Luz Negra: O Natal deixou de ser colorido escrita por Huning


Capítulo 1
A Primeira Luz a se Apagar


Notas iniciais do capítulo

História original, para o desafio de natal.

Boa leitura ♥



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Luz Negra:

O Natal deixou de ser colorido

24/12/2015 - 23 horas e 45 minutos

Primeiro a garota observou o sapato social marrom caído ao chão, com a sola virada para cima, no centro de uma poça de um líquido o qual ela ainda não havia reconhecido, sobre o tapete felpudo no interior da sala de estar. Sentou-se no sofá ainda olhando para o sapato e amaçou o bilhete que estava em sua mão direita, aos poucos sentiu a raiva espalhar-se por seu corpo e então, a primeira lágrima escorreu pelo seu rosto.

Não queria olhar diretamente para o que estava a sua frente, olhou primeiramente para o tapete molhado e posteriormente para a parede acinzentada, seguindo por uma rachadura que a muito tempo ficou de ser reformada, até chegar ao teto. Suspirou. As madeiras do forro estavam envelhecidas e repletas de teias de aranhas, parou ali por um tempo, ainda não sabia se queria prosseguir.

O ambiente estava iluminado apenas pelas luzes da árvore de natal, que refletiam pelo cômodo e, normalmente, deixavam o lugar mais aconchegante, mas não naquela ocasião, nunca naquela ocasião. Fechou os olhos. Conteve as lágrimas. Abriu os olhos. Continuou olhando pelo teto até chegar no ventilador, que não funcionava há anos, mas ainda assim era muito resistente, resistente o suficiente para aquela situação. Do ventilador seguiu para a corda, ela sabia o que estava por vir, já tinha visto tudo de relance, mas nunca estaria preparada para aquilo, viu os cabelos negros, do mesmo tom que os seus, o rosto com um tom de pele avermelhado, quase ficando roxo e a corda presa no pescoço de seu irmão mais velho.

...

24/12/2008

"Feliz natal, maninha" disse Lucas ao entregar o presente a sua irmã, de longe ela reconhecera o que era, uma bicicleta, o presente que tanto desejou, mas que os pais nunca haviam conseguido comprar enquanto eram vivos e que Lucas, seu irmão mais velho e melhor amigo juntou economias durante meses para compra-la.

"Muito obrigada" agradeceu Amanda, agarrando-se no pescoço do irmão para abraça-lo, a garotinha não tinha como presenteá-lo de outra forma, a não ser com gratidão, já que aos treze anos ainda não podia trabalhar. "Vamos dar uma volta?" Pediu a garota com um brilho nos olhos, Lucas não poderia negar aquilo.

Os dois seguiram para fora da casa, que seus pais haviam deixado após morrerem em um acidente anos atrás, e foram para o pátio. Amanda montou em sua nova bicicleta, que fora adquirida em uma loja de móveis usados e deu suas primeiras e errôneas pedaladas, Lucas ajudou-a, segurando-a e empurrando-a pelo gramado. A garota ria a cada queda e não desistia e aquilo tudo enchia o coração do irmão de orgulho e ele sussurrou para si mesmo "Nunca irei te abandonar". Amanda olhou para trás naquele exato momento e Lucas nunca soube se ela havia escutado ou não.

...

25/12/2015 - 00 horas e 13 minutos.

"Você disse que nunca ia me abandonar!" Gritou Amanda ao levantar-se do sofá e seguir em direção ao irmão, ela gritou inúmeras outras vezes enquanto golpeava o corpo do irmão com socos e empurrões e a cada golpe o ventilador rangia devido ao movimento que cadáver fazia. "Por que você fez isso?" Perguntou a garota antes de escorregar no tapete e cair sobre o líquido que havia ali, só então sentiu o cheiro de urina e aquilo fez com que ela sentisse um aperto inconsolável dentro do peito.

Levantou-se vagarosamente e abraçou-se ao corpo de Lucas, seu vestido branco, o favorito dele, ficaria todo manchado, mas ela não se importava mais, aquilo tudo não importava mais. Tentou tira-lo de lá, mas não tinha força nem altura suficiente para aquilo. Procurou pelo celular do irmão, precisava pedir ajuda, mas não o encontrava, o seu ela havia perdido, também não conseguia encontrar as chaves da casa.

Andou até o quarto de seu irmão, a cama estava impecavelmente arrumada, assim como o restante do guardo, como sempre estivera. Sentou-se do lado em que Lucas costumava dormir, precisava pensar no que fazer, mas o cheiro do seu irmão impregnado pelo quarto não permitia isso. Deitou-se e agarrou-se no travesseiro que era do rapaz e então chorou, soluçou e gritou mais e mais. Quando estava prestes a pegar no sono, sentiu algo tocar em seu ombro, era frio e viscoso, virou-se para trás e não viu nada.

Começou a ficar apreensiva e sentiu a cama balançar, como se houvesse algo sob ela, levantou-se rapidamente e seguiu andando de costas em direção ao armário que estava aberto, estava com medo e quando pensou em gritar, algo tapou sua boca, era uma mão e outra agarrou-a pela cintura, puxando-a para dentro do armário.

"Fique quieta" Amanda reconheceu aquela voz e logo ficou aliviada. "Ainda preciso me acostumar" o rapaz prosseguiu, a garota não compreendia como aquilo estava acontecendo e por fim chegou a conclusão de que estava sonhando, sim, havia adormecido. "Você não leu meu bilhete, não é?"

Sim, o bilhete, Amanda não tinha o lido, "Onde é que estava mesmo?" Pensou ela. Amanda saiu de dentro do armário e olhou uma última vez para Lucas, ele estava tão lindo. Se aquilo fosse um sonho, nada teria a temer e então seguiu para sala, onde havia deixado o bilhete cair.

Havia um sorriso bobo em seu rosto enquanto ela desamassava o papel, mas que logo se desfez quando ela atingiu a metade da leitura, não conseguia acreditar que aquilo realmente estava acontecendo, não poderia aceitar, estava enlouquecendo, aquela era a única explicação. Mas, as palavras pareciam bastante criveis e conforme continuava a leitura, tudo aquilo começava a fazer sentido.

Aos poucos sentiu a raiva retornar e quando se deu conta, estava quebrando os móveis da casa. Correu para a cozinha e pegou um isqueiro, voltou para sala e o acendeu, colocando fogo numa das pontas do bilhete e o soltou sobre o presépio que estava embaixo da árvore de natal, logo a palha ao redor do objeto começou a pegar fogo e Amanda permaneceu observando Jesus, Maria e José de madeira a queimar. Ela afastou-se quando o fogo começou a se alastrar pelos ramos sintéticos da árvore, as bolas coloridas estouravam devido o calor e a estrela do topo já estava a derreter.

Com o passar do tempo, as memória foram retornando a sua mente, aso poucos, como se não quisessem causar nenhum problema, mas era tarde demais, então Amanda lembrou-se de tudo, como se estive assistindo um filme, ou interagindo com suas próprias lembranças:

...

24/12/2014: "Onde é que estava? Aquele lugar era apertado, não conseguia se mover. Olhou para seu corpo, estava vestindo o mesmo vestido branco, o favorito de Lucas, mas porque estava deitada? E porque ninguém a ouvia? Quem eram todas aquelas pessoas? O que estavam falando? Estavam rezando?." Então Lucas apareceu, ele estava chorando. Logo atrás dele surgiu o Sr. Corsey, o padre da igreja comunitária. Eles disseram mais alguma coisa e algo foi colocado sobre Amanda, era difícil de respirar, sentia que estava sendo carregada e aos poucos o pavor foi tomando conta de sua alma.

Não tinha noção do que estava acontecendo e continuava a pedir por ajuda, mas todos pareciam ignora-la, então ela ouviu, as pás de terra sendo derrubadas sobre seu caixão.

23/12/2014: Garoava naquele inicio de noite, por sorte o comércio ainda estava aberto e Amanda conseguiria comprar um presente de natal para seu irmão, seu objetivo era passar em um sebo no centro e comprar algo interessante que encontra-se por lá e foi o que vez. Demorou alguns minutos para encontrar algo que desperta-se sua curiosidade: um vinil de uma banda antiga e alguns livros sobre ocultismo. Não gastou mais que quinze reais com sua compra.

Chovia ainda mais forte quando ela saiu da loja, mas não queria esperar, pediu que as mercadorias fossem bem embrulhadas, montou em sua bicicleta, a primeira e única que havia ganhado e seguiu para casa. A chuva impedia que ela enxergasse muito bem, o que ocasionou na fato de ela não ver que o sinal do cruzamento estava fechado e ela continuou pedalando. Primeiro ouviu o som da buzina e então o clarão dos faróis do caminhão iluminaram seus últimos momentos de vida.

...

"Olá maninha,

Como você está? Ok, sei que está confusa. Eu também estive por um tempo. Mas, eu li sobre isso e é comum acontecer, não se preocupe.

Hoje faz um ano desde que você "partiu". Fui eu quem prometi nunca te abandonar, mas foi você quem me abandonou. Sei que não é sua culpa, foi um acidente, mas isso não foi justo. Tínhamos tanto para viver, tanto para conquistar, juntos.

É estranho deixar esse bilhete de suicídio para você, mas eu sinto sua presença pela casa, principalmente em seu quarto, sei que você não foi embora, sei que você ainda está aqui. Mas, eu não consigo mais ficar sem te ver, minha pequena. Não consigo mais ficar sem ti.

Olhe para nossa árvore de natal, cada uma de nossas boas lembranças estão ali, em cada um daqueles enfeites. E essa, será a última vez que esta árvore foi montada, por fim, ela será esquecida.

Não fique triste, sei que você não quer ir. Mas, nós temos que aceitar e partir, completar nosso destino e seguir nossos caminhos, juntos. Não se preocupe maninha, eu irei te encontrar.

Com amor, Lucas. 24/12/15."


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