2098 d.c

Abri meus olhos. O dia estava tão abafado quanto os outros. Daqui da subsolo, sofremos de uma experiência quase tão cruel quanto a dos que são obrigados a viver na superfície. Impossível acreditar na falta de senso humano que o império impôs.

Sim, o derretimento das calotas polares, e de um polo inteiro afetou muito nosso modo de agir e pensar na terra, mas obrigar os mais necessitados na superfície do nosso planeta, já é demais. Me levanto sem muito animo, e procuro um uniforme novo para usar.

Faz três décadas que isso começou de fato. Claro que a santa mãe natureza já vinha nos alertando desde os meados dos anos 2000. Mas, egoístas como sempre fomos, nós, humanos, escolhemos o aprimoramento da tecnologia ao invés de salvar a nossa própria casa e/ou espécie! Estupido, se quer mesmo saber.

–Perdida em pensamentos novamente? - Jack expulsa meus pensamentos. Ele e Ariel estão parados na porta de meu quarto/escritório me esperando para comermos alguma coisa e iniciarmos o trabalho do dia.

Após a "guerra dos tronos", como brincamos, a sociedade foi dividida em três - já antigas - classes. A Elite, responsável pela economia do planeta e basicamente, todo o resto realmente importante para nossa salvação. É nela que se encontra a família do atual imperador. As famílias mais importantes já registradas são encontradas lá.

–Ah, que nada. - respondo com a maior calma do mundo. Pego o necessário e acompanho-os.

A Média, que é para a qual eu, Ariel e Jack trabalhamos, que eu mal sei para que serve. Provavelmente somos os responsáveis de coletar resíduos naturais, como minérios e óleo, coisas do tipo. Não sei porque fazemos isso, com tanta coisa útil para ajudar o planeta por aí. Aqui na Média, são encontradas as famílias com uma renda razoavelmente boa/estável, que, como fomos convencidos, sustenta as "pesquisas" da Elite.

–Ei, que cara é essa? Você já esteve melhor , sabia? -brinca Ariel. Seus cabelos vermelhos fogo balançam a cada passo rápido que dá.

A última da nossa querida pirâmide da hierarquia, é a classe Baixa. Com o derretimento das calotas e de um polo inteiro, o nível do mar subiu 68%, causando absurdas inundações na superfície. A Elite então, como já estavam trabalhando nisso há décadas, nos apresentou dois tipos de "andares de hotel", porém, abaixo da superfície, pupando-nos 40% do calor insuportável e das inundações mortais. O problema, é que só cabia dois terços da população que nos restou. A parte profunda, mais protegida do subsolo, ficou com a Elite, e a mais rasa ficou com a Média. Os pobres corações da Baixa sofreram muito com isso, ficando com a superfície. Como a maioria eram criminosos, doentes terminais e miseráveis, o pessoal não se importava muito com isso. O pessoal da Baixa também tinha uma tarefa, muito mais cruel que as que nos foram dadas. Toda mulher presente lá, recebia sim melhores condições que os homens, pois eram obrigadas a acasalar, diariamente, para ceder seus filhos á Elite, como escravos. Todo mês, os representantes da Elite subiam lá, e voltavam cheio de crianças. As mais saudáveis, ficavam para a Elite, o resto era distribuído para a Média. E isso foi exatamente o que aconteceu comigo há vinte e um anos.

Minha sorte, foi de que a classe Média não nos tratava miseravelmente, e sim como se fossemos parte da família.

–Eu sou Kylie Wilhem! Não preciso de mais uma cara triste na minha vida, ok? Tô ótima. -Respondo na brincadeira.

–Quanta confiança. - Jack entra na conversa. -Tá, o que querem hoje, damas? Lagosta ou Bacalhau?

–Uh, gentil cavalheiro, não temos escolha? Temos? -Ariel sempre com um tom divertido.

–Tão óbvio - falo também. -sr. Holloway, sra. Duhamel, que escolham o tipo de carne do nosso pão. -rimos juntos.

A risada dura um tempo um pouco curto até Ariel pegar o jornal. Colocou-os na nossa cara. Deu um verdeiro ataque. Mas também, como seria possível?

O filho mais novo do imperador Andrews foi preso, se rebelou contra o próprio pai sobre o jeito que estava governando o mundo. Foi levado para a superfície e sofrerá de prisão perpetua.

–Kylie... Você não está pensando que...? - começa Jack.

–Não vê? - abaixo o tom de voz - ele pode ser o nosso ticket para a revolução.