TODAS AS LUZES - Coletânea de Natal escrita por Serena Bin, Gessikk, Cardamomo, Miss Houston, Maya, Amauri Filho, Lady Gumi, Maxx, Sr Devaneio, Lucas Freitas, Analu, Nanathmk


Capítulo 4
O Milagre de Natal - MaryQueen


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura a Todos!



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— Papai, por que precisamos dormir cedo? – Pergunta a pequena Liz, minha filha de 6 anos, ela está com seu pijama rosa com flores e com seu ursinho Toddy em um de seus braços – É natal. – Continua com sua voz melosa.

— Porque mesmo que seja natal crianças devem dormir cedo e amanhã iremos visitar seu outro papai. – Respondo passando minha mão em seus cabelos longos e loiros.

— Tudo bem. – Diz e se deita em sua cama, cobrindo-se até abaixo dos braços sem soltar seu ursinho Toddy.

— Papai, já que vamos dormir cedo em pleno Natal, o senhor poderia contar uma história para nós dormirmos? –Pergunta Amélia, a mais velha, de 8 anos, ela não tem um ursinho, mas sim seu inseparável e velho manto, ela tem ele desde pequena.

— Tudo bem, pequenas. – Digo e elas dão um sorriso lindo. Amélia deita em sua cama e eu sento na beirada dela, assim tenho uma boa visão das minhas duas garotinhas. – Que história vocês querem ouvir? – Pergunto mesmo sabendo a resposta.

— A história de como você e o papai se conheceram. – Responde Amélia e Liz concorda com a cabeça freneticamente.

— Mas eu sempre conto essa história. –Retruco com um sorriso nos lábios, adoro o interesse delas nessa história.

— Então, por que mudar agora? Por favor, papai, eu amo essa história, ela é tão linda. – Pede Liz fazendo beicinho, o que me lembra muito ele.

— Ta legal, já que insistem. – Digo me ajeitando melhor na beirada da cama de Amélia, elas comemoram.
“Eu tinha dezoito anos quando tudo começou...

— Não Pai, eu não vou fazer isso só porque o senhor quer, eu não vou ficar na sala e fingir que está tudo bem com todos nós pra pessoas que eu mal convivo, não tente me obrigar a fazer isso. – Digo irritado, tentando por tudo não gritar.

— VAI SIM NICHOLAS, OU VOCÊ FAZ O QUE EU MANDO OU VAI PASSAR O NATAL FORA DE CASA. – Meu pai me responde aos gritos, parece que pra ele não importa muito se os vizinhos estão ouvindo essa gritaria.

— Então tchau. – Digo pegando meu casaco e saiu de casa batendo a porta.

Eu realmente estou muito irritado, meu pai quer que eu finja para o resto da família que está vindo passar o natal aqui que nós somos a família perfeita e que eu sou um bom garoto e mesmo que eu aceite fazer isso todo ano, dessa vez eu não aceito, eu não quero fingir que somos perfeitos, até porque todos da família sabem de tudo o que acontece nessa casa.

Minha família nunca foi perfeita, mas de uns tempos pra cá a coisa vem piorando cada vez mais.

Meus pais nunca se entenderam de verdade, eu não tenho idéia de como eles casaram, porque eles vivem brigando e meu pai finge que está tudo bem, mas ele não aceita o fato de seu único filho ser gay, mas em todo natal temos que fingir que está tudo bem, esse ano eu realmente cansei.

Eu não sei o que estou fazendo com minha vida, estou indo para uma faculdade que eu não quero fazer algo que eu não gosto, eu tenho uma namorada, porque apesar de ser gay, namoro uma garota por pedido de meu pai.

Ela se chama Jasmim e gostava de mim desde o jardim de infância e ela aceitou fingir namorar comigo porque não tinha ninguém e por gostar de mim, mas ela vive cobrando algo, mesmo tentando não demonstrar, que eu não posso dar.

Estou andando pelas ruas de Cabo Frio, hoje é dia 24, véspera de Natal, dia em que todos estão felizes com suas famílias.
Como não tenho onde ficar resolvo ir até a ponte Feliciano Sodré minha preferida, ela é um pouco longe da minha casa e eu estou sem carro, mas eu vou assim mesmo.

Quando já consigo vê-la já passa das 20h00min, vejo que está deserta, acho que é porque todos estão com suas famílias juntos comemorando o natal.

Chego à ponte e me apoio no parapeito, fico observando as águas abaixo da ponte, tão calmas e silenciosas, elas me deixam tranquilo e em paz.

Não sei por quanto tempo eu fico parado só observando as águas, mas sinto uma movimentação do outro lado da ponte, me viro pra ver o que é e vejo um garoto sentado no parapeito balançando as pernas, vejo que ele está ofegante e percebo que talvez esse cara esteja pensando em pular.

Ele se joga e eu corro e por pouco consigo segura-lo.
Com muito esforço eu o puxo de volta e o deito no chão.

— Cara, você é louco? Você iria se jogar? – Pergunto o óbvio, mas acho que é porque eu estou sentindo uma adrenalina em mim e estou muito ofegante.

— Não eu estava brincando de cair da ponte e quem é você? Por que se meteu onde não foi chamado? – Responde ironicamente e me pergunta apoiado no chão com os cotovelos, vejo seu rosto e ele está encharcado e seus olhos castanhos estão vermelhos ao redor como se ele tivesse chorado por horas.

— Nossa me desculpa por te salvar. – Digo também irônico com minha respiração voltando ao normal, esse cara é muito mal agradecido.

— Eu não pedi pra ser salvo. – Responde e se levanta, limpando sua roupa com as mãos.

— De nada. – Digo e saio andando de volta pro lugar que eu estava.
Que coisa estranha acabou de acontecer, eu acabei de salvar um cara da morte, de se matar e ele nem me agradeceu. Eu sei que se ele jogou é porque ele tava a fim de acabar com a própria vida, mas...

— Ei. – Ele chama me tirando dos meus pensamentos.

— Que é? – Pergunto mal-criado.

— Desculpa ter te tratado mal, é que... A coragem vem de mil em mil anos e... Você estragou minha chance. – Responde hesitante e se encosta-se ao parapeito do meu lado.
Eu não respondo e ficamos em silêncio por um longo tempo.

— Por que tentou se... Matar? – Pergunto o que está martelando na minha cabeça nesse tempo todo.

— Bem... Como é seu nome mesmo? – Pergunta me fitando.

— Nicholas e o seu? – Respondo e pergunto o fitando também.

— Anthony, mas pode me chamar de Tony. – Responde sorrindo. – Então, Nick... – Começa me chamando pelo meu apelido, com uma intimidade não dada. – Eu venho de uma família bem tradicional, meus pais são religiosos fervorosos e não aceitam coisas abre aspas do mundo fecha aspas, e há uns três anos eu vim percebendo coisas que eu já sinto há muito tempo. Então tem esse garoto, Victor meu vizinho, que me chamou um dia pra ir a uma festa com ele, nessa festa nós ficamos e então começamos a nos encontrar as escondidas, um dia meu pai pegou ele e eu nos beijando no meu quarto e desde então eu vivo preso em casa, estudo no meu quarto com uma professora particular, mas há quatro dias eu consegui fugir e agora depois de passar fome e não ter nenhum lugar pra ficar, eu decidi desistir, cansei disso e mesmo sabendo que vou pro inferno se me matar, mas bem... Esse não seria meu maior pecado, então não me importo muito... Mas você decidiu me salvar e agora eu perdi toda minha coragem. – Termina de relatar sua história e voltamos ao silêncio, apenas com barulhos da água abaixo de nós.

— Nossa. – Digo depois de um tempo.

— É... Nossa. – Responde olhando para frente. – Mas e você Grandão, o que te trouxe aqui? – Pergunta curioso e eu rio com esse apelido, que até faz sentido já que sou bastante alto.

— Não é nada demais, quer dizer eu sempre achei que meu sofrimento era maior que o de todos os outros, mas depois de ouvir a sua história, estou até com vergonha. – Respondo sem-graça.

— Nenhum sofrimento é maior que outro sofrimento, nenhuma dor é maior, só a forma com que a sentimos. – Diz Tony com um tom de voz filosófico.

— É...

Silêncio de novo.

— Mas conta sua história Pé-Grande. – Pede mais uma vez.

— De onde você tira esses apelidos? – Pergunto rindo e ele dá de ombros. –Tudo bem, não é nada demais... Só que meus pais brigam o tempo todo e eu sempre sou obrigado a fazer coisas que não quero só pra agradá-los e...

— Ninguém é obrigado a fazer nada Nick, somos nós que decidimos o rumo de nossas vidas, eu precisei fugir de casa, abandonar minha família e quase me matar pra perceber isso. – Termina com um sorriso.

Agora que reparei em como o sorriso dele é lindo, quer dizer ele é lindo, alto loiro com cabelos curtos, pele um pouco pálida, deve ser pelo fato de ter sido prisioneiro em sua própria casa, mas o que mais me encantou foram seus olhos castanhos que transmitem uma essência e esperança de que tudo vai melhorar o que é estranho já que ele tentou se matar.

— Faz sentido o que você diz. – Respondo achando interessante o que ele disse.

— Lógico que faz. – Responde rindo.

— Mas eu acho que eu não tenho salvação, que estou preso a um futuro ruim. – Digo aceitando meu destino.

— Pode até ser, mas cara é quase natal, então vai haver algum milagre pra você. – Responde dando um tapinha em meu ombro.

— Milagre? Tipo Milagre de Natal? Você acredita nisso? – Pergunto incrédulo.

— Sim, por quê?

— Porque isso não existe. – Respondo debochado.

— Claro que existe e acredito que um dia receberei o meu. Eu sei que é estranho eu dizer isso porque tentei me matar e tals, mas é algo que eu acredito bem antes de tentar o suicídio. Então apenas ignore e tenha fé. – Diz com um sorriso ingênuo, que me deixou encantado.

— Tudo bem se você acredita. Bem, eu não acredito nisso e nem naquele tal de Papai-Noel. – Digo olhando em seus olhos castanhos.

Ficamos nos encarando por um tempo até que ele começa a se aproximar de mim, quando percebo estamos nos beijando, é apenas um encostar de lábios, mas isso me deu um choque por dentro incrível.
Quando nos separamos ficamos nos olhando por algum tempo e sorrindo.
Olho em meu celular e vejo que já se passa de meia-noite... Já é Natal.

— Feliz Natal Nick. – Diz Tony que viu a hora no meu celular.

— Feliz Natal Tony. – Respondo e voltamos a nos beijar na fria noite de
Cabo Frio, eu sei que ele tem muitos problemas e eu também, mas nesse momento nada importava para mim.

...E foi assim que eu conheci seu outro pai.”

Termino a história as vendo sorrirem.

— Mas papai o que aconteceu depois? –Pergunta Liz.

— Bem, eu e o Tony fomos para a mesma faculdade, como eu não fiz o que meu pai queria ele não pagou então eu e Tony estudamos e ganhamos uma bolsa, morávamos nos dormitórios da faculdade e ficamos lá até terminamos e ele conseguiu entrar como estagiário em uma boa empresa e eu consegui no hospital que trabalho até hoje, foi muito difícil, mas conseguimos, depois adotamos você e sua irmã quando ainda eram bem pequenas.

Ficamos um tempo em silêncio, até Amélia bocejar.

— Tá na hora de dormir. – Digo e dou um beijo na testa das duas.

— Boa noite papai. – Elas dizem juntas, eu desligo as luzes e fecho a porta.

Vou para meu quarto ao lado e olho a foto que tem na cabeceira da cama, nela estão eu, Tony e as meninas em frente à ponte Feliciano.

Lembranças fazem uma lágrima solitária descer pela minha bochecha.

Deito-me e logo caiu em um sono profundo.
No outro dia acordamos cedo e saímos.

Hoje é dia 26 de Dezembro e como todos os anos desde que ele se foi, vamos para o cemitério, antes paramos em uma floricultura para comprar as mesmas flores.

Quando chegamos, percebo que a mãe do Tony está nos esperando.

— Oi vovó. – Diz as crianças correndo para abraçá-la.

— Olá, crianças. – Responde e olha para mim. – Nick.

— Senhora Pinheiro. – Digo educadamente.

Juntamo-nos e vamos em direção ao tumulo do Tony.
Ele morreu em um acidente de carro, no dia 26 de Dezembro, hoje fazem 3 anos de sua morte.

Foi um choque pra mim e para as crianças, mas agora já nos conformamos.

Chegamos a frente ao túmulo e as crianças colocam as flores em cima e a mãe dele faz o mesmo.
Ficamos um longo tempo em silêncio, como se estivéssemos lembrando todos os momentos passados com ele.

— Crianças, vocês querem tomar sorvete? Tem uma sorveteria aqui em frente. – Pergunta Maria, um tempo depois.

— Sim vovó. -Diz Liz e segura a mão de Maria.

Amélia olha para mim como se estivesse pedindo permissão e eu aceno a cabeça e ela segura a outra mão de Maria.

Depois que elas saem fico encarando a foto de Tony que tem em cima do tumulo.

— Sabe... Mesmo depois de 3 anos, ainda é estranho acordar e não ter você ao meu lado na cama... É estranho tomar café da manhã e não ouvi você reclamar que o meu café tá ruim... Eu sei que digo para todos e até pra mim mesmo que já superei sua morte, mas... Eu não superei e acho que nunca vou... Depois que você se foi, ficou um vazio dentro de mim que nunca será preenchido... Mas eu tento seguir, tento ficar bem... Pelas meninas e por você... Eu nunca vou deixar de te amar, você foi à pessoa mais importante da minha vida... E por mais incrível que pareça, não fui eu quem te salvou aquela noite... Foi você, você quem me salvou... Salvou-me de um futuro de farsas e mentiras... E eu sempre irei agradecê-lo por isso... Eu te amo, Anthony. Obrigado por me amar e por me dar a chance de viver e ser feliz... Eu sei que nunca disse isso e que se você ouvir vai rir de mim, mas... Tony, você me fez acreditar... Você foi e sempre será meu melhor milagre de natal... – Digo com lagrimas nos olhos e sorrindo sentindo um vento confortante em meu rosto.

Fim...


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler!
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