POV ANNIE

Eram 1:43 da manhã, eu deveria estar dormindo, mas não estava. Andava de um lado para o outro no quarto e pensava em como meu coração ainda se derretia em apenas escutar sua voz. Percy e eu passamos as últimas 3 horas no telefone, nos prometendo que seriam apenas alguns minutos, um desejo de boa noite que tinha se desenrolado em uma conversa longa. Compartilhamos nossos medos do futuro, o que estava nos incomodando nos últimos dias, mas também o que nos alegrava, falamos sobre algumas séries que pareciam interessante, contei sobre o último livro que havia lido, lugares que desejávamos visitar, ele me contou seus sonhos e eu contei os meus, nos levando ao assunto que mais no assustava nesse último ano: faculdade.
— Eu ainda não recebi resposta nenhuma. - Percy confessou. Sabia que ele havia aplicado para algumas próximas de Ohio.
— Eu recebi de duas, fui aceita na universidade estadual... Mas não tenho certeza se vou. - A insegurança era notável na minha voz. - Não contei nada para os meus pais.
Ele suspirou, ficando alguns segundos calados. Eu conseguia ouvir o cantar dos grilos, estava tudo muito silencioso.
— Annie, por favor não faça isso.
— O que? - Perguntei já sabendo a resposta, sentei na cama esfregando minhas mãos no joelho, tentando conter um pouco a ansiedade. Encarei a rosa que Percy havia me dado no dia seguinte a nossa briga, eu já não estava mais nervosa com ele quando chegamos na minha casa, mas ele me deu uma rosa mesmo assim, afirmando que não queria nunca ser motivo de tristeza para mim e garantindo que eu havia o perdoado. Fiquei mais do que feliz com esse gesto, já haviam se passado duas semanas desde a nossa briga, ambos ainda ignorando o motivo. Eu deixava essa rosa no meu criado-mudo, e ela havia se tornado minha parte favorita do quarto.
— Não deixe seus planos por minha causa, sei que você quer ir para a Stanford. Não deixe isso de lado por mim, eu não conseguiria me perdoar se você abrisse mão disso para ficar comigo. E eu sei o que está fazendo, está ignorando o assunto e aplicando para outras universidades próximas as minhas. E está escondendo dos seus pais porque sabe que ficariam furiosos se descobrissem. Posso ser lento, Annie, mas não burro.
Engoli em seco, contendo as lágrimas. Eu não conseguia me imaginar longe dele, mais que isso, eu não sobreviveria se ficasse longe dele. Como não respondi, ele continuou.
— Annie, me diga a verdade. A outra carta que recebeu... Qual era?
— Stanford. - Sussurrei. Ele se calou por alguns instantes.
— E então...?
— Ainda não abri, não tive coragem. - Suspire. - Percy, eu não sei o que esperar dessa carta.
— Você vai ser aprovada. Sei que vai. - Ele me encorajou, mas percebi uma hesitação em sua voz. Não porque achasse que eu não seria aprovada, mas por ele mesmo não saber se queria que eu fosse.
Eu estava vivendo o mesmo dilema.
Stanford fica na Califórnia, no outro lado do país. Será que nosso relacionamento sobreviveria? Eu queria acreditar que sim, mas ainda permanecia a dúvida do “e se?”. E se, apesar de tudo o que sentíamos, não conseguíssemos suportar a distância?
Essa dúvida estava gritando dentro de mim, e eu realmente não sabia o que esperar daquela carta. Eu não sabia o que queria. Se fosse aprovada teria que ficar longe dele, mas se não fosse eu abriria mão da faculdade que sempre sonhei, mas... Ele não era para mim tudo o que havia sempre sonhado? A única coisa que tinha certeza era que queria ficar com ele, nossa... Como eu queria ficar com ele! E apenas isso deveria bastar, não deveria?
Lágrimas silenciosas escapavam dos meus olhos, eu me lembrava de cada momento com ele. Desde quando eramos crianças e brincávamos juntos, todas as crianças, no parquinho da escola. Depois, com a adolescência, as linhas invisíveis foram riscadas entre nós. Ele começou a ganhar uma fama de rebelde na cidade, o que eu particularmente achava charmoso, ficou popular e sempre era convidado para todas as festas, enquanto eu não recebia o convite de nenhuma, mas tudo bem, eu não me importava com nada daquilo. Eu sempre tive um pequeno crush nele, mesmo antes de Luke, mas como não teria? Ele era bonito demais para o seu próprio bem. Eu nunca contei, nem iria contar isso para ninguém, essa paixonite de criança era um segredo meu, só meu, o que tornava tudo mais especial. Me lembro de quando eu descobri que ele estava namorando Rachel, aquilo me incomodou mais do que deveria, tive que ficar repetindo para mim que não havia motivo nenhum para ficar enciumada, eu estava com Luke, não precisava do Percy.
Mas então tudo mudou quando Luke me deixou, parecia que meu coração havia se quebrado inteiro, fiquei com tanta raiva que jurei a mim mesma que nunca mais iria me comprometer com um menino como Luke. Comecei a me dedicar inteiramente para trabalhos sociais, na esperança de que se eu ajudasse a amenizar o sofrimento alheio, talvez o meu próprio seria amenizado. O que deu certo, senti que a cada sorriso que alguma criança me lançava ou a cada abraço que recebia um pedacinho do meu coração ia sendo colado. E então veio baile.
Lembrei do sonho que eu havia tido alguns dias antes do baile, foi o sonho mais esquisito que eu já tivera. Havia sonhado com ele.
—Percy, eu não vou fazer isso! - Disse cruzando os braços.
—Vai sim... Vamos Annabeth! Eu vou te ajudar, e se você cair pode se apoiar em mim!- Ele disse mostrando o skate.
—Isso é só uma desculpa para você me abraçar? - Perguntei contendo um sorriso.
—Talvez- Percy deu um sorriso de lado.
Lembrei também de como eu havia ficado estranhamente feliz ao descobrir que ele iria ser minha dupla naquele mesmo dia. Enquanto conversávamos e descobríamos tantas coisas em comum minha paixonite pulsava dentro de mim, mas a insegurança era maior. Quando ele me convidou para o baile eu sabia perfeitamente o motivo dele estar ali, não havia encontrado mais ninguém, mas não me incomodei com isso. Eu queria ir ao baile. Ir com ele, mesmo que não fosse um encontro romântico, e eu não esperava que fosse, seria no mínimo divertido. E então minha paixonite de criança foi se transformando em algo maior, muito maior. Ele foi mudando e se tornando cada vez mais meu amigo, e eu, aos poucos e contra minha vontade, fui me apaixonando de verdade por ele. Ainda que a insegurança que meu último relacionamento deixou fosse grande, meu amor por ele foi maior ainda, e então eu percebi: havia prometido que nunca mais iria me envolver com alguém como Luke, mas Percy não era ele. Longe disso, na verdade.
Ele era mais gentil, mais amável e, principalmente, muito mais verdadeiro. Quando eu falava ele olhava bem nos meus olhos, como se quisesse dar a entender que queria ouvir tudo o que eu dizia. Suas ações só mostravam cada dia mais o quanto eu era importante para ele. E, embora naquela época ele não tivesse propriamente dito, eu sabia que ele me amava. E hoje eu tinha mais do que certeza de que esse amor por mim só havia aumentado. E eu o amava também. Eu sabia, mesmo com apenas 17 anos, que eu era uma das pessoas sortudas, sabia que nos amávamos e que ele era capaz de tudo por mim. Sabia como esse tipo de amor era raro e que só os mais sortudos chegavam a conhecê-lo.
Como poderia abandonar algo assim?
Ouvindo sua respiração do outro lado da linha tinha certeza de que ele pensava as mesmas coisas que eu. Apertei minha mão contra o telefone.
— Percy... Eu... - Pelos meus suspiros era perceptível que eu estava chorando.- Eu amo você tanto... Não faço ideia do que fazer.
— Você... - Ele ficou alguns minutos em silêncio, e percebi pela sua voz que estava inseguro quando completou a frase. - Você quer encontrar comigo?
— Agora? - Indaguei olhando o relógio, eram 1:56 da manhã.
— Sim. Eu só não suporto ouvir você chorando e não poder te abraçar.
Eu sabia que não conseguiria dormir tão cedo, também sabia que meus pais me enterrariam viva se descobrissem. Mas eu queria ficar com ele, queria ficar com ele o maior tempo possível.
— Onde?
Percy me deu todas as instruções exatas de onde nos encontrarmos, com um frio na barriga eu troquei de roupa, desejando estar linda para ele. Vesti minha melhor calça jeans, uma blusa que ele havia me dado de aniversário, ela era azul com alguns detalhes brancos, era muito bonita, vesti uma jaqueta de couro preta e escapei pela janela do quarto com um frio intenso dentro de mim.
O encontrei na esquina da minha rua, a luz do luar refletia em seus olhos verde-mar e em seus cabelos pretos, ele estava tão lindo que deixei escapar um suspiro quando o vi, felizmente acho que ele não ouviu. Me aproximei dele, com as mãos abraçando meu corpo, ele sorriu ao me ver e quando cheguei até ele não disse nada, não foi preciso. Suas mãos afastaram uma mecha de meus fios louros do meu rosto, colocando-os atrás da minha orelha esquerda, ele se aproximou e me beijou com serenidade. Se eu voltasse para casa agora, apenas com esse beijo, já teria valido a pena.
— Vamos? - Eu assenti, ele deslizou a mão pelo meu braço até entrelaçar nossos dedos, caminhamos dois quarteirões até uma área isolada dentro da mata. Eu não estava com medo, tinha ele ao meu lado e sabia que nunca deixaria nada me acontecer.
Caminhamos até um riacho, onde Percy passava o braço ao meu redor e ficamos sentados em um dos galhos baixos de um antigo carvalho. Ali, sob o luar, enquanto as tainhas saltavam na água, eu contava tudo que estava passando, expondo cada detalhe de cada insegurança, ás vezes com a voz trêmula, mas sendo tão honesta que temia sua reação.
— Annie... - Ele acariciou meu braço com as pontas dos dedos. - Você não pode desistir disso por mim. Talvez fosse melhor que parássemos de nos ver, se isso te atrapalha de conquistar seus sonhos.
— É isso que você quer? - Balbuciei com a voz embargada.
Ele me puxou para si, envolvendo-me em seus braços.
— Eu só quero que você seja feliz. - Sussurrou.
Me apertei contra seu corpo, descansando a cabeça em seu ombro.
— É quando estou com você que sou mais feliz.
Mais tarde naquela noite, fizemos amor pela primeira vez. Sabendo que para sempre carregaria essas palavras dentro de mim, e com a certeza de que valiam para os dois.