundo e Daniel Boone talvez conseguisse gravar todas as músicas que compôs na adolescência em algum momento da vida.

Finalmente nos despedimos com a famosa saudade um do outro, mesmo que nunca tenhamos nos visto. É clichê, mas é engraçado como às vezes algumas pessoas que estão longe da gente nos faz se sentir melhor do que aquelas que estão todos os dias ao nosso lado.

E Melanie era uma dessas pessoas.


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Notas finais do capítulo

O que acharam da mistura de sentimentos do Daniel em relação ao Shawn? Como o Hans consegue ser tão bipolar em um curto período de tempo? E por que, Diabos, esses dois não se assumem de uma vez?
Conta pra gente nos comentários o que pensam sobre isso, suas opiniões sobre o futuro OTP e afins KKKK Ah, e antes que me esqueça, vocês tem uma amizade virtual assim como o Daniel e a Melanie?

Um beijo, gente! E até breve com um capítulo escrito pelo Vitor Porreado



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