Ô Ana escrita por Mayor Hundred


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Para Ana.

Onde quer que você esteja, eu sinto sua falta.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/667207/chapter/1

Se fechar os olhos e prender a respiração, Ana pode voar.

Voar como um balão cheio de hélio. Numa valsa desajeitada: dois pra lá, um pra cá. Devagarinho escapando do chão, até que pudesse tocar o céu. E de lá olhar para baixo e ver.

Ana não está cheia de hélio, mas tem a vozinha fina e engraçada. Seu corpo não é feito de látex, mas uma corda a amarra bem firme à terra e não a deixa escapar. Tudo o que ela tem que fazer é fechar os olhos e deixar de respirar.

Mas não faz.

Porque quando seus pés começam a deixar de tocar o solo, dedos congelados parecem remexer em suas entranhas. E então vem o medo. E as lembranças. E todas as coisas e pessoas que deixaria aqui, se voasse para longe. Então abre os olhos. E cai.

Ana não é um balão.

Ana é uma menininha. O vermelho do batom em sua boca foi pintado como marcas de pneu num acidente de carro. Os lábios tropeçam quando se abrem, e mostram um sorriso grande o suficiente para engolir o mundo.

Ana, por que você sempre vai embora?

Ana, por que você não voa?

Ana. Ana. Ana.

Ana?

Mas fechar os olhos e prender a respiração é abraçar o escuro. E no escuro tudo é incerto. Incerteza lhe incomoda, ao mesmo passo que certeza demais a machuca. Como a certeza que a sua namorada nunca mais voltaria que fez com que dançasse navalhas em sua própria pele, ou a certeza do pecado ao provar da carne do próprio irmão.

Suas certezas formam uma velha ferida que ela nunca deixa cicatrizar.

E sempre que se esquece de retirar a casquinha e se machucar mais um pouco para manter o ferimento, ouve a voz do vento que segreda o seu nome. E então a puxa para baixo.

Às vezes se cansa das vozes de fora.

Voa, Ana, voa. Sussurra para si mesma como se imitando a voz da consciência ou de uma entidade etérea de compreensão superior que lhe pudesse mostrar o caminho.

Voa, Ana.

Fecha os olhos. O mundo foi pintado de vermelho por baixo de suas pálpebras. Prende a respiração. Um peso em seu peito vem de baixo para cima, desafiando as leis da física.

Ô Ana

Uma voz familiar.

Abriu os olhos.

Caiu ao chão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ô Ana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.