Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 32
Momentos Tensos


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas :3 Eu estou em fase de adaptação, morte lenta e terrível. Fui obrigada a trocar o editor e ainda não me acostumei com o novo .q Enfim, qualquer coisa estranha, me avisem :) Boa leitura lindjos ♥



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— Você conseguiu mesmo, meu bem? Oh, eu estou tão orgulhosa. – Minha mãe me deu um abraço tão forte que eu achei que ia sufocar. Meu pai riu da minha cara buscando ar e se juntou ao abraço, satisfeito.

— Eu te disse que você ia conseguir, minha querida.

— Obrigada por me ajudar com os ensaios. Vou precisar de novo, você sabe?

— Ora, mas eu te ajudo com muito prazer. Podemos ir lendo o texto na loja, se você quiser. Eu estou passando mais tempo por lá.

— Claro, tudo bem. Eu te digo quando já estivermos ensaiando.

— Eu preciso fazer sua roupa, então.

— Não precisa, mãe. A Rosa e o Alexy ficaram responsáveis pelo figurino, e você sabe que os dois são ótimos quando se trata de roupa.

— Ah, mas sempre são as mães que fazem as fantasias. Bom, tudo bem, eu confio nos dois. Você tem que ficar linda.

— Pode deixar, eles vão fazer tudo maravilhoso. Bem, eu vou tomar um banho antes do jantar. Licença. – Eu omiti a parte do porão. É, tinha sido revoltante o que Ambre tinha me feito, mas contar para meus pais feito uma menina de doze anos não ia mudar nada. Aconteceu, Lysandre me ajudou, eu tinha conseguido me vingar da sonsa mesmo que não fosse de propósito ganhando o papel que ela queria. Fim de história.

Tomei meu banho, com aquele sentimento bom dentro de mim, aquecendo meu peito. E depois do jantar, fui fazer uma pequena pesquisa de campo sobre a peça. Nada sério, só saber como a peça seguiria. E ai fui dormir cedo, cansada pelas emoções do dia.

Foi uma boa escolha. Eu descansei bastante, então a agitação na escola no dia seguinte não me abalou tanto assim. Rosalya tinha acabado de me enviar uma mensagem pedindo para eu encontrá-la na sala de ciências para tirar minhas medidas. Então passei no armário e peguei meu material antes de subir as escadas.

— Achei que tinha dito assim que chegar? – Pelo tom de voz o estresse já estava deixando aquele rosto lindo cheio de rugas. Suspirei, vendo enquanto ela esticava a fita métrica para tomar medida da perna de Lysandre.

— Eu volto mais tarde, Rosalya.

— Nathaniel, se você der mais um passo que seja na direção daquela porta eu juro que o Rei de Copas vai ter uma roupa cor de rosa.

— É copas, Rosalya, precisa ser vermelho.

— Pois então fique bem quietinho ai. E você também.

— Bom dia, eu nem falei nada, mas não vou sair.

— Ótimo. Prontinho, Lys-fofo. Obrigada. Agora você, senhor representante. Suba aqui.

Depois do show que Rosalya tinha dado, ele nem se incomodou em demorar um segundo. E ainda me esperou depois que Rosa o dispensou. Esperei enquanto ela ia anotando minhas medidas numa caderneta.

— Sua perna não pode medir isso tudo.

— Sou alta, Rosa.

— Okay, mas isso aqui é absurdo. Cento e quatro?

— Já acabou?

— Claro que não. E essa cintura sua, que inveja.

— Você tem o corpo de modelo e me inveja? Oi?

— Fica quieta. Prontinho. Pode ir. E poderia achar Castiel? Preciso dele.

— Não podia ter pedido pro amigo dele?

— Eu estava ocupada ameaçando seu amiguinho com o figurino rosa.

Revirei os olhos e falei que não prometia nada. Ela ainda agradeceu, como se eu tivesse dito que ia me esforçar para achá-lo. Ignorei e, de braços dados com Nathaniel, sai da sala. Ele parecia mais tranquilo ao ver que a ameaça de Rosalya não se cumpriria.

— Não se preocupe, você vai ser um rei maravilhoso.

— A Alice mais sensacional me disse isso, estou contente. – Ri com ele, entrando na sala de aula do horário.

A aula naquele dia demorou um pouco mais a passar do que o costumeiro. A ansiedade geral pela peça pesava na atmosfera em sala de aula, e nada difícil de acreditar, Faraize não estava conseguindo acalmar os ânimos. E minha atenção não estava exatamente na classe, mesmo que eu ficasse calada.

Algumas coisas ainda me incomodavam. Além da peça, algumas pessoas. Por começar com Nathaniel. Desde o anúncio de que os pais nos visitariam na escola, ele estava muito fechado. E pior, preocupado. Eu tentei de todo jeito deixar claro que eu estava lá para ele, mas quase fui ignorada. Sei que ele queria que eu esquecesse aquele dia no vestiário, mas não conseguia.

O outro na lista de preocupações era Castiel. Ele estava fingindo que aquele dia em que ele me levou em casa nunca existiu, mas sempre que eu o pegava me fitando, ou vice versa, o clima pesava. O que quer que fosse que o incomodava, eu parecia nunca estar perto de acertar.

Preocupação número três, Lysandre. Aquele não tinha muito motivo para ser chamado de preocupação, mas algo nele me deixava inquieta. E eu não conseguia ver o que era. Depois de ele ter me libertado e me ajudado a chegar até o ginásio para os testes, eu sentia aquele incômodo mais ainda.

Ao fim do dia, quando as aulas acabaram, Nathaniel disse que tinha que resolver algo com a senhora Shermansky e me deixou. Alexy parou ao meu lado com os fones de ouvido no talo, murmurando o que quer que a letra estivesse dizendo. Afastei um dos lado de cima da sua orelha e ele me encarou.

— Oi, princesa. Tudo bom?

— É, tranquilo. Animado com sua produção nos figurinos?

— Óbvio. Rosa e eu ainda estamos elaborando todas as roupas, mas vai ficar tudo tão lindo. Principalmente você.

— Ah, sim. Confio no talento de vocês.

— Obrigado. Tem certeza de que está tudo bem?

— Sim, sim. É uma coisinha com Nathaniel, mas vai passar.

— Hum, se você diz. Eu fico meio triste por vocês serem só amigos. Shippo tanto vocês.

— Obrigada, vou levar como elogio. E se me dá licença, eu vou embora. Quero aproveitar que ainda tenho tempo livre e treinar um pouco.

— Tudo bem. – Quando ele estava para me dar um abraço, um barulho alto vindo do fim do corredor nos interrompeu. Iris, que eu tinha visto preocupada mais cedo, passou correndo. Como minha última experiência naquele corredor não acabara muito bem, sai de lá o mais rápido possível.

O fim do dia foi tranquilo. Eu treinei até um pouco mais tarde, na esperança de Nathaniel aparecer, mas nada. Depois ajudei um pouco na loja, cujo movimento ia aumentando a cada dia e, de volta em casa, fiquei rabiscando alguns rascunhos antigos. Uma bela noite de descanso e pronto, preparada para o próximo dia.

O colégio parecia agitado. Encontrei Violette tentando acalmar Iris, enquanto Kim ria desesperada. Aproximei-me, cruzando os braços. A ruiva suspirou aliviada depois de ver que era só eu.

— Oi, gente. Tudo bem?

— Não, eu vou morrer. Ambre vai me matar.

— Alguém pode explicar?

— A nossa amiguinha cabeça de vento aqui esqueceu algo ontem, lembra?

— É, ela disse que era importante, mas não lembrava o que era. E dai?

— Ela esqueceu as tintas para os cenários. Ela deixou as latas no alto da escadaria no corredor.

— E onde Ambre entra nessa história?

— Ontem, no fim da aula, aquele barulho no corredor, foi aquela peste sendo acertada por uma das latas. – Kim desatou a rir mais uma vez, deixando Iris mais nervosa. Ambre cheia de tinta devia ser uma imagem ótima, mas era passado. Ou não?

— A tinta agarrou no cabelo dela, por ser muito claro. Fez uma bagunça. Ela não pode machucar a Iris, no entanto.

— Iris, relaxa. São três contra...sei lá, umas seis. Fica calma. E agora, se não se importam, preciso ver isso com meus lindos olhinhos. Licença.

Achar Ambre foi uma situação difícil. Ainda mais quando ela estava praticamente se escondendo o dia inteiro. Acabou que só a encontrei no fim do horário de almoço, saindo do banheiro. Ela procurou um jeito de disfarçar, mas quando não conseguiu fugir de mim, refez a pose de superior costumeira.

— Pode rir, eu não ligo. Foi um acidente, amanhã de manhã tudo vai ter voltado ao normal.

— Tinta mágica?

— Minha mãe conseguiu um horário num salão super importante no centro. O tipo de lugar que você não visitaria nem depois de juntar sua mesada por um ano inteiro.

— Sua mãe deve conhecer gente bem importante né?

— Das que você só vai ver em revista. Agora, se me der licença.

— A cor não ficou tão ruim. Devia investir nas mechas rosas. – Deixei ela passar, sorrindo. Realmente, o pior da situação era a textura que o cabelo dela ficou. Para minha tristeza, Ambre dificilmente ficaria feia. Eu ainda achava que Nathaniel era muito mais bonito, mas ela não tinha ficado para trás. Na verdade, eu tomava uma lavada naquele sentido.

A diretora fez Iris reembolsar a lata de tinta perdida e o caso morreu ai. O que era uma pena, o cabelo de Ambre foi piada durante o dia inteiro. Peggy tinha até conseguido uma foto para fazer uma matéria sobre. E Rosalya só conseguia dizer que ela merecia era a lata batendo na cabeça, não a tinta.

— A gente precisa ir para o ginásio, os ensaios já vão começar. – Melody comentou no fim do almoço. – Estou ansiosa.

— Eu vou com você, só me deixa acabar meu bolinho.

Fomos uma das últimas a chegar. Eu tinha essa desvantagem, comer devagar. Ao que parecia, ela não ligou. Melody era um amor de pessoa comigo, até que ele aparecia. Tipo naquele instante, quando ele chegou e me deu um abraço por trás, me entregando o texto.

— O seu também, Mel.

— Muito bem, vamos começar. Essa primeira parte é simples. Vamos ler o texto e, se alguém tiver alguma sugestão, fazer algumas alterações. Melody, poderia ler para nós, por favor, querida?

— Ah, claro.

O cenário foi de discussão geral. Todo mundo tinha algo a mudar. E eu tive que ir anotando tudo que era mudado. Eu sabia que Melody e Bia estariam lá para nos ajudar, mas eu não sabia até ponto podia confiar em Bia. Ela parecia o tipo que me passaria algo errado só para atrapalhar minha vida. Então meu texto ficou todo rabiscado.

Assim que acabamos, o sinal tocou. Boris ainda nos segurou no ginásio algumas vezes para explicar que teríamos ensaios durante as tardes também, que praticaríamos posicionamento e a fala imponente. Nada que fosse novo. E só então ele nos deixou ir. Antes que eu saísse, Rosa me alcançou e pediu ajuda.

— Vai ser muito tecido. Leigh não vai poder deixar a loja, e eu não conseguiria tudo sozinha. Quanto mais ajuda, melhor. Alguns dos meninos vão também.

— Só ligar e eu passo na loja, tranquilo.

— Obrigada, minha linda.

Fui direto para a loja. Meu pai acabava de atender um casal de idosos, entregando a sacola com um sorriso. Sorri para eles também e tirei meu texto da mochila.

— Oh, mas já? Deixe eu ver. – Ele correu os olhos pelo texto, sério. Cheguei a pensar que ele não gostaria. Só teve uma crítica, a mais esperada. – Trocaram a frase da rainha de copas?

— Digamos que a aluna que pegou o papel não é muito esperta. De todo jeito, o que achou?

— Está muito bom. Já começou a ensaiar?

— Não. Vai me ajudar a começar agora.

De acordo minha mãe, quando eles ainda eram adolescentes e se conheceram, meu pai era muito calado. O menino dos livros, como ela rotulou. Quando ela começou a ficar curiosa com o menino, descobriu que ele era fã de carteirinha de cinema e, mais ainda, de teatro. Ao que me parecia, a paixão do meu pai pelas artes cênicas só não era maior do que pela literatura. Por isso ele estava tão disposto a me ajudar.

Só parávamos quando algum cliente chegava, mas num dia tranquilo, consegui repassar o texto algumas vezes. As falas modificadas ainda me incomodavam um pouco, mas logo eu as teria gravadas também. Meu pai me indicava o que mudar, paciente como só ele.

Foi assim quase até a hora do jantar. Minha mãe tinha comprado comida naquela noite, em comemoração pela minha vitória. Ri, mas não reclamei. A pizza de presunto não me deixou reclamar, na verdade. Tomei um banho, assisti um pouco de TV, fui dormir.

Uma das piores coisas da vida é acordar com o telefone tocando. Sem ser o despertador para ser mais exata. Resmungando, atendi meio sonolenta. Rosalya, no entanto, já parecia transbordar energia.

— Oi, linda. Já está vindo? Achei melhor irmos um pouco antes para a loja, sabe, para termos tempo de guardar tudo. Falta você.

— Eu já vou, Rosa. Dez minutos.

— Ok, eu te espero.

Desliguei e, com mais um resmungo, fiquei de pé. Eu menti quando disse que só precisaria de dez minutos. Troquei correndo de roupa e arrumei a mochila, gastando o resto do tempo prendendo o cabelo e escovando os dentes. E mais uns cinco minutos caminhando até a loja.

— O tempo passa mais devagar para você?

— Você sabia que eu precisava de mais que dez minutos. Enfim, ainda está bem cedo. Vamos.

— Tudo bem. Leigh, eu te ligo mais tarde, tudo bom? Te amo.

Ele não teve muito tempo de responder. Rosalya colocou rolos e mais rolos de tecido colorido nos meus braços e saiu andando na frente. Lysandre foi atrás dela, calado. Só tinha ouvido o bom dia que ele me dera, educado como sempre.

Sabe, uma desvatagem em ter o busto avantajado é que sempre que se tenta carregar alguma coisa nos braços, seus peitos fazem o favor de empurrar parte do objeto para a frente. Ou seja, um dos rolos ficou ameaçando cair dos meus braços. Para compensar, eu fui obrigada a reclinar um pouco a coluna, andando totalmente torta e sem enxergar direito o caminho. Fui ficando para trás, e os outros não perceberam.

— Tudo bem, eu alcanço vocês. – Suspirei, tentando arrumar os tecidos. E talvez piorando um pouco minha situação. Como já estava na escola, escorei em um dos armários e tentei me ajeitar. Não estava dando certo.

— Opa, tudo bem ai? – O peso diminuiu do nada. Olhei para o lado, Nathaniel tinha pegado algum dos rolos para si, permitindo que eu me ajeitasse.

— Agora sim. Obrigada, lindo. Sabe para onde Rosalya foi?

— Sala de ciências. A senhora Shermansky liberou para ela o espaço fora dos horários de aula. Parece que é a maior sala ou algo assim.

— Ah. Se puder me ajudar, vou ser eternamente grata.

— Eu já estou ajudando. Vem.

Subi as escadas atrás dele, percebendo que só então Rosalya tinha notado minha ausência. Ela pegou o tecido que estava comigo e colocou junto com o resto no canto da sala.

— Achei que você tinha se perdido no caminho. Sumiu.

— Ela teria chegado se a senhorita não tivesse jogado esse peso todo nela.

— Representante e defensor dos fracos e oprimidos? Ora, achei que ela fosse dar conta de carregar, não é tanto peso.

— Não foi bem o problema, mas eu explico depois. Bem, eu vou para a aula, se me dão licença. – Estava um pouco mais pesado do que eu queria assumir, mas não comentei daquilo. Sai da sala e fui pegar meu material no meu armário.

A diretora passou com os passos apressados, perguntando a todo mundo sobre Castiel. Se eu bem o conhecia, ele estava do outro lado da escola, se escondendo da velha. Fechei o armário e fui na busca implacável pelo garoto com tinta no cabelo. A diretora foi mais rápida que eu, porém, e o encontrou no banco do pátio. Observei de longe a conversa. E quando ela saiu, eu cheguei.

— Bom dia.

— Já começou péssimo.

— Uau, quanto otimismo.

— O problema em questão é você.

— O que eu fiz dessa vez?

— Veio me encher a paciência. Sai fora.

— O que ela te disse de tão terrível?

— Se é tanto do seu interesse, aquele merda do seu amiguinho representante convenceu a bruxa a chamar meus pais para essa porra de teatro.

— E dai?

— Eles tinham prometido que não vinham.

— Por que não quer que eles venham?

— As perguntas idiotas não acabam, não?

— Eu tenho um saco delas com seu nome na etiqueta.

Ele suspirou e voltou a se sentar no banco. Meio hesitante, fiz menção de imitar o gesto. Ele arredou um pouco, abrindo espaço pra mim. Sentei, esperando ele dizer alguma coisa. Eu podia não me dar muito bem com as patadas dele, mas quando Castiel ficava calado, o olhar perdido deixava bem claro que algo sempre o incomodava.

— Não precisa...

— Eu sou emancipado. Eles sempre trabalharam viajando, desde quando eu era moleque.

— É, você já me disse.

— Eles não ligavam muito pra mim, sabe? E agora que eu já não preciso deles eles querem recuperar o tempo perdido.

— Eles só queriam seu bem.

— É, eu também queria muita coisa. Não que importe mais. Só não quero ter que aguentar os dois sendo os bons amigos de nunca.

— Não que você ligue muito pra minha opinião, mas não te mataria dar uma abertura.

Silêncio. Como se ele estivesse mesmo pesando o que eu tinha dito. Foi um momento tenso. O sinal tocou. Eu queria me levantar para a aula, mas Castiel continuou sentado, pensativo. Ia deixá-lo, mas a pergunta me pegou desprevinida.

— E seus pais? Vivem com você?

— Uhum. Meu pai tem uma livraria no centro e minha mãe é arquiteta. Pintora nas horas vagas. Também não passo tanto tempo com eles.

— Vem, não queremos perder a aula.

Sabe quando alguém se refere aos muros de uma pessoa, como ela se fecha para o mundo? Castiel tinha uma muralha inteira o isolando, e um rio cheio de jacarés logo atrás. Quando eu achava que ele ia me deixar pelo menos espiar através de uma rachadura nos tijolos, caia mais barro na minha frente.

Fui atrás dele, calada. Eu podia entender o ressentimento dele por um lado. Os pais sempre ausentes quando ele mais precisava. Qualquer criança que cresce vendo os pais sempre distantes passa a acreditar que longe é o lugar deles. Que a ponte precisa existir para estar tudo bem.

Entramos na sala um segundo antes do segundo sinal. Alexy, que não podia me ver perto de ninguém, mandou uma mensagem para me provocar. Escorreguei na carteira para esconder o celular debaixo da mesa.

“Parece que ele só é grosso quando tem mais gente por perto, ein? Aposto que tava um doce.”

“Cala a boca, Alexy, é coisa séria. Pelo jeito, vai ter briga.”

“Treta aonde? Já quero assistir de camarote.”

“Não sei. Vai estudar.”

“Aula chata, não quero. Conta do seu relacionamento com o boy confusão ali.”

“Alexy, não viaja. Ele não é meu tipo, obrigada. E para sua informação, touro e leão não se dão muito bem em relacionamentos.”

“Oxi, quem disse?”

“Não discute e usa sua internet para comprovar.”

Achei que tinha me livrado, quando ele voltou falando mais bobagem ainda. Resmunguei, tentando ignorar o celular vibrando entre minhas pernas. Parecia até uma metralhadora. Provavelmente era. Uma de merda.

“Ótima amizade. Já achei.”

“Sabe o que mais? Que touro e escorpião se dão super bem.”

“Você sabe de alguém de escorpião?”

“Começa com L acaba com ysandre”

“Não tá difícil”

“ALEXY, CALA A BOCA PELO AMOR DE DEUS.”

“Seu mapa tem áries, é?”

“Esquece os signos, presta atenção na aula, por favor.”

“Ih, to prevendo que alguém ainda está em negação. Tudo bem, volto mais tarde para atualizações no setor.”

E parou. Negação? O que eu estava negando, que não queria saber de astrologia? Eu até acreditava, mas sinceramente não estava levando muito em conta o que os astros tinham para mim. E o que é que Lysandre tinha a ver com aquilo? Ele não me shippava com Nathaniel? Joguei o celular na mochila e fui anotar minha matéria em paz.

Eu tinha uns quinze minutos para lanchar algo e ir para o ensaio, depois de guardar meu material todo. Vi Rosa e Alexy discutindo num canto do corredor com a caderneta dela em mãos, mas decidi não entrar no meio. Fechei o armário e fui comprar um suco.

Conversei com Kim naquele intervalo sobre nossas cenas. Ela deu algumas ideias sobre como eu devia agir um pouco mais infantil para que a diferença de idades fosse mais perceptível, e como ela teria que soar bem mais séria do que era. Peguei meu texto e fui com ela até o ginásio.

Boris nos esperava. Ficamos pouco mais que uma hora e meia praticando a primeira e segunda cena. A primeira com Kim, a segunda com Lysandre. Por incrível que pareça, ele parecia não ter problemas em gravar suas falas. E não eram tão poucas quanto eu achei.

O divertido dos ensaios, é que nada tinha forma ainda. Eu não estava correndo atrás do coelho ainda, eu corria atrás de um dos rapazes da minha turma, para logo depois fingir que caia num buraco. Acho que a magia do teatro mora ai. As críticas de Boris eram sempre construtivas. Ele não era dessas pessoas que acham que xingar faz com que a pessoa queira melhorar. Ele achava que dizer o que precisava ser feito era melhor. Eu concordava, sendo alguém que não lida muito bem com críticas.

— Muito bem. Vamos pegar mais cenas amanhã. Até mais.

Tudo tinha corrido bem, até eu dar as costas para dar uma ideia para Kim. Quando ela franziu o cenho para o pequeno círculo se formando, meu sangue gelou. Corri para o meio da roda, já imaginando o cenário.

— SEU RATO, ARROMBADO, FILHO DE UMA...

— FILHO DO QUE? FALA! VOCÊ NÃO QUIS ME FUDER, POIS ENTÃO QUE AGORA VOCÊ SE FODA JUNTO.

— O QUE FOI QUE…?

— Gente, o que é isso? Nathaniel, para. – Eu quase tomei um murro quando ele tentou se soltar. Afastei o rosto, enquanto Kentin o mantinha preso pelos braços. – Quer se acalmar?

— Para de agir feito um animal, Castiel. – Lysandre segurava o amigo firmemente, sério. Ele olhou para mim como se me implorasse para encerrar a algazarra.

— O ÚNICO ANIMAL AQUI É ESSE PEDAÇO DE BOSTA QUE VOCÊS CHAMAM DE REPRESENTANTE.

— EU VOU DESFIGURAR SUA CARA, SEU...

— NATHANIEL, VOCÊ VOLTOU NO TEMPO? VOLTOU A TER QUATRO ANOS? PARA COM ISSO. – Fui forçada a erguer a voz com eles. Ele continuava tentando se soltar, mas agora sem olhar na direção de Castiel.

— Ele não podia...

— Nem você. Solta ele, Kentin. Você vem comigo, anda.

— Eu não…

— Nath. Por favor.

Ele ajeitou a roupa e me seguiu até o grêmio. O soco que ele deu na mesa deve ter machucado sua mão, mas ele só resmungou e se deixou cair numa cadeira, encarando o chão. Cruzei os braços, esperando ele se explicar.

— Ficou do lado dele.

— Nath, sabe que o que fez foi errado. Eu não estou do lado de ninguém, só odeio te ver assim.

— Assim como?

— Nessa coisa de criança. Eu te amo de todo jeito, mas confesso que prefiro o Nathaniel responsável e fofinho bem mais do que o pirracento da infância.

— Já te ocorreu que eu posso ser esse garoto pirracento e infantil, não o fofinho que você acha?

— Não. Eu sei quem você é. Está mudado, nós todos estamos. Se você detesta isso em Castiel, por que fez igual?

— Não sei.

— Bem, fica ai e respira fundo. Eu sei que você está me ignorando completamente quando eu tento falar sobre os seus pais virem na escola, mas...vai ficar tudo bem.

— Anna, eu…

— Explica quando quiser, ou não, não sei. Está na escola, o que eles vão fazer? Te jogar da janela? Relaxa, garoto.

Um dos melhores sentimentos do mundo é fazer um amigo rir. Ainda melhor se ele estiver em um momento difícil. Minha amizade com Nathaniel sempre se resumira naquilo. A gente sempre estava lá um para o outro, mesmo sem entender direito a situação. Quando ele deu o ataque alérgico com pólen, eu fiquei desesperada. E quando Viktor morreu, ele estava lá comigo. Acho que ele se lembrou daquilo também.

— Quando Viktor se foi...quando sua mãe ligou e me deu a notícia, meu mundo desabou. Aqueles poucos minutos, antes de chegar na sua casa, eu achei que entendia o que você estava sentindo. E só quando eu fiquei sentado do seu lado no sofá, enquanto você tentava falar alguma coisa, mas não conseguia...eu entendi que aquela dor era só sua.

— Isso quer dizer que não quer me contar?

— Quer dizer que você não tem como dividir esse peso comigo. Não é uma situação que você tenha como mudar. Não vai desfazer nada.

Eu queria dizer algo. Nathaniel nunca me confirmara nada, mas aquelas marcas dele sempre me deram a suspeita. Como não tinha prova nenhuma, ele simplesmente me convenceu a deixar o assunto de lado. Foi o que eu fiz de novo. Fiquei calada e deixei ele sozinho no grêmio.

De volta ao corredor, a conversa não podia ser outra. Escutei umas quinze versões diferentes para o que acontecera, quase nenhuma perto do que realmente fora. Deixei o colégio e fui direto para casa, cansada pela discussão alheia. E com o sentimento estranho que as memória de Viktor sempre me deixavam. Cheguei na casa vazia e subi as escadas.

Vazio. Estava tudo vazio. Sacudi a cabeça, querendo tirar aquele sentimento pesado de perto de mim, mas só o que consegui foi sacudí-lo e deixá-lo ainda mais vivo. Celular vibrando no bolso. Suspirei e o peguei, checando o que era.

Mensagens, várias delas. Alexy, Rosa, Castiel, Lysandre. Abri o do último primeiro, curiosa.

“Obrigado pela ajuda hoje no ginásio. Peço desculpas se causou algum desentendimento com Nathaniel. Sabe como Castiel é explosivo.”

“Não custou nada, Lys. Obrigada por deixar seu amigo numa distância segura. E não se preocupe, foi uma conversa tranquila.”

Pelo menos era para ter sido. Alexy estava me perguntando sobre Nathaniel, Rosa queria saber alguma opinião sobre seu plano de figurino e Castiel. Bem, ele me agradeceu por apoiá-lo na discussão. Pensei em esclarecer que eu só achava que Nathaniel agira errado, mas me reprimi. Não me custava nada deixá-lo achando que alguém finalmente o apoiara em algo. Deixei o celular de lado e fui revirar minhas coisas antigas. Fotos, roupas, lembrancinhas.

Foi uma tarde longa. Cinzenta. Guardei tudo e sequei o rosto antes que meus pais chegassem, não queria ter que ficar revivendo aquilo tudo em todo mundo. Saudades era um sentimento ruim, no fim da história. Pelo menos naquele caso. Porque a gente sente falta de momentos bons que já existiram. Momentos que ele ajudou a tornar tão especiais. E a gente lembra logo em seguida que aqueles momentos não vão se repetir. E nem nunca existirão outros parecidos.

O pior em sentir saudades era saber que ele não ia voltar. 

 


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Notas finais do capítulo

Esse treco fica trocando a cor das fontes gnt, eu fico meio perdida .q Enfim, até mais vê-los!



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