Olhos sem medo escrita por Pequena Mikaelson


Capítulo 2
Olhos


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Louis, o médico, às vezes vou alternar a narração dos capítulos entre os dois protagonistas. Espero que gostem..



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Preciso chegar lá o mais rápido possível e os elevadores lentos não irão me ajudar. Corro para as escadas o mais rápido que posso, abro a porta e caio no chão. Okay, eu esbarrei em alguém antes, isso realmente faz diferença? Nesse caso, faz. Não sei onde estou, não sei quem sou, só sei que não posso parar de olhar para aquele rosto, o dia ficou mais claro, mal consigo respirar, os outros sons parecem distantes quando a sua voz ecoa pela escadaria..

–Me d-d-desculpe.. Senhor.

–Tudo bem.. Erro meu. Desculpe.

E acordo do transe maluco em que me pus. Mesmo assim, a imagem daquele homem continua me prendendo, mesmo que haja um pequeno alarme no meu subconsciente... Droga. Meu paciente está morrendo. Desço as escadas três degraus por vez, preciso chegar lá o mais rápido possível, a confusão de braços e medicamentos para tentar ajudar aquela pessoa me deixa mais aliviado, me sinto mais vivo a cada movimento frenético.

–O que houve, quero informações!

–Ele está com inchaços no rosto e no pescoço, vias aéreas obstruídas, acabou de ter uma síncope e a pressão está muito baixa! - Alguém gritou.

–Rápido, quero um tubo traqueal, vamos fazer uma traqueostomia de emergência. Apliquem 10 de epinefrina, 15 de histamínicos e anticoagulantes, rápido! É um choque anafilático, pelo amor de Deus, vocês nunca viram isso?

Meus residentes estão lerdos e com baixa percepção, a garota ruiva, Hanna, aplica a medicação enquanto insiro o tubo traqueal e logo Jean está respirando novamente, ainda desacordado, mas normalizando a pressão.

–Certo, agora, qual de vocês vai me explicar porque Jean teve um choque anafilático? Qual de vocês injetou a droga da medicação errada?

Um rapaz tímido levantou a mão e eu o chamei à frente.

–Senhor, eu injetei a medicação que possuía o nome dele. Não havia nenhum indicativo alérgico na ficha dele.

–Certo, veja bem, você vai descobrir quem indicou essa medicação, porque das minhas mãos não saiu nenhuma autorização. Quero isso pra ontem. O restante, monitorem o paciente e deixem-no confortável, com essa crise, acho que a cirurgia vai ser adiada.

Saio do quarto me sentindo mais vivo do que nunca, cada corrida dessas me deixa alucinado e pronto pra qualquer situação, além do mais, meu paciente está vivo. Mal dou três passos e lembro da situação nas escadas, quem era aquele homem e porquê me deixou tão intrigado? Além do fato de ele quase entrar em pânico apenas por eu ter caído em cima dele, não havia motivos.. Mesmo assim fiquei. Pego o telefone da assistência e ligo para Alícia.

–Louis! Quanto tempo, meu querido, já fazem o quê? Doze horas?

–Muita engraçada, Alícia, muito engraçada! Preciso conversar com você, posso passar aí hoje pro jantar? Eu levo o vinho.

Oui! Marlon vai levar as meninas para jantar na casa da mãe dele. Não estou com vontade de ver a cobra hoje.

–A única cobra aqui é você, a mãe de Marlon é um amor! Preciso ir, chego aí por volta das 20h.

–Certo, mas não me chame de cobra, se não bebo todo o vinho!

Desligo, rindo, Alícia é minha melhor amiga desde o início da faculdade de medicina, mas desistiu no terceiro ano e casou-se com um renomado psicólogo britânico, Marlon, dois anos depois tiveram duas garotinhas gêmeas. Hoje elas tem quatro anos e sou completamente apaixonado por minhas sobrinhas adotivas, por sorte Marlon aceitou minha amizade com Alícia mesmo tendo algumas dúvidas sobre mim. Não esclareço as dúvidas para ele, afinal, é muito bom ver a cara dele quando tenta me estudar.

Termino alguns relatórios pré-operatórios e passo mais uma vez no quarto de Jean, encontrando os residentes atrelados à porta na esperança de serem chamados para outra coisa. Lembro bem da sensação de ficar tempo demais sem fazer nada, os professores adoravam fazer isso e me deixavam louco durante a residência, talvez por isso tenha escolhido a cardiologia, nós nunca temos descanso nesse ramo. Atendo mais dois pacientes e logo são 19 horas, troco de roupa e passo em uma loja de vinhos, comprando o preferido de Alícia. Chego à casa dela exatamente às 20 horas e ela está na varanda, sentada em uma cadeira de balanço à minha espera, com duas taças vazias. Sento ao seu lado, abro o vinho, encho as taças, nós brindamos e ficamos sentados sentindo o vento frio do inverno que se aproxima, em um silêncio natural.

–Louis. O que houve? Você está... Diferente.

–Estou? Não aconteceu nada.

–Ah, aconteceu sim, me conte. Anda.

Levanto da cadeira e começo a andar de um lado à outro.

–Eu conheci alguém.

–Sabia. Qual o nome dele?

–Não sei. Na verdade, eu não o conheci. Nós nos esbarramos na escada, eu estava com pressa e não perguntei o nome dele. Mas... Ele tinha uma voz, um cheiro, um calor irradiava, sabe? Eu senti alguma coisa. E não consigo explicar.

–Não posso acreditar. Louis, o grande prostituto francês tem um amor à primeira vista.

–Não caçoe de mim, Aly! Estou falando sério.

Ela continuava rindo e acabei rindo junto, não creio que o que eu senti seja "amor à primeira vista" mas quem sou eu pra dizer? Nunca conheci o amor, além do que partilho com Aly, mas não é desse tipo que ela se refere...

–Vamos comer, preparei salmão defumado.

–Eu amo salmão e estou com fome. Combinação perfeita.

Depois do jantar, voltamos para a varanda e observei o horizonte. Alícia morava em um bairro mais afastado da cidade e bem calmo, mas da varanda era possível enxergar as luzes de Paris e sinceramente? Não havia nada mais bonito. Um instante depois Marlon chega com as crianças e rapidamente me animo ao vê-las.

–Gabrielle, Camille, venham para o titio!

–Tio Louis! - Elas gritam em uníssono e correm para meus braços, enquanto Marlon abraça Alícia, depositando um beijo em seus lábios.

–Como estão minhas meninas favoritas?

–A Cami me imitou! Olha, está usando um gorro igual ao meu!

–Ah, sua boba, a vovó deu um pra mim e um pra você, IGUAIS!

E elas começam uma pequena briga sobre quem imitou quem. Alícia não gosta de vesti-las com roupas iguais, acha que cada uma merece ter sua própria personalidade e eu concordo. Mas Samantha, a mãe de Marlon parece acreditar que vestindo-as iguais, elas serão mais felizes, ou faz isso apenas para irritar Alícia, o que provavelmente é a verdade.

–Marlon, boa noite. - Apertamos as mãos e dou um abraço Alícia. - Minha linda, até outro dia, prometo que volto.

–Eu sei que volta, você sempre volta! Mas me faça um favor? Encontre aquele homem. Ele pode ser o amor da sua vida.

Apenas gargalho, dou um beijo na testa de cada uma das meninas e vou para o carro, dirigindo devagar para o hospital novamente, o plantão da madrugada é meu...

***

São exatamente 3 da manhã e não houve nada de grave na cardiologia durante a madrugada, remarquei a cirurgia de Jean para a semana que vem por causa da crise alérgica, causada por, adivinhe só, um produto de limpeza usado no quarto. De repente lembro dos olhos.. Aqueles olhos da escadaria, arregalados, assustados, mas com um brilho inigualável e lembro do que Aly disse "Ele pode ser o amor da sua vida." Vou até o saguão principal e encontro Judy, uma das enfermeiras que sempre está no hospital e questiono se ela viu o homem passando por ali, pela tarde. Ela nega. Mas me diz para perguntar a outra enfermeira, pergunto e ela também nega. Depois pergunto à uma terceira enfermeira.

–Ele era negro, alto, com olhos brilhantes..

–Eu o vi! Ele estava indo para... Só um segundo... Vou lembrar... Patologia! 23º andar! Estava visivelmente perdido e não quis usar o elevador. Posso perguntar, doutor, porque o senhor quer saber?

–Ah.. Uma amiga! Ela pediu para eu encontra-lo aqui e ajuda-lo, mas acabei esquecendo.

–Por isso ele parecia tão perdido.. Porque ele estava perdido!

Ela começou a rir, mas me limitei a observar a moça estranha à minha frente.

–Certo. Obrigada.

Fui para o elevador, mas na hora que as portas se abriram decidi, por algum motivo, usar as escadas até o 23º andar.


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