espuma do mar nas veias escrita por Salow


Capítulo 1
quem não seria feliz com música, mar e sorrisos


Notas iniciais do capítulo

Betada pelo Eltinho, a.k.a Enrique, link no meu perfil. Brigado, maravilhoso ♥
But enjoy~~



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Bem longe no mar a água é azul e escura e, naquele momento, era calma. Tão calma que Ariel suspeitava que pudessem ouvir seu coração acelerado. Porém, nem que trouxesse toda a orquestra do mar, ele conseguiria atrapalhar aquela festa.

Nunca vira tantos humanos juntos, ainda mais tão animados. Dançavam, cantavam, tocavam as sanfonas e alaúdes e criavam uma canção ritmada de risos, batidas de pé e vozes. O navio balançava e ninguém dava a mínima.

De repente, o barulho foi diminuindo. Fez-se ouvir, então, uma vozinha fina. Ariel, devagar, se aproximou.

—... e finalmente o nosso príncipe completou dezoito anos, vida longa a Eric!

— Viva! — o coro de marinheiros respondeu, batendo copos.

Retornaram à algazarra anterior e o tritão já nadava para longe quando viu uma luz amarelada brilhar em uma das janelas inferiores. Poderia ver um humano mais próximo ainda! Cuidadoso, colou-se à madeira e espiou. Lá dentro, havia um homem. Se estivesse familiarizado com humanos, diria que aquele era um tanto baixo. Remexia uma gaveta enquanto uma bola branca e peluda saltitava ao seu redor, tirou uma camisa branca de lá. Ao despir-se da que usava — manchada de alguma bebida —, Ariel se surpreendeu. A pele morena queimada pelo sol possuía vários riscos claros, como traços da areia mais branca. Eram irregulares e ocupavam toda a parte esquerda do tronco do homem.

Já com a nova camisa nos braços, o humano era atrapalhado pela bola peluda e branca e ria. O tritão nunca vira sorriso mais belo. Permitiu-se, também, soltar uma risada.

Foram os segundos mais agridoces que Ariel já vivenciou. O homem provavelmente o ouviu e, ao olhar para a janela, ambos se encararam. Não conseguiu ver se ele se aproximara ou se correra, jogou-se tão rápido na água que a única coisa que via era uma mancha de luz.

Procurou algum rochedo por perto e observou o resto da festa ao longe. Admirava-se com a resistência em comemorar, Ariel já tentava conter os bocejos. Mas, ainda que tanto houvesse para admirar nos humanos, ele só conseguia pensar naquele olhar. Deveria ser o príncipe! Era tão bonito, tinha um ar imponente... Imaginou como os cabelos tão negros dançariam na água.

Estava tão curioso que considerou espiar mais uma vez pela janela. Quase se convencera, mas, antes que chegasse até o navio, foi jogado para longe por uma onda repentina. O mar, de uma hora para outra, decidiu esbravejar e exibir sua força. O céu acompanhava-o, fechando-se, escuro. A chuva começou fraca, mas quando a tempestade se intensificou, as gotas passaram a cair como tiros.

Os gritos dos marujos passaram de alegria para desespero. Berravam ordens uns para os outros, puxavam cordas, corriam pelo convés. O terror aumentava à medida que a embarcação corria em direção a um conjunto de pedras. Ariel pôde ver Eric segurando o timão com outro homem da tripulação, mas parecia inútil. Ele próprio balançava a cauda freneticamente para se manter seguro.

Quando o navio quebrou-se inteiro e foram todos jogados ao mar, Ariel só pensou em algo. Ou melhor, em alguém.

Nunca antes em sua vida nadou tão rápido.

Bem longe no mar era onde estava seu navio. Eric lembrava-se da festa, de Max, de Grimsby, muita água, gritos e, por alguns segundos, calmaria. Era aconchegante, o calor da adrenalina aos poucos desaparecia. Voltou à superfície e havia chuva novamente, espuma, madeira.

O negro do céu se avermelhou e deu lugar ao azul, ainda com algumas nuvens. O mar foi ficando para trás e se transformou em praia, a areia surgia como uma mãe. Foi largado ali e, por vários minutos, os únicos sons que ouvia eram as ondas quebrando e uma respiração ofegante, tão pesada que parecia ter nadado um oceano inteiro.

Conseguiu virar-se. Abriu bem os olhos e pensou em duas opções: estava alucinando e havia um tritão ao seu lado ou já morrera e aquele era um anjo. Possuía a beleza de um, embora o peito ofegante e a expressão cansada fossem puramente humanas. As escamas verdes da cauda refletiam os raios matinais e brilhavam, chamando-o para o toque. Resistiu.

O tritão acordou de súbito. Tirou os cabelos ruivos do rosto e sentou-se, olhando ao redor, alarmado. Tinha um ar culpado. Falou primeiro:

— Você está bem? Achei que não fosse sobreviver. — Não parava de observar a praia.

— Vou aguentar. — Riu. — Então estamos vivos, de verdade?

— Eu o salvei, claro que estamos. — Não entendeu a ingratidão do humano.

— Achei que as ilusões haviam acabado... Ai! — Massageou a pena. — Por que me bateu?

— Nem um obrigado? — falou o mais alto que se permitiu, não queria que nenhum outro da espécie dele o encontrasse. — Eu nadei milhas para te trazer aqui!

O tritão foi arrastando sua cauda de volta para a água. Deveria ter ouvido sua avó. Humanos não são boa coisa.

— Espere! — Ele o seguiu e segurou seu braço. — Achei que estivesse perdendo a cabeça, não se encontra sereias todo dia. E você é lindo.

— Oh... — Não conseguiu manter a cara fechada. Poderia esperar tudo, menos um elogio.

— Se estou vivo... — O rosto de Eric se tornou sombrio. — E você me salvou... Minha tripulação?

Ariel ficou calado, os olhos na areia. Fizera seu melhor, mas sentira-se culpado por todas as outras vidas que acabaram.

— Pedirei para meu pai levar paz às almas que encontrar perdidas no fundo do mar. — Segurou a mão do homem, instintivamente. O ato foi apreciado.

— Obrigado. — Eric tentou sorrir. — Não só por isso, mas por ter me salvado. Você foi incrível, mas... quem é você?

Alerta.

— Você não pode saber disso, eu tenho que ir embora. — O tritão ficou elétrico de repente. — Me dê sua outra mão.

— Mas...

— Agora!

Começou a cantar. Sua voz dançava em piruetas e mergulhos pelo ar, assoprando os ouvidos do humano. Eric já vira incríveis performances, porém aquela tinha algo a mais. Sentimento puro. A canção era em uma outra língua e só reconheceu poucas palavras. Falava de futuro, tempo, preço e conforto.

Assim que calou-se, Ariel tornou para o mar.

— Espere! Para onde vai? Isso foi perfeito. — Eric sorria largo.

— Você ainda me vê? — Estava confuso. — Ainda lembra de tudo que aconteceu?

— Claramente! Não esquecerei em alguns anos!

— Devia ter funcionado. — Apertava os olhos. — A canção iria borrar suas memórias... Você não pode saber de mim!

— Mas...

— Prometa que não vai dizer a ninguém! Ninguém! — Apertava forte as mãos do humano.

— Prometo, só peço uma coisa, — falou em um tom calmo demais para a situação.

— O que? — questionou, afobado.

— Seu nome.

Antes do último mergulho, o tritão gritou: — Ariel!

Ariel...

Ariel foi o que Eric gritou durante vários dias que se seguiram. Por sorte, fora deixado em uma praia próxima a seu castelo e era fácil remar um pouco em direção ao horizonte azul deu céu e água para tentar encontrar a criatura. O tritão, curioso, também foi até a superfície a procura do humano. Por sorte ou destino, encontraram-se. Um dia, no outro e também no outro.

Ansiosos por conhecer um ao outro, conversavam sobre todo e qualquer assunto. Eric falou sobre seu reino, sobre as torres de sua morada, sobre a música.

— Mas como assim vocês comem peixe?!

Ariel falou sobre o seu palácio submarino, sobre os navios naufragados, sobre sua família. Nos primeiros encontros, mantinha-se dentro do mar e com os braços seguros na lateral da canoa, mas quanto mais tempo passava, mais seguro com o outro se sentia. Quando notou, estava dentro da embarcação e Eric brincava com sua cauda com um afago natural.

Vamos um pouco ao sul, quero te mostrar algo. — Eric sorriu.

O príncipe remou um pouco, Ariel gostava de observá-lo ali. Os braços tencionavam e relaxavam com os movimentos ritmados, ele era forte. O suor fazia sua pele brilhar e molhava a camisa branca, deixando-a levemente transparente, porém não o bastante para ver os riscos que vira no dia do aniversário — gostaria de perguntar sobre eles, mas sentia que era algo íntimo, talvez grave o bastante para esperar o tempo esclarecer seus mistérios. E não queria estragar os diálogos animados, sentia-se feliz e iria prolongar aquilo o quanto pudesse.

A linha da praia se aproximava cada vez mais e a areia, aos poucos, se transformava em pedra. Negras, as rochas seguravam suas formações inconstantes contra as ondas e, a medida que a água colidia, os respingos voavam, brilhando e refletindo a luz do sol. Algumas remadas depois, surgiu uma caverna por onde a água entrava mais calma.

— É aqui?

Eric assentiu, a canoa já dentro da gruta. Obviamente, era pouco iluminada. Em alguns pontos, a pedra era lisa, tanto que se confundia com a água. Ariel viu, quando pararam, garrafas de vidro vazias, alguns livros e lenha queimada. O humano pulou para a rocha firme e, mais atrás, talvez de um esconderijo, tirou uma tira de madeira. Era clara, longa e possuía alguns furos. Disse que chamava-se flauta.

— Eu não consegui esquecer a música que você cantou. Muito menos todo aquele dia. — A animação era clara em sua voz. O sorriso era largo e as mãos se apertavam, nervosas. — Também não entendi muito bem porque aquilo aconteceu, mas... fico feliz que tenha me salvado.

Levou a flauta à boca. Ela produzia um som agradável, diferente de tudo que vira no mar. A melodia era lenta e, de certo modo, lhe era familiar. Percebeu que era a canção que cantara para Eric, na praia. Naturalmente, acompanhou-o com a voz.

Foram míseros minutos, mas a harmonia entre os dois era tamanha que até o Eco silenciara para ouvi-los. O tritão sentiu um calor por dentro e, quando se calaram, não conseguia tirar o sorriso do rosto. O homem também não, embora o que mais lhe acelerasse o coração fosse a imagem de Ariel a sua frente. Não fosse a cauda de peixe, seria um dos mais belos humanos. Queria que a beleza fosse o suficiente para poder levá-lo ao seu castelo sem nenhum problema maior.

— Você costuma fazer músicas para agradecer todos os garotos que salvam sua vida? — Brincou um pouco com Eric, tentando colocar um assunto entre os olhares trocados.

— Não que eu precise ser salvo muitas vezes. — Riu. — Não, não, você é o primeiro que ganhou uma música. — Sentou-se na canoa. — Na verdade, você é o único que me ouviu tocar até hoje.

— Oh... — Não escondeu a surpresa, muito menos a confusão do que aquilo representava. Confiara o segredo de sua espécie a Eric, mas não esperava que ele fizesse algo parecido. Era um sentimento muito diferente quando a responsabilidade caía em si. Quase agridoce.

— Meus pais não se agradam com a flauta, se irritam com o som, dizem que é um instrumento feio. — Ele deu de ombros. — Quando eu cismei que não queria aprender piano, eles me proibiram de tocá-la, também.

O tritão não sabia o que era um piano, mas nem passou pela a sua cabeça a possibilidade de perguntar. Ainda estava processando o que ouvira antes.

— Sabe, Ariel, eu... eu nem consigo descrever como eu me sinto em relação a esses dias que venho te encontrando. — De início, ele parecia procurar as palavras, porém suas afirmações eram fortes. — Eu nunca, nunca imaginei que poderia estar tão em sintonia com outro alguém.

— Sim... — Foi o que Ariel conseguiu tirar de sua garganta travada.

— Adoro quando conversamos, adoro ouvir tua voz ou apenas sentar ao seu lado. — Ele se aproximava aos poucos, os olhos fixos.

— E todos esses dias, eu sempre desejei fazer uma, só uma coisa. — Estavam próximos demais, o bastante para um sentir a respiração do outro. Os rostos corados, quentes, se atraíam e se permitiam sentir o que queriam desde o início. O barulho das ondas lá fora era uma leve pancada contra a orquestra que as batidas dos corações criavam.

Quando a canoa virou e os dois caíram na água, foi como se o clímax estivesse junto e, molhado, não servisse de nada. O Eco voltou, o som do mar lá fora ficou mais alto e a coragem de ambos dissolveu-se.

— Eu... eu tenho que ir!

Ariel fugiu nadando mais uma vez. Mais tarde, sonharia com a canção, o sorriso e o beijo que não aconteceu.

No dia seguinte, Eric esperou na praia. O tritão o observou de longe, nas águas. Não se falaram. Nenhum dos dois dormiu bem na noite que veio após.

Quando o sol surgiu depois do incômodo noturno, o homem já estava de pé. Passou a manhã em seu quarto, inquieto e ansioso, não sabia se veria o outro. Ariel, porém, decidira que iria até ele e agiria com confiança. Não poderia definir o que sentia, mas seria enfático em dizer que algo sentia. A culpa de deixar parecer que não correspondia o humano lhe dera forças para pensar com clareza.

Avistou a canoa e nadou rápido até ela. Subiu, sentou-se ao lado de Eric e, juntos, aproveitaram a calmaria e o alívio. Alívio de um saber que o outro não desistiu de si. Calmaria pelo silêncio que se fez e, por algum tempo, não foi quebrado. Afinal, não precisavam falar, apenas estar.

Disseram tudo o que precisavam e o beijo que se seguiu foi simples e calmo. Nenhum dos dois conseguiria descrevê-lo, mas estavam felizes de ter acontecido naquele momento. Pareceu certo.

Foi.

— Gabu, mas ele é lindo! — Ariel falou pela décima vez.

— Sim, sim, eu entendi essa parte. — O tom do Gabu mostrava o tédio dele, não sabia bem porque acompanhava o amigo.

A maré estava baixa e os dois nadavam na direção de um banco de areia. O tritão puxava Gabu, uma arraia, e esse apenas aceitava. O tal príncipe teria que ser muito divertido para fazer aquilo valer a pena — ou trazer comida.

Ariel continuou tagarelando, deitado na areia que ainda tinha um pequeno lençol de água por cima. As ondas tão pequenas tremiam ao seu redor, mexendo seus cabelos. Gabu, a arraia, ficou ao seu lado, fingindo que ouvia.

“Que tipo de comida ele vai trazer?”, pensou. Lembrou-se que Ariel comentara algo sobre humanos comerem peixe. Também ficou com medo de início, mas fazia sentido, já que eles costumavam invadir o mar com tanta frequência para sequestrar amigos marinhos.

Divagou sobre alimentos e sobre a necessidade humana de comer mais do que precisavam. Não poderiam ter tanta fome para precisar matar tantos outros. Estava tão absorto que nem notara que as horas que se passaram foram realmente horas. Devagar, as falas de Ariel diminuíram de animação e frequência. O rosto dele passou da mais pura expectativa para a decepção.

— Vem, Ariel. Temos que ir para casa. — Gabu disse quando o sol sumiu no horizonte.

— Ele deveria ter vindo.

— Você não pode ir até lá! — Gabu gritava, tentando acompanhar o tritão.

— Por quê?! — Ariel era ríspido, impaciente.

— Ela é uma bruxa, teria motivo maior?! — Conseguiu fazer o outro parar.

Não por muito tempo. Antes de soltar um “sim”, Ariel já acelerava em direção ao covil da Bruxa do Mar. Precisava de pernas. Precisava para ontem! Já fazia mais de uma semana que o príncipe não aparecia ou dava sinal de vida. Não viu sequer um único navio a navegar pelos mares do reino e, após pedir a Fon, a gaivota, notícias do castelo, descobriu que a fortaleza se encontrava silencioso e fechado, só algumas serventes a trabalhar.

Não pela curiosidade, mas sim pela preocupação que insistia em tirar-lhe o sono. Poderia estar em apuros, poderia estar doente... Ou poderia estar com outro, outra. Poderia estar feliz sem ele. Parou de nadar por alguns instantes, mas não escutou nenhuma das palavras aliviadas de Gabu, a arraia.

Pelo bem ou pelo mal, decidiu que deveria ir.

Gabu, a arraia, observou de fora do covil. Luzes apareciam e sumiam no mesmo segundo. Vozes entoavam cantos. O próprio mar parecia mais morto naquele momento, funéreo.

Na beira da praia, surgiu um garoto. Ruivo, pele muito branca, algumas poucas manchas roxas pelo corpo. Deitado de bruços na areia, a única coisa que denunciava seu fio de vida era a respiração. Estava nu, porém não se importava, o conceito de nudez ainda era muito raso em sua mente. Lembrou de ouvir que humanos não gostavam de exibir o corpo. Quando ouvi isso?

Eric! Foi como um combustível instantâneo. Todos os músculos queimavam, mas ainda fazia força para dominar aqueles dois novos membros e levantar. Chorou de dor e quase caiu quando sentiu os pés cortando-se em vidro. Olhou para eles, os joelhos bambos tampando a visão vez ou outra. Estavam normais.

Há um preço, nada vem tão fácil, gracinha. Foi o que a Bruxa do Mar dissera, antes de lhe dar as desejadas pernas e tirar-lhe a força que tinha para nadar. Riu enquanto Ariel se remexia na água salgada e, de repente, tão fria. Talvez tenha sido sorte, não conseguiria explicar como chegou até a praia, nem como nadou tanto.

Não importava. Estava ali, tinha um objetivo. Não iria desistir depois de tanto.

Deu alguns passos e não conseguiu conter os gemidos de dor, tampouco as lágrimas de escorrer pelas bochechas. Tremia tanto.

Respirou fundo.

Um pé e depois o outro. Um pé e depois o outro.

Chegou até o muro do castelo, a pedra branca se erguendo maciça contra o mar. Viu Gabu, a arraia, nadar ali perto.

— Por aqui!

Ariel o seguiu, entrando na água e relaxando um pouco enquanto os pés não pisavam no chão. Passaram os dois por uma grade larga, a água quase na boca do, agora, humano. Surgiram numa espécie de fosso dentro dos muros do castelo. Como haviam dito, estava deserto.

Ariel achou, de certa forma, parecido com sua casa. As construções de pedra se uniam às vezes curvas, às vezes retas, subiam pontudas. Algumas caixas espalhadas e até canoas como a que Eric usava. Perto de onde estava, viu lençóis brancos estendidos em um varal. Pelo chão, corda. “Vestiu-se”.

— Se não me engano, a Fon disse que o quarto dele é na torre mais alta. Corra!

Assentiu e esperou que pudesse sair logo dali para agradecer a ajuda de Gabu. As torres estavam espalhadas, porém a mais alta foi reconhecida facilmente. Tentou correr, mas ainda pela dor, decidiu apenas andar depressa. Sempre atento, não notou um ser vivo.

Atravessou um pátio, passou por alguns pilares que davam para um corredor e se encontrou dentro do castelo. Ainda não via ninguém, até que... passos! Agachou-se perto de alguns armários que encontrou, porém a servente que passou não o notaria nem se estivesse pulando no meio do cômodo. Tinha um ar preocupado e levava algumas fronhas nos braços. A moça entrou em um vão.

Ariel esperou um pouco. Seguiu por onde a moça havia desaparecido. A porta alta que surgiu dava para uma escada circular que parecia subir até onde conseguiu ver. Deveria ser essa. Subiu com dificuldade, escadas eram ainda piores do que simplesmente caminhar. Não tinha um plano.

No topo da torre, estava a porta entreaberta do quarto de Eric. Da soleira, viu a servente ajeitando as fronhas em um armário. Na cama, estava ele. Tão fraco, tão pálido, tão cheio de dor. Tudo que se seguiu pareceu irreal, uma espécie de sonho.

Correu até a cama do homem, não viu a servente se assustar, mas quando ela avançou em sua direção, o grito que soltou afugentou a mulher escada abaixo. Tentou falar, mas além da garganta seca, algo mais o impedia. Não emitiu som algum.

Balançou Eric e ele acordou. O sorriso fraco que conseguiu pintar em seu rosto foi o bastante. Ir até aquele castelo foi a coisa mais certa que poderia fazer. Não conseguia falar, mas a expressão em seu rosto pedia explicações.

— Eu não te contei antes, mas... — Tossiu. — Não sou exatamente o príncipe mais saudável.

Tentava mexer braços e pernas, mas estavam amarrados a cama. Ariel abriu as fivelas e o ajudou a sentar-se.

— Aos quinze anos, comecei a ter algumas visões. Minha mente me enganava, me obrigava a fazer coisas que eu não queria, colocava vozes na minha cabeça. — Passou as mãos pelos pulsos vermelhos. — Com o tempo, elas ficaram cada vez mais frequentes.

Ariel assentiu. Passava os olhos pelo quarto, mas aparentemente, só havia a escada como saída.

— Minha... — Ofegou quando ficou de pé com a ajuda do outro. — Mãe contratou médicos que fizeram alguns tratamentos... Coisas horríveis. Todos os dias eram uma tortura sem fim. Passei a fingir melhorar, mas sempre que as visões vinham, eu me trancava nesse quarto e...

Eric encostou a mão em seu peito, sabia que Ariel o vira naquela noite. O outro apenas assentiu, sentia tanto naquele momento que a única reação era a força que colocava em seus braços para levar o príncipe até a porta.

— Depois que encontrei você, não consegui pensar em mais nada. As visões pararam, mas havia tanta felicidade aqui dentro que eu simplesmente não consegui me controlar. — Fez sinal para pararem de andar, estava cansado. — Toquei a flauta aqui, na torre. Minha mãe ouviu e brigamos feio, você lembra-se do que te disse. — Engoliu seco. — Acabei falando sobre você e que iria embora, que ela não tinha mais poder sobre mim.

A risada sem graça de Eric foi coberta pelo som de botas na escada. Subiam e subiam rápido. Ariel desesperou-se. Olhou ao redor, armário, velas, cama, tapetes. Nada! Estavam perdidos. Fora da torre, ouviu um bater de asas.

Colocou Eric nos braços e correu até a janela, toda a agonia queimando-os inteiros. Antes de pular, ouviu o som dos guardas correndo atrás de si e um grito feminino. Então, foi tudo azul.

Caíram na água e, fundo, olharam um para o outro. Ariel, por fim, conseguiu respirar calmo. Olhou para baixo e viu sua cauda novamente ali, mirou Eric e ele também tinha uma, cheia de escamas amareladas, escuras. Tirou os trapos que ainda cobriam o príncipe e o abraçou por fim. Quase podia ouvir a risada de seu pai.

Bem longe no mar a água é azul e escura mas, naquele momento, brilhava.


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Notas finais do capítulo

Oh, foi uma loucura escrever essa fic, mas finalmente fiz o genderbend que eu queria, então JSDOJSDPOQue acharam, migas?