O bosque onde Miriam estava ficava ás margens da capital. Tinha dormido lá mais uma vez, o dia amanhecia. O corte no rosto ainda doía, e o fato de que ela tinha precisado fazer isso não era exatamente um consolo- Lembrar disso, consequentemente, a fazia lembrar do porque tinha fugido, do que Abel tinha feito, de que não tinha mais pais. Sequer uma família. Na coroação, somente Drian e Aley estavam presentes. O que tinha acontecido com Kevin e Kedson? Ela estava sentada pensando em tudo isso, quando sentiu lágrimas quentes escorrerem por sua face. Precisava ser forte, mas não conseguia. Aquilo era demais para ela.

Se levantou, caçou o café da manhã- Coelho, novamente. Era irônico. A garota que cresceu rodeada de mordomias- Embora não fosse esnobe, tampouco mal acostumada com essas ocasiões- Agora precisava caçar para não morrer de fome. Enquanto comia, mentalizou o mapa do reino. A floresta ficava ás margens da capital, de forma que não estava fora da zona de perigo, realmente. Bom, nenhum lugar do reino era completamente seguro, uma vez que tinha guardas por todos os cantos. Porém, fora da capital, as chances de ser capturada diminuíam. Com o mapa mentalizado, pensou em onde ir. Ao se decidir, levantou e seguiu caminho- Embora ela não soubesse, rumo a Kevin e Kedson.

Os gêmeos ainda não tinham acordado. Haviam passado o dia anterior inteiro colocando ordem na estalagem, que estava uma bagunça. A senhora Arnold agradeceu-os de coração- Não saberia o que fazer sem mão de obra extra.

Os gêmeos, embora idênticos fisicamente, tinham algumas diferenças de personalidade. Kedson era mais inteligente que o irmão, porém Kevin era mais carismático e sociável. Ambos tinham bom coração, e um senso de justiça muito forte. Kevin era um ótimo cantor- O irmão perdia para ele nesse quesito, embora Kedson soubesse tocar vários instrumentos.

Naquele dia, Kedson- Ou melhor, Jonathan- Acordou primeiro. O sol já estava alto no céu. Resolveu não acordar Kevin- Este tinha ficado acordado por mais tempo que o irmão, de forma que não aguentaria levantar naquele momento. Tomou um  banho, se arrumou e desceu para o café, que a senhora Arnold preparava com precisão e habilidade. Comeu tudo com gosto, sem esperar pelo seu irmão gêmeo.

Já era bem tarde quando Kevin acordou. Kedson já tinha se adiantado no serviço, tinham poucas coisas para fazer- Já que eram só coisas rotineiras, o serviço pesado haviam feito no dia anterior. Kevin ajudou o gêmeo com o resto da faxina, e em seguida voltou para o quarto.

Mais cedo, no mesmo dia, Abel despertou. Um sorriso se formou em seus lábios ao se lembrar dos acontecimentos dos últimos dias. Durante a adolescência toda planejou seu governo, que finalmente começava. Havia estudado o suficiente nesse período para saber como manter seu governo sem fazer muita coisa, seu ‘’trabalho’’ só duraria alguns dias.

Bom, seria assim, se não fosse por Miriam.

Deveria ter previsto que ela fugiria, naquele dia. Sabia que sozinha não conseguiria nada, mas também sabia que não era bom subestimá-la. Os gêmeos também estavam por aí- Não era da natureza deles ficarem parados, diante dessa situação. As buscas pelos três estavam a todo vapor, mas não achavam nada nem ninguém, nem mesmo corpos. Isso estava o deixando alarmado.

Pensou nisso enquanto abotoava seu paletó, olhando o manto branco de neve pela janela de seu quarto.

Naquele mesmo momento, no meio da floresta, Miriam caminhava com o olhar fixo á frente. Ao chegar á cidade, iria atrás de um emprego, um em que não precisaria ter contato com muitas pessoas. Essa era a última coisa de que precisava.

Ela iria ficar caminhando até metade da tarde daquele dia- Aquela vila era um lugar distante para ir á pé. Não ligava, afinal não tinha pressa para nada. O que a estava esperando, afinal? Poderia arquitetar um plano mais tarde.

O dia passou. Miriam finalmente chegou a seu destino. Com seu objetivo fixo em mente, olhou para todos os lados, procurando um lugar mais reservado. Caminhou até uma loja de armas.

—Olá, senhorita...- O dono começou

Ah. Tinha esquecido de inventar um novo nome. Não poderia usar Miriam, naquela situação.

—Eu sou... Alice. Alice Emma. Sou uma viajante sem rumo. Não tenho casa ou emprego. Vim aqui para procurar isso.

—Tire o capuz- O homem pediu

Ela hesitou por um segundo, em seguida tirou-o. O homem a analisou.

—Me desculpe, mocinha, mas você me parece frágil demais para lidar com armas. Mais sorte em outro emprego.

Ela ainda tentou argumentar, mas ele a dispensou.

Ela passou a tarde inteira procurando emprego, sem sucesso. Por fim, ao entrar em um estábulo, se deparou com uma garota da sua idade cuidando dos cavalos.

As duas meninas se encararam por um tempo, então a outra se apresentou:

—Olá. Sou Kate Neena. Seja bem vinda.

A voz de Miriam saiu fraca ao responder:

—Sou Alice Emma. Vim á procura de emprego.

—Ah, fale com meus pais. Estamos precisando de ajudantes para cuidar dos cavalos. Espere aí, vou chamá-los.

Alguns minutos depois, a garota voltou com um simpático casal a acompanhando. Eles se apresentaram como Victoria e Robert Neena. Miriam, sob sua falsa identidade, explicou sua situação, omitindo o fato de que era uma fugitiva. O casal concordou em dar emprego e moradia para a menina.

Após um banho e uma refeição oferecida pelo casal, Miriam se animou um pouco para trabalhar. Estava com dor de cabeça, mas não se importou, fazendo tudo como pôde. Porém, algumas horas mais tarde, suas pernas falharam. Kate veio correndo socorrê-la.

—Você está bem?

—Estou- Obviamente, era mentira. Kate percebeu isso na hora.

—Venha- Ela ajudou Miriam a se levantar- Meus pais vão cuidar disso.

Kate levou-a até a senhora Neena, que colocou a mão em sua testa:

—Você está com febre, Alice. Descanse, fará bem para você

—Senhora Neena, eu estou bem, é sério.- Sua voz era um sussurro- Estava rouca.

—Sem discussão. Kate, pode levá-la para o quarto de visitas?

—Claro, mamãe.

Ao ajudar Miriam a se aconchegar no quarto de visitas, Kate começou a conversar com ela. Ficaram horas fazendo isso, até Miriam adormecer, exausta pela doença.

Ela esperava tudo nessa viagem, menos fazer uma amiga.