TODAS AS LUZES - Coletânea de Natal escrita por Serena Bin, Gessikk, Cardamomo, Miss Houston, Maya, Amauri Filho, Lady Gumi, Maxx, Sr Devaneio, Lucas Freitas, Analu, Nanathmk


Capítulo 15
A Última Luz - Luan Barbosa


Notas iniciais do capítulo

Bem, há uma primeira vez para tudo, não é mesmo?
E essa é a minha primeira fic/one-shot que faço na minha vida. Foi muito corrido e indeciso para fazer essa one. Espero que gostem! E tenham um Grande Natal!
Ah! Fiquem atentos! Porquê no Natal do ano que vem, eu irei fazer uma surpresinha, envolvendo essa one. Vocês tem muito tempo para advinhar. rsrsrsrs

~Luan Barbosa



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Querido Papai Noel.

Não sei se você vai ler essa carta, porque hoje é véspera de Natal, mas, não custa nada tentar, né. E se você recebeu essa carta, então, eu consegui invadir o shopping e coloca-la na caixa do correio.

Fiz questão de andar toda a cidade à procura de um papel de carta perfeito e uma caneta. E como pode ver, eu consegui.

Sabe onde estou agora? Em frente à lagoa Rodrigo de Freitas, assistindo as luzes daquela gigantesca árvore brilharem. É possível ver o reflexo das lampadazinhas nas ondas. Mas, você deve estar achando que eu quero uma boneca, uma casinha, uma bicicleta, etc.

Não. Sei que, o que vou pedir é um pouco difícil, mas, eu queria uma vida. Uma infância. Queria ser feliz.

Quando eu era mais novinha, eu tinha uma casa em Santa Catarina. Era da classe média, minha mãe, professora e meu pai, policial militar. Ele costumava bater muito em minha mãe, a ponto dela ficar com hematomas completamente roxos.

Isso tudo aconteceu quando eu tinha 7 anos.

De acordo com minha mãe, meu pai ganhava muito. Mas, eu sempre deixei de jantar, porque quase nunca tinha comida. Para ter um arroz em casa, minha mãe trabalhava, e muito. E meu pai, ou ia com outras mulheres passar a noite, ou ficava em casa me fazendo de escrava. Eu sempre tinha que arrumar a casa, fazer comida, servir meu pai. E se eu recusasse, ele também batia em mim.

Eu não podia ir à escola. Ele não deixava.

E sim, minha mãe já denunciou meu pai, mas, a delegacia não continuou o processo. Minha mãe disse que era por causa de meu pai ser policial.

Cansada de sofrer na mão dele. Minha mãe roubou todo o dinheiro que ele escondia embaixo do colchão. Acho que era uns, R$900. Ela deu isso tudo na minha mão e disse para que eu e meu irmão, de 2 anos, fossemos para qualquer lugar do Brasil, para fugirmos. E que ela daria um jeito para que meu pai não nós seguisse e nós capturasse. E que depois ela nós encontraria.

Lembro de ter ido até a Rodoviária e ter pego duas passagem para o destino do próximo ônibus. E foi assim que vim parar no Rio de Janeiro.

Estou no Rio a mais ou menos 6 anos.

Quando chegamos aqui. Ficamos algumas semanas dormindo em uma pousada. A mulher muito querida ajudou a gente, alugando por semana na metade do preço. Ainda me restavam R$830. Pensei em contar à ela tudo. Mas tive medo de meu pai saber onde estávamos e vim atrás de nós.

Tempo depois, passei a trabalhar. Primeiro dançando no sinal. Dançar foi algo que minha mãe fazia muito bem, e conseguiu passar para mim. No sinal onde eu trabalhava, havia uma livraria. Todos os dias a moça de cabelos ondulados que trabalhava nela, dava um livro para mim e um para meu irmão. No começo foi difícil, porque não sabíamos ler. Foi a moça de cabelos ondulados que nós ensinou a ler e escrever. Todos os dias, no horário de almoço, estávamos nós três na calçada, lendo e aprendendo.

Um dia, o dinheiro que eu guardava num fundo falso no quarto da pousada, foi roubado. Tudo! Não dava mais para pagar a pousada, a comida, roupas novas, nada! Sabe quem roubou? A própria mulher que nós ajudou. Ela assumiu e me ameaçou. Disse que me mataria, se eu contasse que ela roubou o dinheiro a alguém. Na época eu era somente uma criança. Fui embora de lá.

Na mesma noite, eu e meu irmão, dormimos na calçada de uma loja. Pela manhã, o dono jogou um balde de água fria na gente. Nós xingou de tudo o que é coisa. Me chamou de mendiga. Eu não acho que eu seja uma mendiga. Sou apenas um garota perdida.

‘As pessoas sempre escolhem olhar pelo lado de fora das outras. Não procuram saber a verdade. Pensam só nelas mesmas’.

Nós já fomos presos, por acharem que eramos bandidos. Fui espancada, porque garotos ricos queriam bater em meu irmão. Passamos muitas noites com fome. Quando eu pedia ajuda a alguém, eramos humilhados, sempre. Eu chorei muitas e muitas vezes no colo do meu irmão.

‘Nós eramos tudo, menos, duas simples crianças’.

Decidimos, então, procurar um abrigo e contar tudo sobre o que aconteceu. Até aí, já havia se passado três anos. O máximo que consegui foi um orfanato onde não aceitavam meninas, e fui obrigada a me separar do meu irmão.

Por um lado, eu estava triste, com raiva, sozinha. Ele era quem me fazia companhia, me ajudava. Eu o amava. A minha única família. Sim, ainda existe a mamãe, mas, eu não sei onde ela está. Até hoje eu a espero vim me encontrar. Toda vez que passava pela rodoviária, pensava em voltar para Santa Catarina, procurar minha mãe. Penso nisso até hoje.

Mas, o meu outro lado está feliz. Meu irmão foi bem cuidado. O que sei é que ele foi adotado por uma família lá de Minas Gerais. Será que ele ainda lembra de mim? Será que ele ainda chora todas as noites com saudades de mim e da mamãe, assim como eu? Eu não sei.

Mesmo com tudo isso que aconteceu, continuei estudando com a moça dos cabelos ondulados. Todos os dias ela me emprestava livros, eu lia, devolvia, pegava outros, e o ciclo recomeçava.

Hoje, essa livraria não existe. Mas, antes dessa moça ir embora. Ela me deu vários e vários livros que estão guardados até hoje em um esconderijo muito secreto. Bem, perdi alguns. Até porque tem alguns meninos que batiam - e ainda batem - em mim, roubavam meu dinheiro - e ainda roubam - e rasgavam meus livros - e ainda rasgam -. Esse é um dos motivos de eu estar sempre andando pela cidade. A cada três semanas, é dia de mudança.

Eu já fui para um orfanato. Foi lá que conheci a Mirian, uma grande amiga. Ela tinha fugido de casa, onde os pais batiam muito nela, não deixavam ela estudar, obrigada a cuidar da casa. Ela morava em Espírito Santo. Quando fugiu, pegou o primeiro ônibus, e nunca mais viu sua família. Eu me identifiquei muito com ela. Ela sabia o que eu tinha sofrido. Ela já estava no orfanato a alguns meses. Disse que ele era legal, mas, as crianças eram desrespeitadas o tempo inteiro. As mulheres gritavam sempre e sempre com elas, batiam, espancavam! Existia um castigo chamado, Mão de Cera. Na qual, quem desobedecia tinha que deixar a cera das velas caírem nas palmas das mãos.

Eu passei por esse castigo. Três vezes. A primeira eu não senti dor. Mirian fez o castigo por mim. Eu havia fugido, então, me encontraram. Ela teve a mão queimada. Ao invés das gotas de cera, o próprio fogo que queimou sua mão direita. Depois desse ato, jurei que eu a ajudaria a ser feliz.

Eu não cumpri essa promessa.

Nós fugimos, e fugimos, e fugimos. Todas as vezes, eramos pegas e punidas. Mas, uma vez, conseguimos. E ninguém nós encontrou. Ficamos juntas, por bastante tempo. Como irmãs. Ela me ajudava, e, eu ajudava ela. A gente se protegia. Todas as noites, Mirian lia um livro para mim.

Eramos imbatíveis, nenhuma loja era páreo para nós. Roubamos, sim, mas não para comprar drogas, e sim, para sobreviver.

Começo a chorar, só em pensar como ela foi embora. Um policial, não tínhamos nem roubado nada. Estávamos no nosso abrigo, jantando um pacote de biscoitos salgados. Foi quando ele chegou, e, atirou.

“Fuja, corra! Vá o mais longe que puder. Não se esqueça de mim”, foi suas últimas palavras.

Eu corri, mas nunca me esqueci dela.

Depois de tantos anos, eu continuo presa aqui. Nas ruas, sem família, sozinha. Eu já perdi as contas de quantos dias fiquei escondida em becos, rodeada de papelão com meus livros e chorando. Quantas noites passei frio, chuva, calor. Quantas vezes fui perseguida por homens encapuzados, que por sorte, fugi de todos. Quantas vezes olhei pro céu e vi que tudo o que eu queria, era não está onde estava. Era sentir mais uma vez o abraço da mamãe, o perfume da moça de cabelos ondulados, a risada de meu irmão, a voz de Mirian lendo os livros.

‘Saudade é um sentimento que te corrompe por dentro. Fica ferindo tanto, até escorrer a primeira lágrima’.

Estou chorando, agora.

‘Hoje é noite de Natal, época de reunir a família. E eu, não tenho uma família’.

Papai Noel, queria te pedir mais uma coisa. Faça o desejo de meu irmão se realizar. Não sei o que é. Mas, leve para ele. Queria pedir o mesmo para minha mãe, que está em algum lugar. E ao meu pai, porque, mesmo ele tendo feito tudo que ele fez, sei que era um bom homem.

Eu o perdoo.

Eu lembro do primeiro Natal que tive com o meu irmão. Nós já tínhamos saído da pousada. Passamos num beco escuro, olhando as estrelas e cantando músicas natalinas. Para mim, aquele foi o melhor Natal da minha vida!

Estou com um sorriso bobo, agora.

Queria também pedir que, com a sua magia, para você mudar o mundo, por mim. As pessoas são tão ruins! Mas, acredito que elas não são ruins porque querem, e sim, porque as verdadeiras pessoas ruins transformaram o mundo no que ele é hoje. E isso, acaba refletindo em todos.

E para que isso não reflita em mim, preciso ser forte. E para ser forte, me baseio na Última Luz.

A Última Luz, é na verdade a última estrela a apagar do céu. Eu a chamo de Luz da Esperança. Porque ela sempre fica lá no céu brilhando o máximo que puder, até onde der. Mas, então, vem o Sol, e ela se apaga. Mas, ela apaga sabendo que quando a noite nascer de novo, ela será a primeira estrela a brilhar. Ela sabe que com todas as dificuldades, ela sempre vai brilhar. Ela acredita. Que tal você tentar vê-la? Ela é sempre a estrela mais brilhante.

E por causa dela, que todos os dias eu acredito, que verei minha mãe, meu irmão, Mirian. Serei feliz. Isso é tudo o que eu queria. Mas, brilhar, cansa. Lutar, cansa. E eu estou cansada. Cansada disso tudo!

‘Acho que, agora, devo deixar o Sol me apagar. Permanentemente’.

Com muito amor e carinho, Lívia.

P.S: Não precisa me responder, até porque, eu não estarei aqui para receber. Somente faça o que eu pedi. E eu ficarei muito feliz, não importando onde estarei.




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Notas finais do capítulo

E aí? Gostou?
Muito obrigado por ler!



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