Laderland escrita por Rikamaru


Capítulo 3
Capítulo III: Quando o fogo parar de queimar




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Suas pálpebras pareciam pesar toneladas. Começava aos poucos a recobrar a consciência e voltava a sentir as enormes dores que o faziam relembrar a triste batalha da qual nunca queria ter participado.
Observou-se dentro de uma grande cabana feita de uma simplória armação de bambu, com paredes de barro e um altíssimo teto de palha e pano que impediam o vento e a chuva de degradarem o local. Via ao seu redor uma infinidade de camas com doentes e feridos. Os gritos de lamento eram horríveis e torturantes e o cheiro nauseabundo de morte e doença, que empestava todo o interior da cabana, era quase que insuportável.
Observou então uma bela moça aproximar-se de si. A garota vestia um grande jaleco branco e portava consigo uma pequena bolsa de onde retirou um enorme maço de gases e esparadrapos, um pequeno pote com uma pasta verde que exalava um forte odor, e uma grande seringa com um líquido avermelhado. Delicadamente ela retirou as gases antigas de sua pele, limpou os seus ferimentos retirando as inflamações e passou a pasta verde sobre sua pele recolocando as gases e renovando os curativos. Após ela pegou calmamente a seringa e com uma rápida fincada no braço injetou todo o líquido no corpo de Roth. As dores foram instantaneamente diminuídas e a sensação de alívio causada pela injeção fora fantástica. Mesmo assim, Roth tinha consciência de que seu estado não estava nada bom, seus ferimentos possuíam inúmeras inflamações e infecções que davam a sua carne um aspecto horrível de apodrecimento.
Sentia-se praticamente sem forças. Observava inerte a moça saindo da cabana enquanto estava extremamente solitário em seus próprios pensamentos. Não conseguia falar nem se mover, apenas pensava. Não sabia ao certo quanto tempo havia se passado, mas a cada minuto que se mantinha acordado mais lembrava-se das cenas de horror da batalha. À medida que sua memória voltava, voltava também sua tristeza. Lembrou-se do modo cruel e perturbador que sua amada fora morta e um grande vazio acometeu sua alma de uma forma avassaladora. Cada vez que pensava nas cenas de violência contra a indefesa menina, mais ódio e repugnância Roth sentia de Klenn e mais vontade de matá-lo como vingança ele tinha.
Percebeu um grande movimento dentro da cabana. Ouviam-se vozes ininteligíveis aproximando-se e passos cada vez mais próximos. Percebeu a silhueta de duas pessoas sendo refletida no fundo da cabana. Os passos tornavam-se mais próximos quando, subitamente, enxergava-se a face do Mestre entrando na cabana e indo em direção ao leito de Roth. Não entendeu o motivo daquilo, apenas observou com sua impotência ele começar a examina-lo.
– Você consegue me ouvir, irmão? - Dizia ele quase que sem esperanças de receber uma resposta.
Roth tentava arruma forças para falar ou, no mínimo, para mexer sua boca. Era inútil. Estava ferido demais para conseguir esboçar o mínimo de movimento.
– Quanto tempo faz que ele acordou? - Perguntava o Mestre a moça que cuidava dos feridos e que o acompanhara até lá.
– Fazem algumas horas. Uma ou duas talvez.
Novamente, o Mestre dirigia-se para Roth e olhava-o no fundo dos olhos.
– Eu soube de tudo que ocorreu, irmão. Sinto muito, não pude vingá-lo e, nem que eu pudesse ter destroçado Klenn, isso ainda não traria sua menina de volta. - Falava enquanto retirava os curativos do corpo de Roth para examinar os ferimentos.
Os olhos de Roth, imediatamente, encheram-se de lágrimas. Não conseguia suportar a dor de perdê-la tão precocemente e de modo tão inescrupuloso.
– Ele consegue ouvir. Está chorando, vejam. - Dizia o mestre observando os ferimentos quase necrosados do garoto.
– Mestre, mas... É... As previsões não são as melhores para ele. Seu quadro clínico é muito grave, senhor.
– Eu vi. Seus ferimentos estão gangrenando. Mas para tudo há uma solução quando temos fé em nossa Mãe. - Dizia retirando-se do recinto.
– Moça, peço que me mantenha-o vivo até que consiga se mexer. Dope-o, encha-o de medicamentos, faça o que for necessário para que consiga esboçar reações, tudo bem?
– Sim, mestre.
Roth apenas observou o Mestre sair a passos curtos da cabana. Mesmo ferido conseguia sentir a grande presença e o grande poder do homem que liderava a Santa Ordem. Era magnífica sua força e invejava-o por ser tão virtuoso e poderoso. Por um momento desejou ter todo esse poder e assim conseguir vingar, da forma mais cruel, a morte de Jenny.
Toda a sua tristeza agora havia se transformado em ódio e raiva. Não suportava mais pensar no rosto de Klenn, em sua face de prazer e nem sequer em seu nome. Tudo remetia a um ódio avassalador que parecia engolir sua própria alma.
A noite caía. O efeito da injeção aplicada pela enfermeira começava a diminuir e as dores voltavam a açoitar o corpo de Roth que, cada vez mais, perecia em seus ferimentos.
Observou, novamente, a moça entrar na cabana. Dessa vez não portava uma bolsa, mas apenas uma grande seringa. Com a mesma delicadeza de sempre, Roth percebeu a moça injetar a mesma substância avermelhada em seu braço, porém desta vez em uma quantidade absurdamente maior. O efeito anestésico foi completamente imediato e de repente sentia-se como que em um lapso de força recobrasse uma pequena parte de seus movimentos.
A noite tornava-se mais escura. A lua que iluminou toda a batalha da floresta já não se fazia mais presente naquele dia. Roth sentiu-se sozinho em meio a toda aquela escuridão. A enfermeira já havia se retirado há horas e lá onde estava apenas jaziam corpos quase sem vida lutando para adiar sua própria morte.
Não conseguia dormir. A noite passava vagarosamente e toda aquela dose imensa aplicada em si não o deixava sossegar-se. Começava a delirar na escuridão e via a todo o momento refletir em seus olhos a morte de Jenny. A cada visão Roth berrava exibindo seu ódio e retorcia-se em cima de seu leito. Era impossível conter a sua enorme raiva. Tudo o que desejava agora é poder matar Klenn da forma mais cruel possível, fazendo-o sofrer tudo que sofreu e fazendo-o pagar por todas suas crueldades.
Subitamente, em meio aos seus delírios, sentiu um grande poder aproximar-se. Tinha certeza que era o Mestre novamente. Atento escutava os passos entrando na cabana e o poder aumentar cada vez mais. Um grande brilho ofuscava a escuridão da noite e, então, aparecia com todo seu esplendor e poder a face do Mestre. Sua voz trovejante ecoara em toda a cabana com suas palavras:
– Irmão, a dose de analgésico que injetaram em você é fatal. Você possui apenas mais algumas horas de vida, garoto.
Roth reunia o máximo de forças possíveis e tentava, em um esforço dramático, balbuciar algumas palavras.
– Eu percebi isso. Mas...Por...que? - Disse com extrema dificuldade.
– Você iria morrer de qualquer jeito. Suas feridas gangrenaram.
– Veio me ver morrer?
– Não, irmão. Não abandono um filho de minha Mãe em nenhuma situação. - Sua voz cada vez parecia mais poderosa e penetrante - Garoto, centenas de vidas foram ceifadas na batalha contra a Aliança. Estima-se que sejam mais de setecentos mortos no total, somando as baixas de ambos os lados. Isso, inclusive, me fez mudar os planos. Precisamos de novas formas de impor-nos, apenas ir a Pisom já não nos é mais suficiente. Só de nossos irmãos foram quinhentas as mortes. Isso só prova que devemos tomar, o mais breve possível, o poder de Laderland e reivindicarmos o poder de nossa Mãe.
– E o que eu tenho com isso? Isso trará Jenny de volta?
– Não. O que eu quero dizer é que você foi um dos poucos que demonstraram potencial e viveram. Irmão, pense bem: você não tem mais motivos para viver, sua amada foi estuprada e morta na sua frente, a única coisa que deve movê-lo agora é o ódio por Klenn. Portanto eu estou aqui para dar-te uma segunda chance irmão. Não só por que és filho da mesma Mãe que eu, mas sim por que eu compartilho do seu sofrimento.
– O que você quer, afinal?
– Eu tenho a sua cura, eu posso te dar uma vida e, mais do que isso, posso te dar poder. Posso assegurar a sua capacidade de vingança, tornar-te um dos grandes. Apenas aceite ser meu discípulo, Roth.
Sua alma encheu-se de esperança. Era tudo o que queria. Não pensava mais em nada além de vingar-se. O ódio dominava-lhe de uma tal forma que era incontrolável. Todo o sentimento de vazio e medo agora desaparecera e sentia-se como uma máquina de caça focada apenas em matar Klenn. Sabia que a única pessoa capaz de lhe dar o poder necessário para isso era o Mestre e, portanto, era a oportunidade perfeita.
– É clar... - tossiu agressivamente escarrando muito sangue - Argth... É claro que eu aceito, Mestre.
– Apenas não me chame de Mestre, meu nome é Hasken Jümberkich. A partir de agora somos cúmplices, irmão.
Dito isto, Hasken ergueu suas mãos ao alto e, pronunciando palavras ininteligíveis, abaixou-as tocando-lhe na barriga de Roth. Uma grande chama tomou conta da pele de Roth e iluminou toda a cabana. Não sentia o fogo queimar. Era um fogo bom, revigorador. A medida que ele se alastrava, todas as suas dores desapareciam e seu corpo parecia curar-se de uma forma divina e mágica. Era incrível.
Vagarosamente apoiou-se em seus braços e levantou-se observando, atento, a face de Hasken. Enxergou-o saindo da cabana e sabia que devia segui-lo. Agora, mais do que nunca, sentia que devia obedece-lo de forma incontestável e agradece-lo pela sua oportunidade de vingar-se. Pôs-se a andar para fora da cabana. O ambiente externo, iluminado pelo grande brilho das chamas de Hasken, mostrava uma paisagem extremamente devastada. As árvores destruídas, o chão ensanguentado e ainda se via uma pilha enorme de corpos amontoados no chão. Mas nada disso perturbava-o mais, apenas mantinha o foco em matar Klenn. Todos seus sentimentos morreram com Jenny, só restava o ódio, a raiva e o rancor.
Roth seguia calmamente o seu mestre. Seus olhos demonstravam uma frieza e um vazio que jamais sentira. Dessa vez não tinha reais motivos para viver, tinha, apenas, motivos para matar.


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