Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 84
Últimos Dias


Notas iniciais do capítulo

Nem preciso falar que eu desapareci, mas eu sempre volto. Com o novo ritmo da vida, eu acabo não encontrando tanto tempo para aparecer por aqui. Além disso, eu queria avançar um pouco na história do UL, já que eu penso em escrever sobre ele tbm. Enfim, espero que curtam!



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Dizer que aquele dia tinha sido movimentado era o mínimo do mínimo. Desconsiderando meus resultados na escola, eu tinha pulado no Lysandre, quase sido pega pela minha mãe numa situação comprometedora e, por fim, passado por um lanche...peculiar.

Imaginei o que ele achou dos meus pais. O interrogatório pouco sutil da minha mãe, somado com o tom passivo agressivo do meu pai não era exatamente a combinação perfeita. Sorri, de alguma forma ainda satisfeita. Não tinha sido tão horrível como eu sempre imaginara.

Principalmente porque eu não precisaria mais esconder meu namorado da minha família. Aquilo era um grande alívio.

Eu fui dormir poucas horas depois, enterrando o rosto entre as cobertas e respirando fundo. Minha cama ainda estava com o cheiro dele, tornando impossível que eu não sonhasse com ele, de novo e de novo, sem camisa, me beijando.

Acordei tarde no sábado, tomei meu café, ajudei minha mãe a ajeitar a cozinha e depois fui assistir televisão com meus pais. Eles queriam passar o fim de semana em família, aproveitando minha companhia. Percebi o tanto que eles sentiam minha falta naqueles dois dias, então não me incomodei nem um pouco de ficar com eles.

Ainda assim, mandei mensagens para Lysandre e para Rosa. No fim, acabou que ela tinha afundado nas provas, então precisava estudar muito. Eu a ajudava como podia por mensagem, mas ela não perguntava muita coisa. Lysandre tinha aproveitado para passar algum tempo com Leigh também.

Estar praticamente de férias tinha alguma vantagem. Eu estava acordando um pouco mais tarde que o normal, livre do despertador quase diário, pra começar. Eu só precisava esperar a semana da recuperação passar e teríamos nosso último dia oficial, com as despedidas.

Os professores iriam se despedir de nós, talvez nós nos despedíssemos de alguns colegas também. Aquela ideia começava a soar menos esmagadora a cada dia que passava. Eu estava ansiosa para aquele último dia.

Para não ficar muito atoa em casa, eu decidi dar uma volta no centro da cidade. Passei no mercadinho para comprar umas guloseimas e acabei encontrando Thomas, o irmão da Iris.

— Como você tem passado, Anna? – Formal como sempre. Respondi, procurando Iris perto dele.

— Bem, e você?

— Também estou bem. Vim com a minha…

— Ai está você, já te disse para não sumir assim. – Meu coração errou o compasso ao ouvir a voz. O estilo dela continuava extravagante, apesar do cabelo mais comprido.

— A Debrah, minha babá. Ela é muito legal, amiga da minha irmã. – Eu ainda não conseguia encontrar palavras e, ao que parecia, nem ela.

— Eu conheço ela. – Comentei, sem muita convicção.

— Oh, vocês estudaram juntas, é verdade.

— Sim, várias boas lembranças. – O cinismo da Debrah ainda existia, ao que parecia. Fechei a boca, cansada de procurar algo para falar, simplesmente indo com o óbvio.

— Oi, Debrah. – Ela acenou em resposta, tão desconfortável quanto eu. Finalmente me recompus, cruzando os braços. – Como vão as coisas? Sua música…

— É, eu...eu parei com tudo. – Ela finalmente falou, cruzando os braços também, mas parecendo envergonhada. – Voltei a estudar e estou trabalhando para descolar uma grana.

— Ela é uma ótima babá. – Thomas comentou, satisfeito. Sorri para ele.

— Aposto que sim. Queria eu ter tido uma babá tão rock’n’roll. – Ele riu. Debrah parecia agradecida por eu não ter mencionado nossa crise passada para Thomas. Apesar do mesmo estilo, deu pra perceber que Debrah tinha mudado. Bastante.

— Obrigada. Thomas, precisamos ir, senão vai se atrasar para a aula de tênis.

Com aquilo, os dois se despediram e voltaram ao seu caminho, conversando sorridentes. Claro que eu não esqueceria o que passei nas mãos dela, nem esperava que ela tivesse virado um anjo, mas era bom ver que ela parecia ter tomado jeito. Contanto que ela cuidasse bem de Thomas, tudo ficaria bem.

Fui comer um dos meus salgadinhos no parque, ainda chocada com meu encontro com Debrah. Tão chocada que eu quase atropelei Peggy. Ela achou graça da minha distração, mas não se demorou. Ela estava procurando um furo de reportagem pelo parque, sem muitos resultados.

— Te vejo na quinta, no último dia?

— Estarei lá sem falta. Tchau, Peggy. – Ela acenou e foi embora com seu gravador. Decidi terminar meu salgadinho e voltar para casa, o sol começando a se esconder. Não fiz muito pelos próximos dois dias, apenas descansando. Na quarta de noite, antes de dormir, voltei a sentir aquele pesar pelo último dia.

Era inevitável que eu fosse perder o contato com alguns dos meus amigos, mas naquele momento parecia que eu nunca mais ia ver ninguém. E pelo que? Eu não fazia ideia do que faria com meu futuro. Olhei para a parede do meu quarto, a lua pintada me olhando de volta. Será que eu me despediria daquele lugar também?

Dormi, quase brava por ter me deixado pensar em tudo aquilo. O som do despertador pareceu tocar cedo demais, mas eu me sentia descansada. Apreensiva também.

Vesti uma roupa mais arrumadinha, sem exageros. Uma boa calça jeans, com uma camiseta floral e meus tênis costumeiros. Deixei o cabelo solto e passei um batom claro, só para dar um brilho ao meu rosto. Sorri pro meu reflexo, tentando me manter calma. Ia ficar tudo bem.

— Rosa? – Cheguei ao portão da escola, ouvindo o burburinho típico de um colégio. Minha amiga estava parada na entrada, encarando a construção. Apesar de ser muito sutil, dava para ver que ela tinha olheiras. – Não quer entrar?

— Eu estou tão cansada depois da semana de recuperação. Queria ter dormido mais.

— Vamos lá, não vai ser tão ruim. Não tem que se preocupar hoje. – Falei, batendo de leve em seu ombro. Ela sorriu fraco.

— Sem provas, sem drama...não tem medo que seja um dia chato?

— Temos a surpresa da diretora, esqueceu? – Ela franziu o cenho, parecendo disposta a fugir, mas a segurei pelos ombros. – Vai ser bom ter um dia de paz aqui.

Eu sabia que o sorriso de Rosa escondia o que ela realmente sentia. Sabia porque meu sorriso essa manhã tinha sido igual ao dela. Saudosista. Era bom saber que eu não era a única me sentindo daquele jeito. Dei um impulso leve para que ela começasse a andar e a segui.

— A escola está tão vazia…

— Só tem a turma do último ano aqui hoje, faz sentido.

— Eu chego a ter medo de escola vazia, mais do que de uma lotada. – Ela comentou, cruzando os braços. – Talvez ninguém tenha vindo, eu entenderia.

— Seria triste. Vamos procurar lá dentro. – Franzi o cenho, estranhando a falta de movimento também. Assim que entramos no corredor, o alto-falante chiou.

— Estudantes do último ano, sejam bem-vindos novamente. Gostaria de parabenizá-los, mais uma vez, por terem chegado até aqui, com todo o esforço de vocês. A escola gostaria de presenteá-los, então, com um baile de fim de ano, amanhã a noite no ginásio. Estão todos convidados, é claro. Devido ao curto prazo, convidamos os alunos dispostos a ajudarem para colaborarem com a nossa organização. Obrigada.

Sorri para Rosa, finalmente vendo a cabeleira vermelha de Iris se aproximando de nós. Ela também parecia bastante empolgada.

— Vocês ouviram? – Ela perguntou, alguns outros alunos aparecendo no meu campo de visão também. Castiel não parecia tão empolgado, pra variar, Violette estava preocupada por não saber dançar e Ambre estava chateada porque Li não estaria na festa e não podia ajudá-la com o vestido.

— Se precisar de outro corte de cabelo, Ambre… – Priya provocou, só não recebendo resposta porque a diretora voltou a falar.

— Aos alunos que quiserem ajudar, nos encontraremos no pátio para separar as equipes. Aos demais, nos veremos amanhã às oito da noite. O baile será pagante, com os convites vendidos na entrada. Esse dinheiro será utilizado na manutenção dos clubes da escola. Até mais.

— Vocês vão ajudar? – Iris questionou, ansiosa. Eu pensei em me dar o luxo de não ajudar, mas ai não seria Anna, seria? Sorri, concordando. – Legal, podemos passar um último momento juntas. Rosa?

— Eu estou exausta, me desculpem. Vou para casa. – Ela realmente se sentiu mal por não ajudar, mas eu a consolei e falei para ela descansar bastante. Ela sorriu. – Oh, podemos sair para comprar as roupas mais tarde, o que acha?

— Eu não ousaria comprar um vestido sem ouvir sua opinião. Passo na loja do Leigh mais tarde, ok? – Ela concordou, finalmente indo embora. Fui com Iris para o pátio, já com alguns alunos por lá. Não encontrei Lys, mas ele devia estar por perto.

De forma resumida, fomos divididos em duas equipes. A primeira trabalharia com Patrick para redecorar o ginásio, a outra ajudaria Boris com o equipamento de luz e som. Como eu sabia que pouca gente escolheria a segunda, eu decidi ficar nela.

Fui até o porão, procurando as coisas mais leves que eu poderia carregar. Apesar do meu tamanho, eu nunca tivera muita força. Boris ficou satisfeito com o par extra de braços.

— Muito bem. Kentin e Lysandre, carreguem as mesas em duplas, por favor. Cuidem das coisas mais pesadas…

— Senhor, nós também podemos cuidar das coisas pesadas. – Priya falou, provocando o professor. Ele tentou explicar que não tinha dito naquele sentido, mas ela e Kim já tinham ido até uma das mesas para carregá-la. Peguei uma das caixas no chão, respirando fundo. Lys finalmente me viu, sorrindo satisfeito. Ele certamente tinha pensado como eu, que definitivamente eu estaria lá.

— Posso te ajudar se precisar.

— Você não ouviu a Priya? Ela não precisa de ajuda. – Kentin soou amargo. Lys franziu o cenho e respondeu sem pensar.

— Não lembro de ter pedido uma opinião sua.

— Eu vou ficar bem. Obrigada. – Interrompi a discussão, estranhando a atitude dos dois. Quando passei na frente da sala, quase trombei na porta. Faraize também tinha uma caixa, com discos.

— Oh, sinto muito. Te acertei?

— Não, senhor. O que são esses?

— Minha coleção de discos. A diretora pediu que eu fosse o DJ da festa, mas não me lembrava que tinha tantos assim. – Ele parecia satisfeito, pedindo licença. Retomei meu caminho, ouvindo ao longe a professora Delanay brigando com a diretora sobre algo. Finalmente consegui chegar ao ginásio com a caixa intacta.

— Nossa, que canteiro de obras. – O ginásio estava bem movimentado e barulhento, apesar das poucas pessoas. Lys chegou pouco depois de mim com outra caixa. – Sobrou alguma coisa?

— Não, conseguimos trazer tudo. Curiosa?

— Com o resultado? Claro.

— Acho que vai ficar lindo, igual a você. – Era impressionante como Lysandre conseguia fazer qualquer elogio soar trivial. Sorri, daquele jeito bobo de sempre. – Mal posso esperar para te ver arrumada e poder dançar com você a noite toda.

— Você se lembra que eu não sou uma grande dançarina, não é? – Respondi, caindo cada vez mais no par de olhos bicolores que me encarava. – Também espero te ver todo elegante.

— É claro. – Sorri, imaginando Lys vestido a rigor para a festa. Ele já era sempre tão elegante, mas de terno eu estava pronta para me derreter.

— Já que terminamos, eu preciso ir. Vou encontrar a Rosa para fazermos compras. Te vejo amanhã?

— Eu não perderia por nada. – Ele me deu um beijo de despedida antes de me deixar sair do ginásio.

Andei sem pressa ao sair da escola, não demorando para ouvir a voz de Ambre perto da entrada do parque. Travei, achando que era comigo.

— Você vai enrolar mais? Nunca vi ninguém tão lerdo.

— Você sabe que eu posso simplesmente te deixar sozinha, não sabe? – Nathaniel. Finalmente virei o rosto, vendo-o de mau humor.

— Sem chance. Li está do outro lado do mundo e eu preciso de uma opinião. Se me deixar sozinha, vou falar para a mamãe que você está sendo mau comigo.

— Eu não ligo, sabia? Anna? – Ele finalmente me encontrou. Sorri para ele. Parecia que eu não via Nathaniel há anos.

— Não dá mesmo para te evitar, dá? – Foi Ambre quem comentou, mas eu não me dei ao trabalho de responder.

— Eu estou indo encontrar a Rosa. Te ligo depois, pode ser? – Nathaniel concordou, a irmã dele já se afastando. Reparei que ele carregava várias sacolas. – Vai.

Ele se despediu correndo e foi atrás da irmã. Retomei meu caminho, finalmente chegando à loja. Os vestidos na vitrine eram simplesmente maravilhosos. O talento de Leigh era indiscutível.

— Dá vontade de comprar tudo, não dá? – Rosa finalmente chegou, a aparência bem melhor.

— Conseguiu descansar? – Ela concordou, me puxando para dentro da loja. – Os vestidos são sensacionais.

— Eu sei. Veio muito a calhar, não foi?

— Talvez o baile seja plano dele. – Brinquei, mas ela riu.

— E desde quando Leigh conseguiria manter um segredo desses de mim?

— Sério agora, ele fez todos esses?

— Ele só faz os da vitrine, os outros ele compra. Seria trabalho demais para atender a demanda que ele tem. – Ela sorriu, indo direto para o homem atrás do balcão.

— Ei, meninas. Ouvi que vocês têm um evento importante.

— Vou precisar de toda a sua ajuda, Leigh. – Comentei, já perdida no meio de tantas opções. Ele concordou, se aproximando junto de Rosa.

Enquanto minha amiga já estava passando por todos os modelos na arara, eu hesitava. Eram tantas opções, todas tão lindas. Leigh sorriu, se aproximando. Ele já estava acostumado com os meus gostos e as minhas inseguranças, então ele conseguia me ajudar com facilidade.

— No que pensou?

— Não sei. Nada muito extravagante, com certeza, nem justo. – Ele ouvia, pegando alguns dos vestidos que não me atenderiam e separando-os. – Não pensei em nenhuma cor em específico.

— Que tal esse? – Ele pegou um preto, aparentemente simples. Prestando atenção, ele tinha detalhes triangulares do decote à cintura, até se abrir na saia levemente transparente. Não era feio, mas algo não me atraia nele. – Não, tudo bem. E esse?

Eu até tinha olhado aquele, mas achei o laço na cintura um pouco grande demais. Eu também não queria usar nada curto. Ele chegou a arriscar um azul, mas ele deixava muita pele à mostra.

— Quando você vai desencanar disso? Seu corpo é ótimo. – Rosa ouviu o comentário sobre o vestido azul, estudando um vestido lilás.

— Eu tento, Rosa, mas eu não faço a linha sexy desse jeito. Obrigada.

— Ok, eu acho que um desses dois vai te deixar feliz. Tem esse… – Ele pegou um vestido vermelho de saia curta, mas com uma segunda saia por cima, quase como uma capa. Era bem interessante. – E esse.

Rosa normalmente não era uma cor que me atraia, mas era um tom mais frio, por assim dizer. A parte de cima era rendada e a saia era super leve, com uma fenda no lado esquerdo. Franzi o cenho, curiosa. Leigh esperava minha resposta, alternando os cabides na minha frente. Sorri.

— Vou experimentar os dois. – Ele sorriu, parecendo ter um palpite sobre minha decisão. Rosa entrou comigo na cabine. Não discuti.

Apesar de não ser algo que eu imaginara, o vestido da fenda me caíra bem. Minha perna não ficava sempre exposta, dependia muito de como eu me movia, o que me dava alguma confiança. A saia de cintura alta também me deu uma silhueta legal.

— Acho que temos um campeão. – Rosa declarou, abrindo a cortina para mostrar para Leigh. Ele sorriu, provando o que eu pensara antes.

— Eu tinha um palpite. – Claro que ele já tinha preparado sapatos e acessórios que combinavam.

— Odeio assumir, mas estou me sentindo uma princesa. – Parecia bobo, mas Rosa sorriu, satisfeita.

— Isso é bom para um baile, não é? – Concordei, olhando as sandálias que ele pegara. Ele também separara um par de brincos delicados, que eu sabia que nem precisava provar.

— Satisfeitas?

— Eu estou encantada, amor. Eu amei o meu. – Ela sorriu, segurando a sacola. Entreguei o dinheiro para Leigh, esperando ele colocar numa sacola.

— Falando nisso, o que acha de se arrumar lá em casa? Podemos chamar as outras meninas, minha mãe pode nos ajudar...e ai?

— Nossa, eu amei a ideia. Vamos fazer isso. – Finalmente peguei minha sacola, dando um abraço na minha amiga e me despedindo de Leigh. Antes de atravessar a rua, consegui ouvir o comentário dele.

— Eu entendo porque ele gosta tanto dela.

Aquilo me deixou ainda mais radiante do que eu já me sentia. Quase corri para chegar em casa, entrando e indo direto atrás da minha mãe. Ela secou as mãos, vindo me encontrar na sala de estar, junto do meu pai.

— Encontrou o vestido perfeito?

— Como soube?

— Recebemos um e-mail da diretoria avisando sobre a festa.

— Oh, ela disse que avisaria. – Finalmente coloquei a sacola sobre a poltrona, me acalmando.

— Ela está preocupada que alguém tente levar bebida alcoólica, ou que aconteça algum...deslize. – Minha mãe complementou.

— Ninguém que eu conheço faria essa burrada.

— Bom, de todo jeito, seu pai se ofereceu para ser um dos acompanhantes adultos.

— Surpresa. – Senti o sangue sumir das minhas mãos, nervosa de repente.

— É brincadeira? – Arrisquei, mas ele continuou sério.

— Claro que não.

— Por quê? É uma vergonha ir ao baile da escola com o pai de babá.

— Uma vergonha, não fale assim. – Ele falou, mas minha mãe simplesmente anunciou o jantar e voltou pra cozinha. Mordi a língua para não xingar ninguém e subi com minha sacola.

Eu fiquei muito irritada com a história de acompanhante adulto. Eu sempre soube que meu pai era super-protetor, mas aquilo era ridículo. Ele armaria um escândalo se Lysandre me segurasse pela cintura, eu já conseguia até ver. Não que eu me sentisse bem em ficar tão irritada, eu sabia que meu pai tinha boas intenções, mas ele estava prestes a estragar o que deveria ser um dos melhores dias da minha vida.

Guardei a sacola e desci de novo, calada. Eu não tentei disfarçar meu mau humor, servindo o mínimo no meu prato e comendo sem vontade. Minha mãe notou o tamanho da porção, preocupada.

— Tudo bem, meu bem? Não comeu quase nada. Precisa de energia para amanhã.

— Tudo, só sem fome. – Resmunguei, esvaziando o copo de suco. – Aliás, eu sugeri convidar as meninas para se arrumarem aqui amanhã, tem problema?

— Claro que não, meu bem.

— Acho uma ótima ideia. Depois eu levo vocês na minha carruagem. – Meu pai brincou, mas minha única vontade era de revirar os olhos.

— Sua carruagem precisa de uma boa revisão, isso sim. – Minha mãe comentou, tirando a mesa. Sorri por um segundo, agradecendo e subindo de volta pro meu quarto.

Jogada na cama, peguei o celular e mandei a mensagem, convidando Iris, Rosa, Priya, Kim, Melody e Violette. A primeira e a última não poderiam vir, mas as outras todas confirmaram. Rosa sairia mais cedo para buscar Leigh, mas viria.

Aquilo melhorou um pouco meu humor. Eu não queria nem imaginar a cara que elas fariam quando meu pai contasse que ele também ia. A cara de Lys quando o visse então, aquela eu não podia imaginar.

Ir dormir irritada não foi muito melhor. Eu sonhei. No sonho, eu estava com Lysandre na escola, de noite, enquanto ele me levava para o final do corredor. A escadaria onde tivemos nosso primeiro beijo. Ele revivia aquela mesma memória, até a voz grave interromper.

— Anna, o que está fazendo?

Acordei com uma sensação horrível no estômago, o rosto do meu pai ainda pregado na minha mente. Ia realmente ser um desastre, até sonhando com aquilo eu estava. Sai da cama só para tentar me distrair.

— Bom dia, meu bem.

— Dia. – Resmunguei a resposta, me sentindo indisposta. A noite não tinha sido das melhores.

— Olha, se ainda está emburrada com seu pai, pode melhorar seu humor. Ele precisou cancelar, um dos fornecedores da livraria marcou uma reunião importante para essa noite.

— Jura?

— Eu não sou de mentir, sou? – Não consegui esconder o contentamento. Ela sorriu para mim. – Ele ficou chateado, sabia? Ele bem queria acompanhar a filhinha dele no primeiro baile.

— Eu não fico chateada por ele querer fazer parte da minha vida, mas seria extremamente inconveniente, a senhora tem que concordar.

— Eu sei, mas não falamos mais disso, ok? Disfarce esse sorriso. – Ela respondeu, sorrindo ela mesma. – Tome seu café, tem um dia comprido pela frente.

Fiz como ela mandou e voltei pro meu quarto, começando a me organizar. Arrumei minha cama, peguei meu vestido e o pendurei para que não ficasse amarrotado, peguei tudo que eu tinha de maquiagem e deixei sobre a pia do banheiro, já pensando no que eu podia fazer.

Comi alguns biscoitos enquanto esperava as meninas chegarem, tentando controlar minha ansiedade, sem muito sucesso. Por sorte, as quatro logo chegaram ao apartamento.

— Ei meninas, que bom que chegou todo mundo junto. – Comentei, fechando a porta atrás de Priya. – Vamos pro meu quarto, só me seguir.

Rosa já conhecia o cômodo, mas as outras gastaram um momento estudando o quarto. Melody parecia maravilhada com o mural na parede. Sorri. Eu ainda reagia daquele jeito, até hoje. Eu tinha comprado umas estrelinhas para pendurar naquela parede, complementando o cenário.

— Menos rosa do que eu esperava. – Priya comentou, parecendo satisfeita com o azul-claro das paredes. – Tem sua cara, é uma gracinha.

— Obrigada.

— Podemos começar? Tenho que encontrar Leigh daqui duas horas na porta da loja. – Rosa comentou, finalmente nos lembrando do motivo do nosso encontro.

— Vai levá-lo? – Kim comentou, sentando na minha cama. Rosa deu de ombros.

— Claro, ele é meu acompanhante.

— Sorte sua. – Melody deu um suspiro nada sutil. Priya notou e mudou o assunto.

— Viram que o Faraize vai ser o DJ da festa?

— Fala sério, sem chance. – Rosa pareceu chocada. Kim falou de tê-lo visto com a coleção de vinis e eu concordei, abrindo a janela do quarto abafado. Não era comum ter tanta gente assim.

— Eu também vi, ele parecia animado.

— Tomara que ele tenha um gosto musical melhor do que o gosto para penteados dele. – Rosa resmungou, finalmente pegando seu vestido na sacola e pendurando-o perto do meu.

— Vocês são más. – Melody comentou, ficando de pé para pegar suas coisas. – Mas não deixa de ser verdade.

Com as risadas, começamos a nos arrumar. Eu perguntei para Rosa como deveria arrumar meu cabelo, já que ele ainda estava se recuperando do meu surto de meses atrás, muito curto para qualquer coisa elaborada.

Enquanto Priya ajudava Melody com seu vestido, Rosa penteava meu cabelo para fazer um penteado simples. Ela pegou as mechas de cima do cabelo e as prendeu para trás, enrolando o cabelo de cada lado para dar aquele ar meio élfico que ela imaginava que eu adoraria. Sorri, concordando com a cabeça.

Com o cabelo resolvido, fui vestir minha própria roupa. Quando pus as sandálias no chão, Kim me encarou horrorizada. Estranhei, imaginando que tivesse algo de errado com o calçado.

— Eu imagino o inferno como uma estrada sem fim onde precisamos andar sempre de salto. – Ela comentou, finalmente esclarecendo o problema. Ri.

— Eu precisei de um tempo para me acostumar, mas eu até gosto. Me sinto bonita. – Voltei a prestar atenção no meu vestido, verificando que estava tudo no devido lugar.

— Não é pra mim mesmo.

— O que você vai calçar? – Perguntei, tentando ver o que ela trouxera.

— São sandálias bem arrumadinhas, acho que servem muito bem. – Eram rasteirinhas douradas. Sorri, concordando com ela.

— Como eu estou? Rosa prendeu meu cabelo. – Melody perguntou, mostrando seu modelito. Era um vestido azul-claro que acabava um pouco acima dos seus joelhos, muito simples, mas elegante. O rabo de cavalo alto complementava tudo muito bem.

— Está muito fofa, Mel. – Kim comentou, acabando de se vestir. Ela comprara um macacão vermelho maravilhoso, com um pouco da cintura à mostra. Fiquei admirada. – E eu?

— Impecável. – Comentei, amando o figurino. Priya também tinha optado por um macacão, azul escuro de alcinhas e um decote do tamanho perfeito. Rosa estava acabando de trançar o cabelo dela, com o cabelo já arrumado, ainda sem o vestido.

— Vocês todas estão fantásticas. – Acabei de ajeitar o vestido no meu corpo e fui para o banheiro. – Se alguém precisar de alguma maquiagem, fiquem à vontade.

— Eu não posso ajudar mais ninguém, pelo menos até me vestir. – Rosa comentou. Melody parou ao meu lado na frente do espelho, olhando o que eu tinha disponível. Eu comecei a passar base enquanto ela olhava minha paleta de sombras.

— Kim, talvez não seja sua praia, mas eu tenho um batom que vai ficar perfeito com sua roupa. – Joguei o dito produto para ela, sem prestar atenção se ela decidira passar. – Priya, precisa de alguma coisa?

— Tem delineador? – Ela pediu, esperando com a palma estendida até eu encontrar a caneta preta. – Obrigada.

— Ok, eu vou precisar disso também, Priya. – Rosa finalmente tinha se vestido. O vestido preto com a cintura dourada lhe caiu como uma luva, perfeitamente. Era como se Leigh tivesse feito só para ela.

Rosa acabou de se arrumar antes de todas nós, já acostumada com a rotina de maquiagem sempre impecável. Ela me devolveu minhas coisas e foi calçar as sandálias. Pedi para ela conferir a minha maquiagem, ao que ela adorou.

Passei uma sombra brilhante rosa, nada muito chamativo, e complementei com um batom num rosa mais escuro. Ela pareceu adorar a escolha, dizendo que eu estava incrível.

— Você aprendeu muito nos últimos tempos. – Ela sorriu para mim. Era verdade que eu não era muito de me arrumar quando cheguei, mas as coisas mudaram. Eu conseguia enxergar a diversão em uma maquiagem bem-feita e num vestido bem escolhido.

— Prontinho, acho que estamos todas prontas. – Priya comentou, apagando a luz do banheiro. Ficamos olhando umas pras outras, sorrindo. – E então? Quem ganharia num concurso?

— Todo mundo está tão bonito, parece um sonho. – Comentei, feliz. Ela sorriu, mas retomou sua brincadeira.

— Pois então, quem vota em quem? Eu escolheria a Rosa. Achei a cor muito original e caiu super-bem.

— Oh Priya, também arrasou no seu macacão, porém eu escolho a Anna. Só Deus sabe o que eu passei para fazer essa garota chegar até aqui. E agora ela consegue sozinha.

— Obrigada, Rosa. – Fingi uma pontada de sarcasmo, mas ela sabia que ela brincadeira. – Bom, eu realmente amei todas as roupas, mas se eu tiver que escolher um só, com certeza é a Kim.

— Eu, sério?

— Kim, você está linda, sexy e essencialmente Kim.

— Bom, muito obrigada. Eu voto na Melody. Acho que ninguém se vestiu tão dentro da própria personalidade que nem você, Mel.

— Obrigada, Kim. Eu amei seu look e o da Priya. Vocês duas estão tão...poderosas.

— Bom, acho que temos um empate, afinal. Isso encerra o assunto. – Dei de ombros, rindo. Priya ainda me mandou uma piscadela apontando para a fenda do vestido, me fazendo corar.

— Bem, eu preciso ir buscar o Leigh. Não se atrasem, hein? Vejo vocês logo. – Rosa juntou suas coisas e deixou a casa, o cabelo esvoaçando atrás dela.

O resto de nós acabou de complementar a própria aparência, com brincos, outros acessórios, mais batom. Kim acabou arriscando passar o batom, surpreendentemente feliz com o resultado. Logo escureceu e precisávamos sair.

— Oh, preciso fazer algo antes. Mãe. – Chamei, alisando o vestido mais uma vez. Ela bateu na porta antes de entrar, sorrindo ao me ver.

— Está tão linda, meu bem. Vocês todas, meninas.

— Obrigada. Pode tirar uma foto minha? – Perguntei, vendo a surpresa em seu rosto. Claro que ela aceitou, indo buscar a câmera. As outras meninas pareciam felizes em me ver tão empolgada. – Vamos tirar uma nossa?

— Pena que a Rosa saiu antes. – Kim comentou, parando ao meu lado. Minha mãe contou até três e bateu a foto. Ela se afastaram para que eu tirasse a minha foto sozinha.

— Tire uma boa, tente pegar um pouco da parede.

— Quanta exigência. Vamos lá, sorria. – Dei meu melhor sorriso, ouvindo os múltiplos cliques. – Muito bem, acho que ficaram boas. Desde quando você gosta de tirar fotos?

— Eu não gosto, mas quero uma de hoje. Vou deixar para o Viktor. – O nome tinha um efeito quase imediato na minha mãe. Ela sorriu, os olhos brilhando com lágrimas e me deu um abraço.

— Oh, meu bem. Divirta-se, ok?

Concordei, retribuindo o abraço e deixando a casa na companhia das outras. As outras não queriam ser indelicadas, mas Kim acabou soltando a pergunta.

— Você deixa fotos pro seu irmão?

— Às vezes. Eu deixo em um porta-retratos perto da lápide. – Ela concordou, não falando mais. Era a primeira vez que eu falava do meu irmão sem sentir aquele aperto no peito. Sorri para mim mesma. – Vamos lá, temos uma festa para ir.

Empolgadas, saímos as quatro a caminho da escola, conversando sobre o nosso baile.


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Notas finais do capítulo

Boa noite, obrigada por lerem! Já estou trabalhando no próximo ♥



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