O espelho de Apolo escrita por Sirukyps


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Nícolas ou Nicolas. Eu gosto de Nicolas, mas o correto é Nícolas... Sei lá...



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Apesar do relógio mudar a meia-noite, os dias costumam começar as seis da manhã.

A aula começava às sete horas, mas o crime nunca dormia. Isto implicava em algumas olheiras e cochilos em plena aula, principalmente a de física, por parte do casal de heróis daquela cidade.

Guilherme, 17 anos e muitos planos, quase não voltava o olhar para o quadro negro. Sentava-se próximo a vidraça daquele sétimo andar para espionar qualquer ação do mal na pacifica cidade de Demeia. “O mal deve ser destruído.” Ou “Você deve ser eliminado por ser um fraco miserável”, eram suas frases favoritas, levando pessoas ao desespero, mesmo que não percebesse por ser tão distraído e vigoroso ao que acreditava.

Nicolas, por sua vez, estava aos 16 por duzentos anos. Submerso em pesadelos, era cauteloso ao caminhar e previa as palavras do professor antes que este completasse o pensamento. Atento a tudo ao redor, o mundo aparentava eternamente cíclico. Desconfiado, contaminava a todos com a inata vitalidade, motivando-os a vencer, embora estivesse afogando numa ansiosa depressão despercebida.

Faltavam 26 minutos para o fim da aula e, o menino lançava um olhar de esguelha para o desatento cúmplice que utilizava as canetas para brigar entre si. Um discípulo do caos enquanto nutria aquela estranha sede heroína. Por que tinha que ser ele?

Havia dois anos que Apolo concedeu a força de Ares para outro hospedeiro, para que Nicolas conseguisse continuar “combatendo o crime”. Ele não se importava com a missão. Nos primeiros dois meses após a maldição, buscou incansavelmente por diversos lugares o espelho que havia lhe tornado “o escolhido”, todavia cansou facilmente. “Era inútil”. Concluiu.

Não compreendia o porquê da escolha. Estava sentado no solo, recostado contra o tronco do pé de amora quando um misterioso homem se agachou próximo a si. Retirando um espelho de mão do bolso esquerdo do paletó, permitiu que o jovem avaliasse o próprio reflexo por alguns segundos.

O pequeno objeto continha o cabo de ouro cravejado em diamantes e esmeraldas, alastrando-se ao redor do redondo vidro prateado. Inicialmente, Nicolas não respondeu, impressionado com tamanha riqueza naquela simplória peça. Quando finalmente encarou seu reflexo, percebeu que estava morto, em decomposição.

Assustando-se inicialmente, tombou para trás “Como assim?”. Voltando engatinhando ao local onde o rapaz permanecia parado, fitou outra vez. O coração acelerado. Sentia-se tão vivo. Gesticulou e, aquela coisa grotesca em decomposição, repetia os atos fielmente. Os olhos brancos em apodrecimento, inclusive larvas transitavam pelos buracos do rosto envelhecido. Acalmando-se, abria e fechava a boca e o reflexo também.

Gargalhou como nunca houvera feito antes. “Esplêndida brincadeira”, disse, acariciando o ombro do rapaz. “A ciência é mesmo formidável, tanto que me deixa tristonho por saber que tenho uma vida tão curta e não poderei acompanhar seu avanço”. Maleando a cabeça em negativo, lastimou um falso e convincente “Lamentável”.

Os azulados orbes do desconhecido avivavam em felicidade diante as palavras do moço. Arremessando o utensílio ao ar, este foi capturado por um raio de sol, evanescendo no espaço e só restando um pequeno feixe de luz.

O menino aplaudiu, parabenizando entre risos e vários “Mágicos. Formidável apresentação.”.

“O bondoso Apolo escutou seu clamor e permitiu que vivesse para acompanhar os avanços da ciência.” Ponderou o homem, após minutos em silêncio, analisando o animado espectador naquele jardim vazio de emoções.

“Realmente, Apolo é tão bondoso. Eu fico realmente agradeci...” Recolhendo as mãos cálidas entre as suas, soltou imediatamente antes de terminar a fala. O estranho e peculiar rapaz era quente como a larva em erupção.

Fitando as mãos queimadas, o assustado menino, tentou esboçar o cínico sorriso de ironia outra vez. Tendo o cenho franzido, o sorriso não formava corretamente devido a eminente dor ardendo na palma daquelas finas mãos.

“Isto aparenta bem...”.

“Real?”. Completou o homem, retirando uma pistola, entregando para ao jovem. Ele não aceitou. Não havia palavras. O rosto descrente somente fitava a estranha figura. “Pegue!” Insistiu. “Você deve combater o mal que atormenta as sombras e não permite o Sol brilhar. Aqueles que trazem pesadelos e noites em claro. A escória da humanidade. Mas, cuidado, você é imortal, todavia vulnerável a dor.”.

“Eu não sou imortal.” Ponderou. Queria levantar. Correr dali, mas estava impressionado e sem reação. “Eu... As pétalas de Oleandro... Isto é a morte, finalmente?”.

“Apolo previu isto e, desta vez, o espelho lhe curou também.” Explicou, retribuindo o sorriso comemorativo que até agora só era expresso pelo empolgado jovem. “Ele apontou para ti de olhos fechados, mas ficou desacreditado quando você ingeriu a planta. No entanto, ele precisava responder rápido ao pedido de Atenas e não queria escolher novamente”. Lembrando-se de algo importante, retirou um pequeno frasco transparente do bolso, entregando-lhe também.

“Eu não posso viver...” Os negros olhos afogado em desespero, fitavam os objetos oferecidos. Receoso, terminou aceitando a arma, admirando a diversidade de detalhes naquela ameaçadora peça dourada. “Pra sempre...?”

“Sim. O espelho capturou sua morte.”.

“O espelho?” Gargalhou novamente descrente. Maleando a cabeça em negativo, explicava retoricamente convencido. “Apolo? Deuses? Imortalidade? Um mero espelho que captura a morte? Estamos no século das luzes, meu caro desconhecido. A religião e a abstrata fé ao surreal não faz sentido, logo não tem espaço neste belo mundo cientifico.”.

“Apolo te concedeu uma missão.”.

“EU ESTOU MORRENDO!” Irritou-se, explodindo num grito de lágrimas involuntárias. Imediatamente, limpava o rosto com o dorso da mão ferida. Não era fraco. Estava trêmulo. Amedrontado. O fiel desespero tornava difícil permanecer respirando ali. “EU... Eu já deveria estar morto.”.

“Daqui a dois dias seu companheiro chegará. Ele tem incrível força, mas continua mortal.” Continuava o mensageiro, conferindo as horas no relógio de bolso enquanto levantava sem lhe conceder a devida atenção. Retornando o olhar para o garoto sentado ao chão, continuou despreocupado. “Muitos irão morrer, prevejo. Mas sempre será reposto em menos de seis meses e dois dias. Você precisa honrar a missão de Apolo.”.

“Eu não tenho esquizofrenia.” Repetia para si mesmo quase insanamente. Conferindo quantas balas existiam naquela arma, destravou o gatilho, preparando-se para atirar na própria têmpora direita.

“Isto vai render uma forte dor de cabeça que durará uns dois meses, pelo menos.” Avisou preocupado, embora nada fizesse para impedi-lo. Espionando de esguelha, após guardar o dourado relógio, colocou-se frente a frente para observá-lo. Olhos vidrados em desafio. O silêncio por alguns minutos. O dedo no gatilho. Balançando. Ameaçando. Em lágrimas, o alucinado garoto voltava a sorrir vitoriosamente descrente e, finalmente, disparou.

À bala adentrou a cabeça lentamente. Uma aflição descomunal. Largando a arma ao chão, o menino enterrava os dedos no solo, ofegante, angustiado, arrependido. Cerrava os olhos com voracidade. “MAS QUE...” Não conseguia falar. O gosto de ferrugem sujando os lábios era sangue. O líquido vermelho escorrendo sucessivamente. Aguardava cair, todavia a força lhe era a mesma, exceto pelas limitações provocadas pela insuscetível dor.

”Você é um masoquista corajoso. Estou começando a desconfiar da aleatoriedade desta escolha.”.

“E...” Ofegante. Não conseguia pensar. Porcaria. Aquilo não poderia ser verdade. Porém, a dor era tão real. Esforçando-se para fitar o algoz, questionou desconsolado. “E se... Eu quiser morrer? E se eu não combater ‘o crime’? Como... QUE PORCARIA DE DOR!”

“Se quiser reverter tudo isto, é só olhar o espelho novamente. O seu reflexo lhe devolve a morte”. Explicou, olhando em volta e notando as pessoas dopadas, vagando pelo imenso jardim sem vida, cercado por imensas muralhas brancas. “Mas, quem seria louco de abdicar do dom da imortalidade só porque é um depressivo suicida?”. Ironizou, fechando os olhos e encarando a direção da luz solar como se recebesse energias.

O silêncio permanecia entrecortado por suscetíveis múrmuros de dor.

Revirando os olhos, o homem se agachou outra vez. O escolhido fitava o solo. Cravando as unhas na terra. Buscando algum meio para amenizar o sofrimento.

Utilizando o polegar, o mensageiro levantou o ensanguentado rosto para si. Que bagunça! O ferimento recém-aberto aparentava latejar atraindo insetos. Os cabelos negros desgrenhados eram pintados pelo repentino vermelho.

Ele não era bonito ou atraente, somente, inegavelmente, jovem.

“Apolo me permitiu amenizar sua dor desta vez.”. Elucidou, soprando aquele rosto inchado por lágrimas antigas. O ferimento fechava, restando o sangue recente como prova do acontecimento. “MAS...” Continuou, pois a facilidade desviava bons soldados. “Como foi a culpado, sempre que não combater o crime por mais de duas semanas, será atormentado por esta infindável ‘dor de cabeça’”.

“Até encontrar o maldito espelho.” Praguejou raivoso, embora agradecido pelo desapreciado alívio.

“Oh! Você está escutando? Fico feliz que tenha memorizado.”. Parabenizou em ironia. Soltando o depreciativo rosto, afastava-se. Transmutava para brilho, impecável luz, enquanto caminhava. Acenando uma última vez, despediu-se com sacarmos. “Espero que consiga sair deste sanatório, doce escolhido”.

O primeiro “cúmplice” não demorou a aparecer. Feliz e motivado, também não demorou em morrer. Nicolas teimava, desandava, mas prosseguia com aquela indesejada missão. O segundo, o terceiro... O centésimo quarto era bem esperto, mas...

Talvez, motivados pela cega impulsividade, esqueciam-se com facilidade qual o verdadeiro objetivo. Ou talvez Ares não fosse bom em transmitir regras. Todavia, Nicolas sempre conseguia desviá-los aos próprios interesses com extrema facilidade.

O sinal indicava o fim da aula e, desta vez, era Nicolas quem estava absorvido pelos próprios pensamentos. O animado Guilherme lhe balançava o ombro, convidando a sair. “Vamos, Nicki. Precisamos encontrar o espelho.”. Colocando a mão no peito como um devotado soldado, repetia as palavras decoradas. “Apenas destruindo este maléfico objeto do caos, poderemos findar o crime no nosso mundo. Correto?”.

“Oh!” Retornando a realidade, esboçava o inato sorriso infame, já considerado algo natural pela contraparte. Levantando-se após guardar os livros, continuou docemente. “Claro, Guilherme. Você conseguiu as chaves do porão desta espelunca?”.

Como aguardado, após tatear os bolsos, ele retirou o barulhento objeto. Retribuindo o sorriso vencedor, levantava, balançando as chaves na altura dos olhos do cúmplice.

“Formidável, Guilherme. Eu já não aguentava fingir ser um aluno exemplar todas as manhãs.” Revirou os olhos, resmungando entediado.

“O pessoal sentirá saudade. Os professores gostavam da sua contribuição.”.

“O espelho, Guilherme. Destruir o espelho e proporcionar o bem eterno para humanidade é o nosso objetivo e não viver como ‘humanos agradáveis’.”. Abrindo a porta para que o companheiro saísse da azulada sala de cadeiras brancas ordenadas, completou galantemente. “Apesar de amá-los e admirá-los, o bem maior exige sacrifícios.”.

“Certo. Vamos pegar os três assassinos e às duas da manhã, seguimos para o ritual.” Repassava os planos, fechando o punho e batendo contra a palma da outra mão, como se fosse um martelo da justiça de um poderoso juiz.

Nicolas assentiu através de um singelo sorriso, logo se pondo cabisbaixo outra vez, enquanto refletia sobre por quanto tempo ainda teria que aguentar? Como também por quanto este companheiro poderia durar desta vez? Viver dia após dia era, realmente, extenuante.


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Notas finais do capítulo

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