Back To The Start escrita por Bess


Capítulo 1
O começo


Notas iniciais do capítulo

Oláááá!
Essa é uma história que escrevi para comemorar o Natal (e pra consertar algumas coisas muito erradas no final da terceira temporada de Downton Abbey, if you know what I mean).
As músicas desse capítulo, como citadas, são:
Sigur Rós - Ára Batur
Keane - Somewhere Only We Know
Birdy - Wings
Espero que gostem da leitura! Enjoy *3*



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O começo do começo

“Você veleja pelos rios

Com um remo velho

À deriva

Você nada até a costa

Empurrado pelas ondas

Mas não adiantou

Você flutua sobre o mar

Dorme na superfície

Ilumina através da neblina”

– Sigur Rós, Ára Batur -

É sempre difícil de estabelecer um começo para as coisas que nos acontecem. Nem tudo é uma progressão restrita de causa para efeito, o tempo não é assim. É mais como uma grande bola de coisas wibbly wobbly e timey wimey.

Você foi mal numa prova. Qual é o começo dessa história?

Seu primeiro encontro com a professora? Sua infância? Uma média do seu dia-a-dia? Como começar uma história cheia de tantos começos, um fluxo de vida que é o tempo?

Se você pudesse ver todo o universo, todos os centímetros, todos os segundos, todos os metros, todas as pessoas em todos os instantes de suas vidas, tudo que é perene e que é efêmero, toda a velocidade, toda a aceleração, por onde você iria começar?

Uma cabine telefônica azul emitiu ruídos rascantes e pousou do lado de fora de uma biblioteca em 2015. Um homem com terno de risca-de-giz e tênis converse saiu calmamente, segurando na mão de uma moça loira que usava uma jaqueta rosa.

O meio do começo

“E se você tiver um minuto por que nós não vamos

Falar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?

Isso poderia ser o final de tudo

Então por que nós não vamos

Para algum lugar que só nós conhecemos?

Algum lugar que só nós conhecemos”

– Keane, Somewhere Only We Know -

– Rose! – O Doutor chamava, contente. – Bem-vinda à Biblioteca Nacional da Grã-Bretanha!

– Que ano é esse, Doutor? – Ela perguntava, admirando o esplendor daquele lugar. Sorria de orelha a orelha, contemplando as centenas de livros amarrotados nas estantes velhas. Do topo do teto, um lindo lustre caía, gerando um efeito muito interessante na iluminação.

– Eu não tenho certeza de quando estamos. Deve ser 2100, 21000...

– 2015. – Ela corrigiu, olhando um calendário na parede.

– Ah, pelo menos eu te trouxe dez anos à frente do seu tempo.

– Brega.

– Não, esse lugar nunca perde a graça. É cheio de passagens secretas. Eu tenho que inspecioná-las de uma vez ou outra.

– Nós já estivemos em lugares mais legais, admita.

O Doutor grunhiu. Não era verdade. Em 2100 aquele lugar ganharia melhorias maravilhosas...

– Escolha um livro, Rose. Qualquer um.

Rose foi até uma prateleira, e encarou aquelas capas de couro. Eles a faziam lembrar-se da sua época na escola, quando tinha que ler pesados livros de todas as matérias. Punk. No entanto, passando os dedos pelas capas antigas, foi como se um resquício de mágica escondida no fundo de sua cabeça voltasse à ativa, escolhendo um livro aleatoriamente.

Downton Abbey, de Lady Edith Crawley. Você já leu?

– Não, ainda não. Mas o nome da moça me soa familiar.

– De qualquer jeito, por que você me mandou escolher um livro?

– Vamos ler, uai. Quantas vezes na vida você vai poder pegar um livro emprestado, em 2015, na Biblioteca Nacional?

– Ah, você é estranho, Doutor. Tudo bem, vamos ler.

A verdade era que fazia tempo que ele queria fazer isso com ela. Sentar lado a lado, ler um livro, sentir a pele dela contra a dele... Ele afastou esses pensamentos.

Foi então que a sua linha de pensamento acelerou, e ele se lembrou.

– Downton Abbey! Lady Edith Crawley! Rose, vamos, agora!

– Mas o quê? Doutor, como assim? – Ela estava boquiaberta, mas nem teve tanto tempo para ficar atônita, já que ele a pegou pela mão e a puxou para fora da Biblioteca, correndo.

– Vamos, estamos ficando sem tempo!

Ela obedeceu. Já aprendera que nem valia a pena discutir.

Enquanto ele apertava um monte de botões lunaticamente na TARDIS, no entanto, Rose tentou fazer algumas perguntas.

– Doutor, pra onde estamos indo? E quando? Encontrar quem? Lady Edith?

– Ah Rose, Downton Abbey não é apenas um livro. – Ele disse, enquanto puxou uma manivela. – Era um castelo, em Yorkshire. Lady Edith escreveu esse livro porque sua família morava lá. Downton Abbey narra a saga da família Crawley e dos seus empregados.

– Você já sabe como termina?

– Não. E nem quero. Preciso ir pra lá agora.

– Por quê?

– Quando nós estávamos em 1953 pra ver a coroação da Rainha Elizabeth, eu achei um bilhete. Não parecia nada de mais, por isso nem te contei. Mas estava escrito “Doutor, você vai voltar para Downton Abbey. Mas não agora. Só quando receber um sinal.” E Rose, você foi o sinal! Brilhante, você é!

– Você sabe que eu escolhi o livro aleatoriamente, não é?

– Sim, mas quando na minha vida eu poderia ouvir esses nomes tão ao acaso de novo? Ah, você é brilhante. – Ele a fez corar e ela disfarçou.

– Doutor... Mas pra quando estamos indo?

– Pegue o livro. Vamos dar uma olhada e tentarmos nos decidir.

– Mas Doutor, estamos entrando num mistério. Não é melhor vermos quem pediu pra você ir pra esse castelo? E por que essa pessoa pediu isso? E quando?

– É um mistério. – Ele franziu o cenho. – Eu ADORO mistérios!

– Mas no bilhete ela disse que você precisa voltar pra lá... Você já foi?

– Não. Isso só torna tudo mais interessante.

Foi então que a TARDIS começou a chacoalhar. Estava muito esquisita. Fez barulhos ziguezagueados, depois com um tranco, parou. Rose caiu no chão e bateu a cabeça na extremidade do painel de comando, enquanto o Doutor conseguiu se agarrar a um dos freios de mão.

– Rose? Rose, você está bem? – Ele rapidamente avançou em direção a ela, preocupação estampada em sua cara. Terror se alastrou em seu coração quando viu que ela não estava consciente.

Ele imediatamente pegou sua chave de fenda sônica e tentou fazê-la acordar, mas não estava funcionando.

Tentou fazer com que a TARDIS viajasse até um hospital de primeira linha, mas novamente isso não estava funcionando. A TARDIS estava viva, mas trancara todas as suas portas e deixara as luzes apagadas, exceto as de emergência.

– O que está acontecendo? – Então o Doutor começou a se desesperar. Rose estava inconsciente, a TARDIS estava em alerta e ele estava sozinho.

Ele forçou a porta de saída e carregou Rose em seus braços. Conseguiu fechar a porta (e pediu ao universo que não deixasse ninguém chegar perto). A TARDIS estava num lugar isolado, distante do resto da vila.

Ofegante, ele se virou, a cabeça frágil de Rose pendendo, e viu onde estavam.

Um castelo se erguia contra o céu azul.

O fim do começo

O-o-oh, luzes se apagam

No momento estamos perdidos e achados

Eu apenas quero estar ao seu lado

Se essas asas pudessem voar

Para o resto de nossas vidas

– Birdy, Wings -

– Rápido, eu preciso de ajuda! – Ele chegou, gritando a plenos pulmões no pequeno hospital. Um médico chegou e arregalou os olhos ao ver a cena pouco usual. Um homem com um penteado estranho, terno risca-de-giz e casaco longo carregava uma menina que usava um vestido curto e uma jaqueta, além de sapatos pouco discretos. A menina estava claramente inconsciente.

– Ponha-a neste leito. – Ele indicou, rapidamente se aproximando para checar os sinais vitais.

– Ela está viva, mas...

– O que aconteceu?

Era aí que ele precisava começar a inventar, ele sabia.

– Ela bateu a cabeça contra o carro.

– Você estava dirigindo? – O médico olhou acusatoriamente.

– Sim, mas a culpa não foi minha. O freio falhou, o acidente poderia ter sido ainda pior.

– Ela imediatamente desmaiou?

– Sim.

O Doutor queria gritar que já sabia como curá-la, que aquele lugar não tinha tecnologia boa o suficiente, mas ainda tinha que entrar no papel.

– Creio que ela deve acordar em breve. Isso é comum quando ocorre uma concussão. No entanto, ela deve permanecer aqui, para verificarmos se pode haver... Sequelas.

O Doutor sentia todo o peso de ter suas condições resumidas a de um humano. A dor de não saber se alguém que ele... Que ele amava... Ficaria bem... E pensar que havia prometido protege-la. A TARDIS quebrada, ele preso numa época remota...

– Perdão senhor, mas não é muito bom que você fique nesse estado perto dela. Venha tomar uma xícara de chá comigo. – O médico o chamou. – Faz bem para os nervos.

O Doutor relutantemente assentiu. Se ele começasse a pensar direito, então conseguiria fazer o melhor para Rose.

– Primeiro de tudo, eu acredito que não nos apresentamos. – O médico falou. – Dr. Clarkson.

– Dr. Smith. Mas não o mesmo tipo de doutor, eu acredito. – O Doutor só não queria complicações.

– Você é médico? – O Dr. Clarkson lhe lançou um olhar desconfiado.

– Não, eu sou do ramo da Física.

– Interessante. É professor? – O médico estava claramente intrigado com aquela figura.

– Estava procurando por uma vaga... Dirigindo... E ela... – O Doutor desviou um olhar, um pequeno gesto que cultivara quando queria desviar também um pensamento.

O Dr. Clarkson tentou juntar dois com dois, então, depois de ficar em silêncio por alguns instantes, encarando o Dr. Smith, decidiu perguntar.

– Se você não se importa que eu pergunte... Quem é ela? E por que vocês estão em roupas tão... Inusitadas? Ela claramente não deveria estar vestindo alguma coisa tão curta.

– Ela é... – O Doutor ponderou por breves segundos. Ele estava com medo de ter que passar muito tempo naquele lugar para que Rose se recuperasse bem, e sabia como era ter que viver com fofoca de cidade pequena. Humanos sabiam ser criaturas bem mesquinhas. – Minha esposa. E sobre as roupas... Não somos exatamente daqui.

– Sua esposa? Logo imaginei. De onde são?

– De longe, muito longe. – Ele não estava mentindo. – Exeter, em Devonshire. – Era o mais cabível que podia imaginar.

– Essa é a moda em Exeter agora? – O Dr. Clarkson se surpreendeu.

– É uma das tendências para o verão. Diga-me Dr. Clarkson, há alguma coisa estranha ocorrendo nas proximidades ultimamente?

– Ahn... Honestamente, a única coisa que eu consigo pensar ultimamente é que tem mais pássaros que o usual. Não sei porque nenhuma alma viva nesse lugar reparou também.

O Doutor não conseguia se concentrar muito em conversa fiada, por mais que pudesse ver que as intenções do cavalheiro fossem nobres. Foi um alívio quando uma das enfermeiras veio e avisou os dois que a menina havia acordado.

O Doutor cruzou o corredor com pressa, e assim que a viu, não conteve o impulso de se jogar à cabeceira da cama, sorrindo de orelha a orelha, abraçando-a.

– Ah, eu estava tão preocupado com você...

– Eu já estou bem, Doutor. Me deixa sair dessa cama.

– Não mesmo! Dr. Clarkson, pode por favor explicar a ela o que pode acontecer se ela tentar andar por aí agora?

– Eu receio que o Dr. Smith esteja certo. Você está muito fraca e precisamos avaliar se há sequelas.

Rose assentiu, ainda emburrada. Era muito chato ficar doente.

– Eu vou deixar vocês as sós por um momento, depois volto pra explicar os procedimentos. Só um momento.

Assim que o Dr. Clarkson e a enfermeira saíram, o Doutor se voltou para Rose e começou a cuspir informações pra ela.

– Rose, me desculpe, mas a TARDIS está quebrada. Eu não consegui averiguar o que ela tem, mas... Me desculpe...

– Calma, Doutor. Vamos conseguir fazê-la funcionar, de um jeito ou de outro. Mas antes você tem que me explicar. Onde estamos? E quando?

– Devemos estar nas proximidades de Downton Abbey. Pelo menos conseguimos chegar. Mas a TARDIS estabeleceu seu próprio tempo, estamos à mercê dela. Pelo vestuário, construções e maneiras de falar que eu já averiguei até agora, parece ser o começo dos anos 20, talvez final dos 10.

– Isso é maneiro, sempre quis viver em Upstairs Downstairs.

– Quase consigo te ver sentada no sofá com a Jackie assistindo. Quanta animação. – Ele disse sarcasticamente. Antes que ela pudesse protestar, ele emendou. – Rose, me desculpe mais uma vez, mas eu tive que mentir e disse que você era minha esposa. Talvez tenhamos que ficar aqui um bom tempo, e eu não quero fofoca de cidade pequena. Nem em Kasterborous esse mal está erradicado...

– Você acha que tem algum alien escondido aqui?

– Talvez. Nunca se sabe. Eu quero saber mesmo quem me deixou o bilhete. Deve ser alguém que seja jovem agora... Presumindo que essa pessoa esteja viva em 1953.

– Isso está ficando muito confuso.

– Eu suspeito que vai ficar mais ainda. Não sei, isso aqui pode parecer tão normal, tão entediante, mas há algo estranho...

– Okay. Já vi que essa vai ser uma daquelas missões que demoram. Você trate de arranjar um emprego, e veja se a tal Lady Edith vive aqui, etc etc.

– Você soa tanto como a sua mãe. – Ele observou, querendo irritá-la.

– Vamos, rapidez. – Ela disse, brincando.

O Dr. Clarkson observou a cena. Era comovente, as duas pessoas à sua frente estavam apaixonadas. Novidades boas eram sempre motivo de alegria, e agora que a guerra havia acabado, levando junto tantos jovens como William, e depois Lady Sybil, aqueles estranhos poderiam ser uma mudança bem-vinda no astral da família Crawley. Se o homem fosse contratado na vila, poderia ser um adicional no time de críquete do ano que vem (o time da casa vencera naquele ano). Ele refletiu: poderia fazer com que Isobel Crawley conhecesse o curioso estranho, convidasse-o para um chá, e se ficasse tão abismada com ele quanto o médico havia ficado, ela provavelmente o levaria para jantar em Downton Abbey, pelo menos por um dia. Lady Sybil já tinha-se ido havia certo tempo, mas sua falta ainda era sentida. O companheiro poderia animá-los.

Dr. Clarkson não sabia exatamente o quê no estranho era extraordinário, mas ele o era, decididamente.

– Dr. Smith? – Ele chamou. – Eu estava ponderando se você gostaria de me acompanhar para uma visita a Sra. Crawley. Ela é uma parceira do hospital, além de uma amiga pessoal minha, e seu marido também era um médico. Eu acho que seria um evento bom para todas as partes, inclusive para a sua esposa, que precisa descansar. Podemos ir agora, no meu horário de folga.

– Claro. – O Doutor aceitou, depois se virou para Rose, deu uma piscadela, sorriu e desarrumou o cabelo dela. – Não saia daí.

Ela arqueou uma sobrancelha, mas se contrariou sorrindo simultaneamente.

– Vocês parecem se dar muito bem. – O Dr. Clarkson observou, enquanto os dois saíam do hospital.

O Doutor sorriu, enquanto olhava para o chão.

– Sim, ela é minha companheira. Viajamos para muitos lugares.

– Pretende se fixar em Downton?

– Ao menos por algum tempo, sim. Mas não vejo que tipo de emprego eu e Rose poderíamos arranjar. Você sabe de alguma posição?

– Eu não sei, Dr. Smith. Mas como físico, você não faz algum tipo de pesquisa de campo?

– Oh sim... Mas a universidade cortou meu patrocínio depois da... Guerra. – O Doutor arriscou saber a data.

– Graças a Deus acabou. E pensar que já fazem dois anos...

“Aha, 1920”, o Doutor pensou.

– Foi um horror. – O Doutor completou. Ele não a vivera, mas que guerra não era um horror?

– Você serviu no fronte?

– Sim, eu estive no Somme. – Ele de fato estivera no Somme, mesmo que não durante a Primeira Guerra Mundial.

– Não faço ideia dos pesadelos que você viu.

O Doutor desviou os olhos por um momento. Ah, o Dr. Clarkson realmente não fazia ideia. Em toda a sua existência, o Doutor havia visto coisas maravilhosas. Mas ele tinha sangue nas mãos, o sangue de toda Gallifrey, de todos os Daleks. Sem falar das pessoas que ele encontrara, e não pudera salvar... De fato, eram pesadelos, coisas que o Dr. Clarkson em toda a sua breve vida humana não fazia ideia. Sentindo-se encolhido pela culpa, o Doutor ficou em silêncio.

Mas agora ele a conhecia. Antes de conhecê-la, ele vagava sozinho. Depois ele a achara, e ela era fantástica. Toda raiva e perda que ele sentia pareciam pequenos pesos em seus ombros, porque ela era sua humana, e ela era rosa e amarela. A humanidade dela era tudo que ele precisava: ela o mudara. Ele renascera sorrindo, e era uma pessoa melhor por causa da compaixão dela.

– Dr. Smith? Perdão, eu creio que você se distraiu.

– Você havia tocado num tópico delicado. – O Doutor explicou serenamente.

– Mil perdões. – O médico ficou claramente muito constrangido.

– Não se preocupe. – O Doutor tocou-lhe nos ombros. – Agora, conte-me sobre a sua vida.

Ele era absolutamente fascinado com os humanos. Em todas as suas vidas, ele aprendera a não os encarar como formigas, e sim como gigantes. Aquele Dr. Clarkson já ganhara sua afeição, corajosamente servindo seu país e cuidando de outras vidas. Era alguém que ele certamente buscaria inspiração.

– Oh, veja. Chegamos.

O Dr. Clarkson soou a campainha e esperou. Ouviu passos no corredor, depois a figura franzina de Molesley apareceu à porta.

– Dr. Clarkson, o senhor veio para almoçar com a Sra. Crawley?

– Sim Molesley, e trouxe esse cavalheiro para nos acompanhar.

Os dois homens encararam o Doutor por um segundo, e ele relanceou de um para outro.

– Perdão? – Ele disse.

– Seu nome. – O Dr. Clarkson soprou.

– Ah sim! Que tolice a minha. Dr. Smith, à sua disposição.

– Muito bem. Queiram me acompanhar à sala de jantar, por favor.

O Doutor estava atento. Sua mente funcionava a mil, analisando cada detalhe daquele cenário.

– Sra. Crawley, o Dr. Clarkson veio almoçar, e trouxe um convidado.

– Oh. – A Sra. Crawley exclamou. – Ponha a mesa para seis, Molesley.

– Claro, minha senhora.

Foi então que o Doutor a viu. Sra. Crawley.

– Harriet Jones? O que em nome de Deus você está fazendo aqui? – Ele perguntou, absolutamente perplexo. Seu queixo caiu no chão, enquanto se lembrava da irritação que tinha com a mulher. Muito bem feito sua carreira ter sido destruída, ela era uma genocida covarde.

Mas aquela não era Harriet Jones, e depois de um tempo ele percebeu como todos estavam perplexos. Que péssima primeira impressão ele devia ter causado.

– Perdão. Mas você é igualzinha a alguém que eu conheço. – Ele se desculpou, tentando amenizar os estragos.

– Isso é intrigante. Nunca me confundiram tanto com uma mulher chamada Harriet Jones. – Ela sorriu. – Eu sou Isobel Crawley, e você é...?

– Dr. John Smith, à sua disposição, minha senhora. – Ele inclinou a cabeça, imitando seu colega Dr. Clarkson.

– Dr. Smith, conheça o meu filho, Matthew Crawley, minha nora, Lady Mary Crawley e a irmã dela, Lady Edith Crawley. – Isobel gesticulou na direção deles. Todos de pé, Matthew o saudou com um aperto de mão e um sorriso, acompanhado de um “como vai?”, enquanto ambas as irmãs acenaram com a cabeça, sorrindo sem dentes e com olhos inquisidores.

– É um prazer em conhecer todos vocês. – Ele disse.

– Bem, devemos começar a almoçar? – Isobel Crawley guiou todos para a sala de jantar, a um cômodo de distância. O Doutor foi cauteloso e esperou todos tomarem seus lugares, antes de se sentar também.

– Me desculpe se fiz uma cena na outra sala, Sra. Crawley, mas você é realmente parecida com Harriet e não estou bem com a cabeça onde deveria estar. – Ele admitiu.

– Minha nossa, aconteceu algo de mais? – Perguntou Lady Edith, querendo ser simpática.

– Eu trouxe o Dr. Smith para almoçar em parte porque acho que precisava de um descanso. Sua esposa está no hospital se recuperando de uma pancada na cabeça. – O Dr. Clarkson tomou a liberdade de falar, enquanto colocava comida em seu prato. – Achei que seria interessante para todas as partes.

– Sem dúvida, você fez bem. – Disse a Sra. Crawley. – Mas como sua esposa se machucou, Dr. Smith?

– O freio do nosso carro falhou... Ela ficou inconsciente, e eu tive que trazê-la até o hospital.

– Ela está bem? – Perguntou Matthew, preocupado.

– Por ora. – Assumiu o Dr. Clarkson. – Resta ver se não há sequelas.

A falta de sutileza de Clarkson fez uma centelha de culpa acender no Doutor. Todos perceberam isso, e tentaram rapidamente tornar o ambiente mais acolhedor.

– Eu estou bem curiosa, quem é essa Harriet Jones a que o senhor se referiu, Dr. Smith? – Perguntou Lady Mary, que parecia uma boneca de porcelana.

– Ela era uma boa amiga, mas eu receio que não estejamos mais em bons termos. – O Doutor respondeu evasivamente.

– Eu espero que suas diferenças não sejam irreconciliáveis. – Disse Lady Edith.

– Eu temo que sejam, Lady Edith. – O Doutor replicou. – Mas não falemos mais de Harriet Jones, que está tão distante desse lugar. – E tempo, completou mentalmente.

– Pois não. – Disse Isobel. – Dr. Clarkson diz que você é um doutor também, isso está certo?

– Sim, Sra. Crawley, mas não o mesmo tipo de doutor. – Ele sorriu com os truques da linguagem humana. – Ele é um médico, e eu sou um físico.

– Um físico? – Matthew pontuou. – Isso parece bem interessante. É engenheiro?

– Precisamente. – O Doutor agradeceu mentalmente ao rapaz. Ajudara-o a criar mais um álibi.

– Você deve jantar conosco em Downton Abbey, para que meu pai o conheça. Ele pode precisar de um engenheiro para auxiliá-lo em uma de suas construções. – Lady Mary observou, num tom de voz aparentemente distante, enquanto mordiscava sua refeição.

– Isso é um consolo, Lady Mary. Estava procurando por serviço, especialmente agora que posso ter que ficar aqui por um bom tempo. – O Doutor disse sinceramente. Estranhos hábitos daquela época.

– E quanto à sua esposa? Ela tem uma profissão, eu imagino? – Lady Edith sugeriu.

O Doutor podia se enroscar ali mesmo, mas ele gostava de jogar e se acostumava facilmente.

– Ela é curiosa. Infelizmente nunca pôde terminar seus estudos, mas ela tem certa instrução e me ajuda nos negócios. Ela é minha assistente, por assim dizer, mas se algum emprego aparecer, uma vez que ela esteja recuperada, tenho certeza que ela se adaptaria facilmente.

– Mas antes devemos deixa-la se recuperar. – Insistiu o Dr. Clarkson.

– Sem dúvida. – Concordou o Doutor. – Eu odiaria pensar nela fazendo algo que lhe fizesse mal.

A Sra. Crawley sorriu. Esse Doutor parecia ser um homem... Incomum e afável.

– Mas e quanto a vocês? – O Doutor se dirigiu a todos eles. - Como é a vida aqui?

Lady Mary cerrou os olhos. Aquele Dr. Smith tinha tudo para lhe desagradar, mas, estranhamente, esse não era o caso. Ele ganhara sua simpatia, contra todas as apostas.

– Matthew é advogado corporativo, Edith recentemente começou a escrever para um jornal londrino e Isobel é chefe do comitê do hospital. – Disse Mary, sem tirar os olhos de seu prato.

– E você? – O Doutor perguntou, examinando as feições dela. Ela certamente era interessante, isso não podia ser negado. Fria, sem dúvidas, mas aparentemente inteligente e espirituosa.

Ela se surpreendeu com a pergunta.

– Eu? – Hesitou. – Ah, isso e aquilo.

Ele compreendeu.

– Eu entendo.

– Você me lembra de mim quando eu cheguei a Downton, oito anos atrás. – Disse Matthew Crawley, chamando a atenção do Doutor. – Tive discussões semelhantes com Mary. – Ele pareceu sorrir com a recordação, enquanto Mary não pôde evitar soltar um risinho.

O Doutor achou aquilo interessante, também. Assim ele poderia começar a entender quem eram eles.

– Então vocês são casados há muito tempo, eu presumo? – Ele perguntou.

– Oh não, nos casamos há menos de um ano. – Explicou Matthew. – Infelizmente perdemos muito tempo.

– E por que disso? – Questionou o Doutor, curioso.

– Lá vai a história. – Disse Lady Edith. – É bem longa.

– Você contribuiu com a prolongação, Edith. – Lady Mary replicou.

Mew, que hostilidade. O Doutor não esperava esse tipo de cortada selvagem num mero almoço. Repreendeu-se mentalmente por apreciar esse tipo de conflito, mas havia algo muito prazeroso em podres da aristocracia inglesa dos anos 20.

– Eu reconheço isso. – Lady Edith ergueu a cabeça com orgulho. – E me arrependo, se isso te consola.

– Mary, deixe, isso são águas passadas. – Disse Matthew, procurando o lado mais suave de sua esposa.

– Mas eu ainda estou interessado na história. Parece muito interessante, e eu adoro ouvir histórias. – Disse o Doutor, cativado.

– Muito bem. Vamos, Matthew, você começou. – Disse Lady Mary, surpresa consigo mesma por concordar em contar sua história para um total estranho, mas aquele estranho era diferente.

– Era 1912, e o Titanic acabara de afundar. – Matthew começara a contar.

– Ah sim, eu me lembro. – O Doutor estava lá, então tinha certa experiência no assunto.

– Nossos primos e herdeiros na linha de sucessão a Downton, James e Patrick Crawley, morreram afogados. – Lady Edith contribuiu.

– Oh, que triste em ouvir isso! – Lamentou o Doutor.

– Foi há oito anos. – Argumentou Lady Edith. – Parece uma eternidade. De qualquer jeito, meu pai só teve filhas mulheres, e infelizmente nenhuma poderia herdar. Porque não somos meninos, evidentemente.

O Doutor se revoltou um pouco ao ouvir isso. Era algo muito injusto que os humanos cultivaram por muito tempo.

– E o próximo na linha de sucessão era um primo distante, de Manchester. O Primo Matthew. – Lady Edith prosseguiu. – Isso gerou uma pequena guerra em Downton. Todos estavam preparados para odiá-lo pelo bem de Mary.

Mary pensou em rebater dizendo que Edith não estava exatamente preparada para odiar Matthew e até tentou conquista-lo, mas era muito baixo e não agradaria seu marido. Só conteve esse desejo.

– E eu temo que o odiei sem motivo. – Admitiu Mary. – Logo da primeira vez, já lançamos farpas um contra o outro.

– Eu cheguei aqui tão convencido que não deixaria o estilo de vida deles me mudar, disse de peito erguido que escolheria minha própria esposa e não uma das filhas que eles me mandassem... E para o meu horror, ela estava escutando tudo.

O Doutor estremeceu ao pensar nesse encontro. A ideia era muito divertida.

– Eu tinha vindo chama-lo pra jantar conosco. – Mary explicou.

– Eu me lembro disso. – Isobel disse. – O desespero dele depois foi o melhor.

– Eu corri pra me desculpar, e ela me esnobou ali mesmo. Mas estava no direito dela, eu fui tão tolo...

– Eu fui mais, no jantar que se seguiu. – Mary sufocou o riso. – Eu dei um jeito cruel de contar a história de Perseu e Andrômeda de modo que eu era Andrômeda, sacrificada pelo seu pai a fim de salvar suas terras, e ele era o monstro marinho, que acolhia o sacrifício. E deixei isso bem claro para todos na mesa, já que era desejo geral que nós nos uníssemos em matrimônio, para que eu fosse a futura Condessa de Grantham.

Os olhos do Doutor brilhavam de excitação. Não importava quanta gente ele já tivesse conhecido, novas histórias sempre eram lufadas de ar fresco.

– Eu me senti bem mal depois desse jantar, achando que nunca seria bom o suficiente pra ela. – Confessou Matthew. Era estranho dizer isso em voz alta, especialmente porque Edith, Clarkson e Molesley estavam presentes, mas aquele Doutor compelia as informações para ele. Ele passava segurança.

– Bem, depois disso fomos nos acertando... Até que tudo deu terrivelmente errado e passamos dois anos sem nos falar propriamente. Lembra-se, Matthew? – Disse Mary, provocando.

– Como não? Quanto tempo perdido, tudo porque fui cabeça-dura.

– E depois, - Mary sorriu ternamente, - ele me surpreendeu completamente. Ele tinha passado em Downton, e eu insisti que ele deveria jantar lá, mas todos estavam muito ocupados com as coisas, então só eu e ele jantamos.

– Ela queria brincar comigo. – Matthew fez uma expressão distante. – Mas eu já estava cansado desse tipo de coisa. Então de um jeito ou de outro... – Os dois coraram e o Doutor achou esse gesto adorável. Entendeu que não contariam propriamente o que aconteceu, era muito pessoal e ele ainda era, para todas as finalidades, um perfeito estranho.

– E você propôs ela em casamento bem ali? – Perguntou o Doutor, maravilhado.

– Sim, mas ela não aceitou de primeira e eu disse que ia esperar uma resposta. E esperei, esperei, esperei...

– Mary não aceitou. – Lady Edith explicou.

– Por que não? Você não o amava? – Os olhos do Doutor estavam arregalados.

– Claro que sim, mas nós éramos... Eu era... Uma pessoa diferente.

O Dr. Clarkson franziu o cenho com desdém. Ele se lembrava que naquela época as condições de herança de Matthew haviam se alterado devido à gravidez de Lady Grantham, mas se calou. Certas coisas não eram ditas em meros almoços ingleses.

– Não deu certo naquela época, e de qualquer jeito a guerra estourou um pouco depois. – Isobel adicionou. – Matthew se voluntariou.

O Doutor queria evitar esse assunto. Detestava guerras, tão absolutamente.

– Não estávamos em bons termos, e quando fizemos as pazes, já tínhamos nossos próprios interesses amorosos. – Lady Mary prosseguiu. – Fomos em frente com as nossas vidas, não tinha dado certo.

– Mas o tempo é algo curioso, você não acha, Dr. Smith? – Matthew fitou o Doutor, seus olhos brilhando. – Perdemos tantos amigos, tantos jovens... Mas o tempo acaba devolvendo coisas do passado, mesmo quando não esperamos.

Lady Mary derrubou suas paredes de gelo e riu, adoravelmente. Até o Dr. Clarkson, que não era muito convicto dos sentimentos dela, podia ver que ela amava o marido.

– E numa noite de Natal, estava nevando... Todos já tinham ido se deitar, e ela foi olhar a neve do lado de fora, não tinha levado casaco...

– E ele finalmente ficou de joelhos propriamente.

– E você enfim aceitou, sem hesitar? – O Doutor perguntou.

– Eu não podia hesitar, não conseguia me dar a esse luxo. – Mary respondeu.

– Parabéns, Sr. Crawley! – Exclamou o Doutor, feliz. – História muito bonita.

Lady Edith teve uma sensação de impotência. Todos os momentos que todos eles viveram teriam como único propósito servirem de entretenimento para um Doutor?

Ela riu com a perspectiva.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo será postado daqui a algumas horas o/



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