Ô Ana escrita por Mayor Hundred
Notas iniciais do capítulo
Para Ana.
Onde quer que você esteja, eu sinto sua falta.
Se fechar os olhos e prender a respiração, Ana pode voar.
Voar como um balão cheio de hélio. Numa valsa desajeitada: dois pra lá, um pra cá. Devagarinho escapando do chão, até que pudesse tocar o céu. E de lá olhar para baixo e ver.
Ana não está cheia de hélio, mas tem a vozinha fina e engraçada. Seu corpo não é feito de látex, mas uma corda a amarra bem firme à terra e não a deixa escapar. Tudo o que ela tem que fazer é fechar os olhos e deixar de respirar.
Mas não faz.
Porque quando seus pés começam a deixar de tocar o solo, dedos congelados parecem remexer em suas entranhas. E então vem o medo. E as lembranças. E todas as coisas e pessoas que deixaria aqui, se voasse para longe. Então abre os olhos. E cai.
Ana não é um balão.
Ana é uma menininha. O vermelho do batom em sua boca foi pintado como marcas de pneu num acidente de carro. Os lábios tropeçam quando se abrem, e mostram um sorriso grande o suficiente para engolir o mundo.
Ana, por que você sempre vai embora?
Ana, por que você não voa?
Ana. Ana. Ana.
Ana?
Mas fechar os olhos e prender a respiração é abraçar o escuro. E no escuro tudo é incerto. Incerteza lhe incomoda, ao mesmo passo que certeza demais a machuca. Como a certeza que a sua namorada nunca mais voltaria que fez com que dançasse navalhas em sua própria pele, ou a certeza do pecado ao provar da carne do próprio irmão.
Suas certezas formam uma velha ferida que ela nunca deixa cicatrizar.
E sempre que se esquece de retirar a casquinha e se machucar mais um pouco para manter o ferimento, ouve a voz do vento que segreda o seu nome. E então a puxa para baixo.
Às vezes se cansa das vozes de fora.
Voa, Ana, voa. Sussurra para si mesma como se imitando a voz da consciência ou de uma entidade etérea de compreensão superior que lhe pudesse mostrar o caminho.
Voa, Ana.
Fecha os olhos. O mundo foi pintado de vermelho por baixo de suas pálpebras. Prende a respiração. Um peso em seu peito vem de baixo para cima, desafiando as leis da física.
Ô Ana
Uma voz familiar.
Abriu os olhos.
Caiu ao chão.
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