TODAS AS LUZES - Coletânea de Natal escrita por Serena Bin, Gessikk, Cardamomo, Miss Houston, Maya, Amauri Filho, Lady Gumi, Maxx, Sr Devaneio, Lucas Freitas, Analu, Nanathmk


Capítulo 6
Trezentos e Sessenta e Cinco Dias - MAYA


Notas iniciais do capítulo

Bom dia, boa tarde, boa noite, caro leitor! Muito obrigada por ter vindo ler essa coletânea e, claro, meu conto. Fiz com o maior carinho possível porque é natal, e eu amo natal, e contos natalinos exigem isso. Espero que gostem de lê-lo tanto quanto gostei de escrevê-lo. Feliz natal a todos ♥
~Maya



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– Vovô? Vovô, acorde.

O senhor idoso que cochilava em sua cadeira de balanço demorou a acordar com o chamado do neto. O cobertor que cobria suas pernas começavam a lhe dar calor. Aquela época do ano já era quente demais naquela região, não precisava disso.

– Vamos, vovô. Está na hora da ceia. O senhor não quer comer?

O velho olhou para os grandes olhos castanhos do neto mais velho. Não havia um dia em que olhava para ele sem se lembrar de si mesmo na boa infância que teve. Tudo era diferente naquela época: a comunicação, o entretenimento... O natal.

O senhor ainda estranhava toda aquela decoração na casa de seu filho e sua nora. A árvore de natal estava toda preenchida por bolas coloridas, anjinhos, um Papai Noel pequenino, os festões, os sininhos, e todas aquelas luzes piscando. Havia ainda mais enfeites pelas paredes da casa, tanto por dentro quanto por fora. Ele não tinha nada daquilo quando tinha a idade de seu neto. Qual era a grande diferença que aquilo tudo fazia, afinal?

– Olha, eu vou pegar um prato para o senhor, tá bom?

– Hum? – O idoso finalmente despertou de seus pensamentos e voltou a olhar para o menino. – Ah... Claro. Obrigado, garoto.

– Por nada.

Seu neto logo voltou, trazendo dois pratos. Colocou um deles no colo do avô e este examinou seu conteúdo: um bom pedaço do peru, salada, farofa, arroz e vinagrete. O senhor ficou olhando para o prato em silêncio, imaginando como conseguiria engolir tudo aquilo. Fazia tempo que ele não conseguia comer muita coisa, ou andar direito, ou ficar acordado o dia inteiro. Tanto tempo que ele quase não se importava mais com isso – a não ser quando era noite de natal. Aí, sim, fazia questão de se esforçar mais um pouco.

– Mateus! Você pegou muita comida! – Disse sua nora, vendo o prato do idoso. – Desculpe, senhor Juliano. Não se preocupe em comer tudo; coma só o que conseguir.

– Ah, sim. Obrigado, Marta.

A bela moça assentiu com um sorriso, passou a mão pelos cabelos do filho mais velho e foi se reunir ao resto a família.

Juliano levou uma garfada do peru à boca. O gosto era muito bom; sua nora era mesmo uma cozinheira de mão cheia. Por outro lado, isso também o fazia se lembrar dos natais de sua infância. Eles não tinham perus. Nem vinagrete ou farofa. E ainda assim foram especiais. Então, a pergunta da noite voltou a sua cabeça: qual era a grande diferença?

– Está bom? – Mateus perguntou.

– Está... Está, sim. Sua mãe cozinha muito bem.

– Cozinha mesmo. Ela também fez a sobremesa. Se o senhor for querer, eu posso pegar depois.

O velho assentiu lentamente. Acabou se distraindo com a TV, que exibia as decorações luminosas de natal nas ruas de Resende através das câmeras espalhadas pela cidade. Árvores tinham sido cobertas de pisca-pisca dos mais diversos tipos, estabelecimentos comerciais exibiam grandes enfeites os rodeando, as casas tinham Papais Noéis pendurados nas telhas ou nas chaminés. A grande ponte no meio da cidade tinha ainda mais luzes naquela noite, e poucos carros passavam por ela. Com toda aquela iluminação, as águas do rio Paraíba do Sul enfim ganhavam vida, com um brilho especial que fazia os cidadãos se esquecerem de sua situação por pelo menos uma noite.

– Sabe garoto... – Juliano começou. – Na minha época, não tínhamos nada disso.

– Disso o quê?

– Tudo isso. Esses enfeites, esses presentes... Moro nessa cidade desde que nasci e ela parece completamente diferente a cada natal.

– Como assim, vovô? Não tinham nada?

– Pelo contrário: nós tínhamos tudo. Mas nossa definição de tudo era tão diferente de agora! Você ficaria surpreso.

– Como assim? – Mateus tornou a perguntar.

– Bem... Quantos anos você tem agora? Dez?

– Tenho onze.

– Onze anos. Na sua idade, eu não tinha ceias fartas como essa. Nossa comida era pouca e tinha que dar o suficiente para mim, meus pais e meus irmãos. Mas nós sempre nos reuníamos numa roda, acendíamos um lampião no meio e outras velas pela casa, e comíamos enquanto conversávamos sobre qualquer coisa. Era a única noite que fazia a gente se esquecer de todas as dificuldades que tínhamos. Tudo de ruim se apagava quando a luz do lampião era acesa.

– Mas vocês não tinham energia elétrica?

– Ah, tinha uma lâmpada na sala, mas preferíamos a luz do lampião. Se tornou uma tradição. Era mais aconchegante, sabe?

Mateus balançou a cabeça de um lado para o outro e seu avô riu.

– É claro que não sabe. Vocês nem devem ter um lampião aqui.

– Quer dizer que vocês não enfeitavam a casa? Não tinha árvore de natal, nem pisca-pisca, nem guirlandas...?

– Ah, tinha enfeites, sim. Mas não eram comprados. Minha mãe colhia flores e as colocava com o maior carinho na sala e nas janelas. Meu pai sempre arrumava alguma coisa e dava um jeito de transformar numa decoração. Não tínhamos pisca-pisca, mas tínhamos as luzes da vela e do lampião, e aquilo bastava para encher nossa casa de alegria.

Juliano pegou outro pedaço do peru, passou no vinagrete e na farofa e o enfiou na boca. Tinha que admitir que era melhor do que o que comia na infância.

– Mateus! A mamãe disse que só falta você terminar de comer pra gente poder abrir os presentes! Vai logo!

– Fique quieta, Mari! Vovô está falando sobre sua infância!

A mais nova da família, Maria, armou um bico e cruzou os braços.

– Chame seu outro irmão, garota. Quero contar essa história aos três. Depois disso, vocês poderão abrir os presentes.

Os olhos da menina brilharam com promessa.

– Mesmo que o Mateus não termine de comer?

– Mesmo que o Mateus não enfie um pedaço de comida na boca.

Maria bateu palmas de animação e foi buscar o último do trio. Voltou pouco depois, puxando um irmão contrariado com as duas mãos. Mateus chegou um pouco para o lado e os outros sentaram-se junto a ele, de frente para o avô.

– Vamos poder mesmo abrir os presentes quando isso acabar? – Perguntou o do meio.

– Vovô disse que sim, Gabriel – disse Mateus. – Para de ser chato.

– É que eu quero abrir o meu logo. Descobri que papai comprou o brinquedo que eu queria.

– Não se preocupe – senhor Juliano falou. – Você vai ficar tão distraído com a história que nem vai perceber o tempo passando.

Mesmo assim, Gabriel bufou e apoiou o queixo nas mãos, com a mais pura expressão de tédio. O avô Juliano não se importou. O neto podia fazer a cara mais feia do mundo; nada o impediria de falar sobre o natal.

– Quando eu era pequeno, parei de ganhar presentes de natal bem cedo. Meus pais não tinham condições de comprar uma coisa para cada um de nós, então davam preferência aos mais novos. Eu, como mais velho, não questionava isso e me forcei a compreender. Mas em um natal, quando eu tinha treze anos, eu vi algumas crianças na rua se divertindo com seus brinquedos novos. Peteca, dominó... Esses tipos de jogos que vocês não jogam mais. E me senti mal. Queria poder viver aquilo também. Então, disse aos meus pais que no próximo natal gostaria de ganhar um brinquedo também.

“Minha mãe me explicou de novo que não era possível dar para todos e que eu devia pelo menos tentar entender. Respondi à ela que entendia, mas estava farto. E então meu pai disse que eu precisava ter paciência e pôs fim ao assunto.”

– E você ganhou seu brinquedo? – Perguntou Mateus.

– Ah, não. O natal seguinte foi a mesma coisa. Nunca fiquei tão triste nessa data como naquele ano.

“Mas meu pai tinha uma surpresa para mim. Me chamou para sair com ele à noite e disse que iríamos à igreja Matriz. Vocês já devem ter ido lá. Percorremos todo aquele caminho e atravessamos a Ponte Velha à pé, então eu não aguentava mais andar quando chegamos. Mas quando vi a igreja toda iluminada... O cansaço sumiu.”

“Meu pai disse, então: ‘Veja, Juliano, esse é o melhor presente que eu poderia te dar. O natal não tem nada a ver com os brinquedos; você, mais do que todas aquelas crianças, deve ser capaz de entender isso. Olhe para essas luzes! O que elas transmitem a você?’”

Juliano virou o rosto para as luzes que piscavam na árvore de natal. Tantos anos tinham se passado, e elas continuavam lhe dando a mesma sensação.

– Aquelas luzes me transmitiam calor, alegria, carinho. Me fizeram esquecer todos os problemas que tinha. E meu pai continuou, dizendo: “Se nós nunca precisamos de uma ceia ou de muitos enfeites pela casa, por que precisaríamos de vários presentes para comemorar o natal?” Essa frase nunca saiu da minha cabeça.

O senhor se ajeitou na cadeira e olhou para os rostinhos interessados de seus netos. Até o teimoso Gabriel parecia apreciar a história agora.

– Nos dias de hoje, vocês dão muita importância às coisas compradas. O natal se tornou uma data comercial para muita gente. Para os vendedores, uma data em que ganham mais dinheiro; para os compradores, uma data que podem receber presentes “bacanas”, como vocês jovens dizem hoje em dia. Ninguém ligava para isso na minha época. O espírito de natal era tão mais presente! A maioria das pessoas que conhecia tinha um situação financeira ruim, mas seus olhos sempre brilhavam nesta data. Onde quer que eu fosse, as luzes sempre estavam lá.

– Mas o espírito de natal ainda existe, vovô – Mateus replicou.

– Eu sei que existe. Enquanto crianças como vocês existirem, o espírito natalino também existirá.

Avô Juliano, então, esfregou as mãos e sorriu.

– Pronto. A história acabou. Estão livres.

Mateus, Gabriel e Maria levantaram-se sem pressa. O ancião esperou que os mais novos se afastassem primeiro para depois chamar o neto mais velho. Este se virou e voltou para perto do avô.

– Você entendeu o que eu quis dizer com essa história, certo?

– Que o importante no natal não são os presentes e as coisas que compramos...?

– Você está perguntando ou afirmando?

Mateus deu de ombros. Seu avô riu e pôs a mão sobre um de seus pequenos ombros.

– Você ainda tem tempo. Pense mais nessa história. Quando chegar a uma conclusão, me conte. Estarei ansioso para ouvir sua própria explicação.

– Tudo bem – disse o menino. – Feliz natal, vovô.

– Feliz natal, garoto. Vá logo pegar seu brinquedo novo.

Os dois trocaram sorrisos e menino foi se juntar aos seus irmãos sob a formosa árvore de natal. Havia pacotes grandes embrulhados de diferentes formas ali. Ao abrir seu tão esperado presente, Gabriel abriu um grande sorriso; mas logo sua expressão de euforia deu lugar a uma mais serena. Juliano nunca tinha visto aquela expressão em seu rosto. O que quer que ele estivesse pensando, o idoso teve certeza de que tinha a ver com sua história.

– Você contou aquela história pra eles, pai?

O filho de Juliano pegou o prato quase intocado de seu colo ao ir falar com o pai. Juliano não reclamou. Não estava mais com fome.

– Todas as gerações da família Florenço devem ouvir essa história no natal, Renato. Eu vou contá-la até não poder mais. E quando eu não puder, é bom que você esteja pronto para contá-la aos seus descendentes.

– É claro, pai. – Renato colocou o prato na mesa e voltou para o lado de Juliano. – E em que conclusão o Mateus chegou com a história?

– A mesma em que você chegou na primeira tentativa.

– Não temos culpa. Parece o mais óbvio quando se escuta.

– A resposta não está errada, só está incompleta. Veremos quem chegará à resposta mais rápido do que você.

– Demorei um ano, pai, e isso porque eu mal pensava no assunto. Eu sei que o Mateus vai entender mais rápido do que eu.

– Ah, com certeza. – Juliano tirou o cobertor quente de seu colo, levantou-se e se agarrou em sua bengala. – Não é tão difícil de descobrir, é?

– Bem, vamos combinar que não está muito claro. – Renato ofereceu o braço para o pai se apoiar nele. – Afinal, quando você só ouve a história uma vez, não dá pra sacar logo que o significado é que “de pouco importa os enfeites, a ceia e os presentes; contanto que haja luz, carinho e amor no seu coração e no de sua família, o natal é o ano todo”.

– Eu tenho certeza de que dou uma bela pista no final da história.

Renato riu e segurou a mão do velho pai.

– Venha, seu Juliano. Comprei um belo lampião pra você.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler!
Feliz Natal! Dê de presente ao autor um review. Ele vai ficar tão feliz...
:D



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