O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 17
Bullied Boy


Notas iniciais do capítulo

*colocando o rabinho entre as pernas* OI OI GENTE! Não, OCDB não morreu, só tirou um tempinho de hiatus forçado. Forçadíssimo, na verdade. Meu notebook deu pau (quem pensar isso errado vai levar uma navalhada) e eu não tinha como postar a fic no tempo que estipulei antes. Some-se isso às provas da escola e temos 29 dias sem atualização dessa fic. Desculpa, booners. Sério mesmo. Eu não queria que isso tivesse acontecido, mas OK. Seguimos em frente.
"Bullied Boy" é uma canção original que eu escrevi há alguns dias e se encaixou perfeitamente no plot desse episódio. Ele foi bem difícil de ser redigido também, porque pega uma parte da minha vida da qual é sempre hard falar sobre; então espero que relevem qualquer incoerência ou qualquer frase mal entendida - eu provavelmente estava tremendo na hora de fazer tal coisa. Vocês conhecerão um lado de Daniel e Shawn nunca visto antes, e talvez fiquem chocados, mas é tudo verdade nesse capítulo - exceto uns pontos aqui e ali, mas isso vocês me perguntam depois ;)
Sem mais delongas, tenham uma boa leitura!



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Washington, D.C.

17 de Agosto de 2010

1.829 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

 

Sobre a parte dos 1.829 dias: eu calculei num site que achei no Google. Por favor, não pensem que eu sou paranoico e fico contando os dias da minha vida.

Eu tenho outras paranoias. Mas essa não é uma delas.

Enfim, não se perguntem o quão bem eu lembro dos meus tempos de infância, porque eu só me encarreguei de lembrar momentos dos quais não me orgulho muito. Como nesse dia de agosto de 2010...

Estava esperando minha mãe vir me buscar na escola — por mais que sua barriga de sete meses de gestação não facilitasse muito na hora de dirigir — e conversando com uma amiga cujo nome eu não lembro no momento. Ela, por sua vez, estava com uma colega, e estávamos lá de boas quando…

— Nossa, faz bem uns mil anos que eu não vou à praia — disse a colega da minha amiga.

Eu achei engraçado, porque ela só tinha dez anos na época (assim como eu), e eu me senti na vontade de responder.

— Mas, tipo, você só tem dez anos de idade, menina — falei, rindo em seguida.

E aqui vem a parte que eu não gosto de falar sobre.

— Olha, não me leve a mal, isso aqui não é pra revidar… mas — interrompeu a própria fala para simplesmente me dar um empurrão.

Ela podia até ter a mesma idade que eu, mas minha evidente fraqueza fez com que eu tombasse para trás e caísse com meu traseiro no chão. Minha bolsa, que estava nas minhas costas, fez o favor de amortecer uma dor maior e eu ainda consegui apoiar meus cotovelos naquele áspero chão. Mantive minha cabeça abaixada porque eu apenas não queria encarar o rosto dela novamente depois do acontecido, mas uma hora eu precisei fazer o que todas as vítimas de algum infortúnio fazem.

Levantei meu corpo do chão, tirei a poeira da calça e engoli o choro porque meu pai me bateria se visse minha expressão de “cry baby”. Mas sim, eu quis muito derramar algumas lágrimas na hora porque eu nunca tinha passado por algo assim. Eu não entendi porque ela fizera aquilo. E, na verdade, estou sem entender até hoje, seis anos depois.

Washington, D.C.

19 de Agosto de 2015

241 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

Essa cena vem à minha mente toda vez que recebo alguma piadinha meio sem graça e com o intuito de me machucar. Eu sei que, se tivesse me defendido na primeira vez, saberia como agir nas outras. Mas pelo simples fato de eu não ter movido uma palha pra mudar a situação e pelo outro fato de eu ter mantido para mim o acontecido, os outros tipos de bullying que sofri terminaram da mesma forma.

Em 2011, eu era intimidado por um garoto aí cujo nome nem lembro mais e contei pra minha mãe. Ellis apenas falou para eu enfrentar o valentão e ameaçar “denunciar tudo à direção da escola”. Então, quando ele fez isso enquanto eu lavava as mãos no banheiro, eu joguei a frase. E, na verdade, até hoje eu acredito que a “chantagem” só funcionou porque ambos tínhamos 11 anos de idade e qualquer adulto que viesse dar lição de moral já era sinônimo de vergonha carregada nas costas pelo resto do tempo que fosse estudar no mesmo colégio dos acontecidos.

Nos dois anos seguintes, após eu trocar de escola, resolvi ficar quietinho no meu canto e não incomodar ninguém — tanto é que foram meus anos mais solitários também. Mas eu nem ligava. Adorava meus dias lanchando sozinho, isolado no meu mundinho, ouvindo músicas de artistas da Disney e da Nickelodeon — saudades, Brilhante Victória, inclusive — e sem ter que sofrer por mais nada. Claro, isso teve um fim quando minha mãe contratou um transporte escolar para me levar pra casa em 2014; conheci novos amigos e passei a interagir com eles nas horas em que não estávamos em aula.

E, claro, foi por causa daquele transporte que eu conheci Shawn Hans e seu aparente mundo de masculinidade que não dava a mínima para garotinhos apaixonados por outros meninos. Creio que até hoje ele não dá a mínima para os meus sentimentos… afinal, se ele se importasse, eu não teria voltado a sofrer o famigerado bullying em pleno ano de 2015 — e em proporção à minha maturidade crescida desde o primeiro caso, lá em 2010. As crianças cresceram, o nível da maldade nas brincadeiras de mau gosto também. Infelizmente, minhas habilidades de defesa continuam iguais às chances de Taylor Swift e Katy Perry assinarem um acordo de paz: nulas. Pois é, eu ainda escondo todos esses maus dias dentro de mim e prefiro que ninguém saiba que o garoto de quem gosto vive chamando sua trupe para me intimidar algumas vezes.

Prefiro que ninguém saiba sobre esses momentos…

“Hey, Danico, você curte paus, né? Então, me diga: o que você faria com o do Shawn aqui?”

“E aí, Safadão! O que você acha daquela garota ali? Daria uns pegas nela? Se quiser, posso apresentar os dois. Vai que rola uma ótima noite.”

“E aí, mozão, gostou da ideia dos meus amigos? Sexo selvagem no meu carro esporte parece uma boa, né?”

Nem preciso dizer quem foi que disse todas essas frases. Mas digo, só para desencargo de consciência: Shawn Alguma-Coisa Hans. O mesmo garoto com quem eu sonho quase todas as noites e ainda sonho acordado todos os dias, seja no meio da aula, seja enquanto ficamos nos nossos lugares da van sem contato físico ou verbal. Pode parecer estranho para você que está lendo (nesse momento eu tapei a boca da minha consciência com fita isolante pra ela não insistir que estou falando sozinho), já que eu nunca falei desse lado do Shawn. Pois é, meu querido… esse lado existe e é tão evidente quanto o outro lado, aquele conhecido desde o início; aquele onde meu crush parece ser perfeito e atencioso comigo. Triste história, mas não é o fim dela.

Eu poderia citar várias outras frases implicitamente homofóbicas, preconceituosas e chatas pronunciadas não só pelo chefe do bando como também pelos seus comparsas… e na verdade eu vou citar mais algumas aqui. Desculpe se o objetivo era retratar exatamente cada fala proferida por aquela trupe, mas é que eu trato de apagar cada diálogo da minha memória todos os dias. É um processo lento, árduo e que com certeza deixa cicatrizes a cada dia que tento, mas é necessário. Porém, algumas frases ainda permanecem ecoando em minha mente como se eu as tivesse ouvido ontem.

“Hey, Daniel… você tem vontade de dar o c*?”

(Eu precisei censurar esse palavrão. Pra mim é um e o mais censurável de todos.)

“Já beijou garotas alguma vez, Daniel? Não? E garotos, já?”

“Você daria o c* pro Shawn?”

Essa última é a pergunta que eu mais ouço. Na verdade, dá pra formular umas dez frases com a bendita palavra no meio e todas elas soam como possíveis de serem ditas por aqueles caras. Não sei por que, mas eles acham que a vida de todo e qualquer garoto que goste de outro garoto se resuma a dar o c* pelo menos uma vez por semana. ALÔ, ALERTA DE CLOSE ERRADO! Alguém avisa pra eles que estão pagando micão? Alguém avisa a eles que eu me sinto desconfortável com esse tipo de pergunta que me enoja?

Alguém avisa a eles, e principalmente ao Hans, que isso me machuca muito por dentro?

.::.

— Daniel, podemos conversar? — Edward Hong cutuca meu ombro esquerdo enquanto estou arrumando minhas coisas na bolsa para ir embora e esperar o transporte escolar me levar de volta para casa.

— Ué — faço minha melhor cara de “o que diabos tu tá fazendo aqui, menino?” porque realmente não entendo pra quê ele pediu pra conversarmos — algum problema?

— Na verdade, sim. E é sobre esse problema que eu queria falar com você — eita… EITA, LÁ VEM — eu vim alguns metros atrás de você na volta do intervalo e… vi que alguns carinhas te incomodaram. Eu vi o que eu vi?

É. Eu não posso simplesmente esconder isso. Afinal, ele é o líder da classe e todos aqui confiam nele. Boatos de que Edward guarda segredos cabeludos de alguns alunos que fazem traquinagens na escola? Boatos, boatos. Só boatos. O fato é que, desde a eleição, nós não havíamos tido tanto contato assim — ainda que ele tenha vindo se sentar com meus amigos e eu algumas vezes na hora do lanche. Eu não posso simplesmente esconder isso… mas também não posso entregar os pontos assim de cara, não é?

— Depende do ponto de vista — dou de ombros e foco meu campo de visão em seu rosto. Tão perfeito e tão hétero — o que você acha que viu?

— Quatro ou cinco garotos mais novos que a gente, fazendo algumas piadinhas de péssimo gosto a seu respeito e te deixando sem espaço para esboçar qualquer reação ao que estavam fazendo… sabe como os mais velhos chamam isso, Daniel?

— Seria a mesma coisa que um treinador de futebol americano gritando no pé do seu ouvido toda vez que você erra uma jogada? Afinal, ele faz piadinhas de péssimo gosto a seu respeito e te deixa sem espaço para esboçar qualquer reação ao que está fazendo — uso suas próprias palavras a meu favor com o simples intuito de atrasar o que sei que virá depois disso.

Mas é inevitável.

— É bullying, meu caro — ele cruza os braços — por mais que a sua metáfora tenha sido ótima, o foco é: eles estavam te importunando. Eu sei disso. Eu vi isso e não fui o único a notar.

— O quê? — Continuo me fazendo de desentendido, o que já é um de meus últimos recursos de defesa para esse tipo de situação.

— Meu irmão mais velho estava ao meu lado e a amiga dele também — seu tom de voz assume uma postura ainda mais séria do que antes — eles comentaram comigo o que estava acontecendo. De fato, se não fosse por esses comentários, eu nem estaria aqui falando contigo sobre isso… mas eu percebi o que estava havendo. E quero saber de você.

— Saber o quê?

— Se eles realmente estavam fazendo aquelas coisas com o intuito de te oprimir.

De repente, minha respiração perde o compasso seguido rigidamente antes e isso denuncia todo o meu nervosismo. Merda, por que eu nunca consigo esconder minhas emoções quando realmente preciso? Pior é que eu nem preciso esboçar reação alguma antes dele vir com outra indagação.

— Já falou pra diretoria do colégio sobre a situação?

— Não é tão… fácil — consigo falar pela primeira vez desde que esse interrogatório começou — quero dizer, não é tão fácil falar, Edward. Você não entende o que há por trás daquilo lá.

— Acha que estou forçando a barra, é isso? Porque eu posso só cancelar esse assunto e-—

— Tudo bem, você não tinha segundas intenções quando veio falar comigo sobre isso… ou tinha e eu estou sendo feito de trouxa neste momento?

— Poxa — ele assume uma postura tão irônica que eu já sinto vontade de rir antes mesmo dele concluir sua frase — você me pegou! Dê um tapa na minha cara, por favor!

— Adoraria, mas você é o manda-chuva da turma e não eu — ironizo de volta.

— Mas que belo argumento, hein — uma de suas mãos pousa em meu ombro direito — tem certeza de que está tudo bem?

— Acho que eu deixaria bem óbvio se não estivesse tudo sob controle, certo? — Tento parecer o mais confiante possível para disfarçar o deslize emocional de segundos atrás — Mas obrigado por se importar comigo. Não é todo dia que uma pessoa dessas aparece na vida…

— O que mais está em falta no mundo de hoje é alguém que se importe com outro alguém sem segundos interesses, não é mesmo?

Está aí. Uma frase de Edward Hong que vou levar para a vida.

.::.

— Daniel, por que você nunca me falou sobre isso? — Ouço a voz exaltada de Melanie Schmidt preencher o espaço do meu quarto, enquanto o seu olhar de fúria penetra meu cérebro por meio daquela ligação via Skype.

— Porque eu não queria que você criasse uma outra impressão do Shawn e mudasse de ideia quanto a essa minha história de vida… — respondo, baixando meu olhar para o teclado do notebook.

Eu não quero olhar nos olhos dela novamente e ver sua decepção em saber que estou apaixonado justamente pelo cara que pratica bullying comigo em três dos cinco dias da semana. Melanie é uma das únicas pessoas cuja opinião importa para mim, e doeria no fundo do meu coração se ela virasse as costas logo nesse tenso momento. Afinal, eu ainda não sei se devo denunciar à direção da escola sobre essa treta ou se me calo em nome dos sentimentos. Por isso, sinto que preciso do maior apoio possível agora. Sei que tio Andy me encorajaria a falar a verdade, até porque já o ouvi dizer uma vez: “não adianta fazer tudo em nome do coração se você não sai bem da situação”.

É, Andrew Boone sabe filosofar quando quer. Mais um motivo pra eu querer muito ir morar com ele quando chegar meus 18 anos.

— Dan, olha pra mim — a garota rapidamente acalma sua voz e isso é o bastante para me fazer erguer a cabeça — olhe nos meus olhos e diga que foi só por causa disso.

— Não dá pra olhar diretamente nos seus olhos. Estamos a quilômetros de distância e estamos nos vendo por uma tela digital.

— Só não mando você se foder porque tem uma criança vendo televisão a metros de você.

— Mas o Justin está lá na sala de estar, menina — retruco.

— Você me entendeu, amigo. Dá pra responder direito?

Fico em silêncio por alguns segundos, encarando a tela do computador e sem saber o que dizer. Para o mundo, aquela parecia ser a razão ideal para eu esconder toda a parte das brincadeiras de mau gosto. As pessoas me entenderiam quando eu dissesse que precisei aturar todos os “Daniel, você tem vontade de sentar no pau do nosso amigo Shawn aqui?” existentes na boca daqueles caras só porque eu não queria que meus amigos — e Andrew e Jason de adultos — se preocupassem comigo. As pessoas me entenderiam quando eu dissesse que precisei aturar todos os “A gente bem que podia marcar pra praticar altos exercícios lá em casa, né, Danico?” existentes na boca daquele Hans pra não preocupar meus amigos — e Andrew e Jason de novo. As pessoas me entenderiam quando eu dissesse que precisei aturar todas as tentativas do meu crush de entrar em contato com o meu órgão privado não porque era um claro assédio, mas porque eu não queria fazer isso em público. Cego pela paixão, eu escondi essas coisas.

Mas, aí, uma luz esclarece (até porque essa é a função de uma luz, a não ser que seja uma luz negra) meus pensamentos, e meu subconsciente traz à tona o que eu nunca conseguiria admitir no meu consciente mais ativo. De fato… mais um motivo para eu não querer falar sobre esse assunto se faz presente agora.

Eu só não queria admitir que o garoto de quem gosto me maltrata quando quer e livremente.

— Não é só por aquele motivo, né — Melanie cruza os braços e me encara. Fui pego no flagra.

— É, não foi só por aquilo.

— Não se esqueça que eu já gostei de alguém assim como você, Dan — e eu sei que ela está falando a verdade. Deus sabe quantas vezes eu a ouvi contar sobre aquele relacionamento meio tóxico e injusto que ela vivera há poucos meses com um cara que não dava tanta importância a ela — lembra quando eu sempre tentava inocentar o meu ex das coisas que ele fazia só porque eu gostava dele pra caramba? Se eu te conhecesse bem, e eu acho que conheço, diria que você está passando por isso agora. Você gosta tanto do Shawn que prefere não ver o lado ruim disso. Prefere ocultar das suas próprias lembranças o tanto de bullying que ele pratica contigo e você deixa pra lá, nem se importa com a destruição que ele te causa nesses dias… não vale a pena ficar aguentando tudo em nome dele, Arthur — eita, fodeu, ela me chamou pelo nome do meio — não é saudável continuar lá por quem você gosta mesmo nos momentos em que ele está pouco se fodendo pra você. Simplesmente... não adianta.

Washington, D.C.

20 de Agosto de 2015

240 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

— Anda, Daniel, desembucha — Raven olha para mim como se eu fosse o culpado de todos os problemas da vida da pessoa — por que você chamou Edward e eu pra permanecermos na sala depois da aula? E por que você não fez o mesmo com Peter?

— Eu vou meter uma navalha na tua cara se você fizer um interrogatório agora — respondo, com a voz já exaltada — sabia que estou nervoso só de estar aqui com vocês? Não ponha mais pressão, por favor!

— Ai, desculpa — acho que minha ameaça tem efeito instantâneo, hein — o que houve?

— Não é o que houve… é o que vai acontecer — respiro fundo antes de voltar a falar — eu decidi ir à direção do colégio. Falar sobre… vocês sabem…

— Sabemos — o descendente de coreanos ao meu lado põe a mão no meu ombro esquerdo — e sabemos como deve ser difícil pra você ter que falar disso.

— Eu sei bem mais que você, Mãos de Tesoura, pode ter certeza — Raven completa.

— Desde quando você pode me chamar de Mãos de Tesoura?

— Eu dou apelidos a pelo menos 90% das pessoas que conheço e os outros 10% têm autoridade sobre mim o suficiente pra inibirem os apelidos, então considere-se parte da minha vida a partir de agora.

— Dá pra focar em mim uma vez na vida, garota? — Exclamo com ela. De novo. Credo, essa menina parece a minha mãe quando quer fofocar da vida dos outros!

— Desculpa — ela cruza os braços — mas, espera… você quer que a gente vá com você?

— Na verdade, é melhor apenas o Edward ir comigo — viro minha cabeça na direção do meu amigo e sorrio fraco — ele saberá me ajudar a falar tudo com mais… objetividade. Você sabe, Raven — volto a olhar para ela — você sabe o lado da história que eu prefiro deixar em off.

— Existe outro lado nessa história ainda? — Ele pergunta.

— Tudo o que você precisa saber sobre esse outro lado, eu te conto depois que sairmos de lá, está bem?

— Então OK… mas agora estou com a pulga atrás da orelha.

— E eu já saquei por que não posso falar com a diretora sobre o bullying. Relaxe. Não ficarei de mal por isso — a Fields sorri em concordância — então, supondo que você vai lá agora… só me chamou pra eu avisar à motorista que você não vai voltar na van hoje, né?

— Sim. Meu tio vem me buscar, já falei com ele na hora do intervalo — minha mão direita encontra a esquerda da garota, enquanto os dedos de Edward continuam concentrados em afagar meu ombro. Eu realmente sinto o apoio de meus amigos agora — acho melhor você ir, pra não perder a viagem também.

— Boa sorte, Boone — ela aperta a minha mão suavemente antes de soltá-la e sair da sala.

— E então, Daniel — meus olhos voltam a encontrar os do Hong — vamos lá?

— Meu corpo inteiro está tremendo, não vou mentir — quando falo isso, sinto até um calafrio percorrer minha espinha dorsal — acho que precisarei de ajuda até para andar!

— Então eu te ajudo a andar — ele responde, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo a se fazer.

— De repente eu não preciso mais de ajuda — rio alto em seguida, e ele me encara sério.

— Vai se foder.

— Não, obrigado, estou bem aqui só fodendo a vida de quem fizer bullying comigo mesmo — e saio andando a passos largos até a diretoria, sem saber se Edward está me seguindo ou não.

Eu só quero acabar com isso o mais rápido possível, e é o que felizmente acontece quando eu bato à porta da diretora — cujo nome é irrelevante, se vocês querem saber — e meu colega se apresenta logo depois. Mas não é o que ocorre quando eu começo a falar da situação — ou melhor, o Mãos de Tesoura (obrigado, Raven Fields) começa, porque eu travo logo na primeira frase e só acompanho o trem quando ele já está andando — e a bendita autoridade daquela sala começa a fazer o típico interrogatório. Se a missão dela é fazer com que eu me sinta melhor falando a verdade de boas, claramente a missão está falhando.

“O que eles exatamente fazem com você?”

“Qual a frequência desses acontecimentos?”

“Eles são da mesma turma que você?”

“Você sabe os nomes?”

Claro que travo mais uma vez, e agora na última pergunta. Uma parte de mim diz que é o certo a se fazer, que não adianta esconder mais o problema, que o problema já está exposto e até demais e que deve-se arrancar logo o band-aid que protege não só Shawn Hans como também encobre a participação de Klaus Furler — ainda que ele seja filho de um dos professores da minha classe e eu vá ferrar muito a vida não só do Klaus como também do Lucian. Mas a outra parte minha alega que sim, Shawn talvez vá ficar com ódio de mim por eu ter dado uma de X-9 e denunciado todo o esquema e que talvez ele também nunca mais queira olhar na minha cara — e isso destruiria minha quase zerada chance de me envolver romanticamente com aquele garoto problemático de olhos hipnotizantes, braços definidos e voz sedutora que me instigam a conhecer seu mundo todos os dias.

Está vendo por que eu nunca devo dar voz à minha consciência? Ela vive apontando os pontos do Hans que me fizeram gostar dele com o tempo. E, por mais que não seja disso que eu precise no momento… é essa parte de mim que toma conta dos meus pensamentos e me faz declinar da pergunta. Por isso, eu somente respondo que não sei os nomes deles e que teria de encontrá-los na hora do intervalo para apontá-los como os responsáveis pelo bullying. Elevo meu olhar para a expressão que Edward Hong detém em seu rosto, e é enigmática. Ele sabe que eu sei pelo menos um dos nomes e só não revelo porque não quero, ou porque tem alguma coisa por trás. Ele sabe que Klaus está metido na história porque, afinal, ele flagrou um dos momentos vergonhosos da minha rotina. Mas, ao mesmo tempo, ele parece não entender porque estou escondendo essa informação crucial para o desenrolar da denúncia.

PS. Eu sei de todas essas coisas porque costumo pensar no que as pessoas diriam se elas fossem como eu. Não me achem um retardado mental por isso, está bem?

De qualquer maneira, a diretora avisa que no dia seguinte eu precisarei chamá-la no intervalo para ir até onde eles estão, e aí sim enquadrar os meninos. Agradeço a ajuda dela e me retiro do lugar, já que Edward ficará para conversar com a mulher sobre outras coisas — tarefas de líderes de turma, vocês sabem — e provavelmente já deve haver alguma ligação perdida do meu tio no meu telefone. Quando verifico o celular… bingo. Duas chamadas, ainda mais.

Garoto, cadê você? — Ouço a gritante voz de Andy quando eu retorno sua ligação.

— Já estou descendo, tio, relaxe — reviro os olhos ao responder — precisei ir à diretoria antes.

No que você se meteu agora?

— Conto quando entrar no carro. É uma história séria que demanda um bom tempo para que eu explique, senhor Boone.

— Certo. Mas você já entrou no carro.

Desligo o telefonema e encaro Andrew ao meu lado, com um sorriso sarcástico que me faz pensar no que ele vai dizer agora.

— Por que diabos você continuou ao telefone quando entrou aqui?

— Eu nunca fui de navegar por vias ortodoxas, querido tio — dou uma alta gargalhada que ofusca até a música que sai pelas portas do veículo — se houver um meio anormal de fazer qualquer coisa, eu vou usufruir desse meio. Pensei que já soubesse disso.

— Não é à toa que se apaixonou por outro garoto — sei que ele está só brincando, e por isso não paro de rir — poderia ser um simples heterossexual vagando pela escola da vida, mas preferiu se enfiar numa história mais complicada que a minha ex-namorada.

— Vou nem comentar esse seu comentário — ergo as mãos como quem se livra de alguma coisa — e então, quer que eu conte por partes como Jack, o Estripador? Ou prefere que eu mande na lata? — Pergunto, quando ele pisa no acelerador e entra numa outra rua, vizinha ao colégio.

— Mande na lata. Eu estou pronto.

— Shawn Hans e sua turma cometem bullying comigo e eu acabei de denunciar à diretora.

Nem preciso dizer que o carro freia bruscamente bem quando eu acabo a frase, não é?

— Como assim, Daniel? — Ele grita, e eu tento desviar a atenção aumentando o volume do aparelho de som.

— Silêncio, tio — ponho minha mão em sua boca, envolta por uma barba rala com claros sinais de que resolveu crescer agora — vai começar o hino do Fall Out Boy.

.::.

Dedico essa parte especial do meu dia a abrir as notas do meu celular e começar a escrever algum tipo de desabafo. Começo a escrever alguns versos e… bem, se tornou uma música.

[confira a letra de Bullied Boy em inglês, sem tradução ainda]


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Notas finais do capítulo

Pesado. Pesadíssimo. Sei que vocês nem imaginavam esse lado de Shawniel, mas eu precisei incluir essa parte na fic porque ela é claramente importante pra caramba pra visão do Daniel acerca da vida. Espero que tenham uma opinião formada acerca de "Bullied Boy" e a deixem nos comentários. Eu mesmo nem sei o que dizer aqui, porque esse capítulo representou toda a minha agonia e toda a minha reação aos acontecimentos reais...
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#LeiaOCDB



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