Marcada escrita por Violet


Capítulo 20
Desafio!




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O horizonte já se curvava perante o sol, e a sua queda me avisava que estava próximo à hora do meu chá, e aquele homem cuja a barba não muito higiênica, se umidecia enquanto ele cuspia aquele discurso sórdido. As pessoas não queriam saber de palavras ecoando ali, o único eco que queriam ouvir ali era o dos gritos de dores dos adversários. Kaeth parecia não ligar muito e se preocupava mais em brincar o soldadinho de madeira cujo eu havia o ensinado a esculpir. Derick dava pulinhos e parecia se deixar levar pela multidão, com os olhos fixados na arena ele observava ansioso a chegada dos oponentes, mas não largava a barra do vestido marfim de mamãe que persistia em se abanar com um leque em menção de calor, quando na verdade era uma desculpa para não ter que olhar a cena.

Como o filho mais velho, eu era obrigado a ficar nas primeiras fileiras cercado pelos lordes que não faziam nada além de discutir poder e falar asneiras em um vocabulário sofisticado. A única coisa que tinha que fazer era observar a todos com um semblante sério, acenar com a cabeça a cada seis segundos, e focar bem nos olhos de quem estivesse discursando, e todos achavam que estava interessado e acompanhando a conversa, essa era minha maneira de esconder meu profundo tédio e insatisfação. O alarme soou, os diálogos cessaram automaticamente, e todas as pupilas dilatadas focavam em um só ponto... a arena!

Como era de praxe, as primeiras lutas demoravam mais, os adversários urravam a todo vapor para excitar a multidão, mas só de olhá-los eu podia medir as suas forças e na maioria das vezes não era nada. O primeiro era realmente grande, podia ver os músculos pulsando por de baixo daquelas asas robustas. Ele arrastava seu imenso machado pelo solo levantando a areia seca.

—  Ele é forte, vai vencer com certeza! – ouvi um dos amigos de meu pai supor.

— Eu apostei uma boa grana nele, é bom que ganhe essa maldita luta!

Geralmente eu não julgava a força baseada na aparência do inimigo, já fora surpreendido muitas vezes, mas ali... eu tinha que admitir, em toda a minha vida nunca tinha visto um demônio classe 3 com aquela áurea. A gravidade se tornava mais pesada cada vez que eu olhava para ele, aquele machado... não era qualquer arma, de longe eu conseguia perceber o peso que aquilo deveria ter, no entanto ele segurava como se fosse um graveto qualquer, seja lá quem fosse seu adversário teria sérios problemas, era difícil imaginar alguém que superasse aquela força.

— Por que não anunciaram ainda o adversário dele? – ouço meu pai questionar, e não pude deixar de compartilhar da mesma dúvida, geralmente os dois eram anunciados simultaneamente.

— Parece que houveram alguns problemas com o advsersário dele, era um cinco.

— O quê?!! – todos gritaram em uníssonos , inclusive eu em minha mente. Um cinco chegar numa final daquele tipo de competição era completamente impossível.

Todos se entreolhavam e em seguida observavam a arena atônitos, Narzhul parecia furioso com a situação, e pela primeira vez estava interessado numa luta.

— Parece que tivemos um contratempo, perdoe-nos senhoras e senhores, mas iremos resolver agora mesmo!

Ele estava disfarçando, mas podia ver o desespero estampado naquela voz trêmula. Não era comum um classe cinco chegar a essa etapa da luta, até porque eram considerados uns dos mais fracos, não era só a multidão que estava ansiosa, eu também estava. Já passavam dos quinze minutos e ninguém se pronunciava, Narzhul parecia cada vez mais inquieto.

— Acho que vou dar uma volta... – disse despreocupadamente e pude sentir a repreensão no olhar de meu pai.

— Não demore, não quero que perca a luta.

— Não importa quem ganhe, não poderá me superar de qualquer forma. – indaguei e o vi acenar com a cabeça em aprovação, ele adorava se exibir por cima do meu poder.

Já estava quase desvencilhando do ultimo empecilho e me afastando quando ouço uma voz gritar, uma familiar voz...

— Eu vou lutar!!! Eu derrotei todos pra chegar aqui, não há motivos que me impeçam de lutar, ou está com medo que uma cinco vença esse maldito torneio?! – ela gritava como uma deusa em seu mundo, sua voz penetrou meus poros, e meu cérebro pela primeira vez estava em choque. Todos olhavam fixamente para arena, e eu relutantemente me forcei a fazer o mesmo.

— Garotinha, se não sair agora mesmo daqui vou ser forçado a lhe tirar a força!

— Que tente, já passei por cinquenta caras mais fortes que você, não será nada para mim!

— Ora sua... – ele ergue a espada.

— Deixe-a lutar! – e antes que pudesse perceber, minha voz ecoava pela arena e meus pés estavam cravados nela. Todos me olhavam como se eu fosse um anjo proclamando guerra, e dentre todos aqueles olhares, podia sentir um mais pesado, mais intenso e mortal... o de meu pai!

— Não se meta Ackles, seu pai não vai gostar.

— Já disse para deixá-la lutar. Ela venceu todos os anteriores, não? Pois deixe-a cumprir seu propósito. – podia sentir seu olhar intrigado pairando sobre o meu rosto, mas não retribuí o olhar, apenas foquei no homem diante de mim que parecia ceder.

— Não vão gostar disso! Sabe o prejuízo que vai me dar o quão furiosos vão ficar?! Ninguem está aqui para ver uma luta entre um três e uma cinco!

Você deve estar pensando que não deveria haver tanta diferença de um cinco para um três... Afinal, são número próximos, mas não aqui. Há um abismo di diferença de poderes entre as classes, você vai entender quando eu cometer o pior ou melhor erro que podia cometer.

— Se o problema é esse, você terá um dois na sua luta patética!

— Sam, controle-se. Seu pai não vai gostar de saber disso e eu não quero mais problemas pra mim.

— Não se preocupe com o meu pai, não é uma boa luta que você quer? Então... Se por acaso ela vencer---------

— Impossível! – o vi disparar, e pude notar uma ameaça no olhar da garota.

— Impossível ou não, isso nós vamos saber... De qualquer forma, você só tem a ganhar! – indaguei e pude vê-lo ponderar profundamente, aquilo só era para manter as aparências, ele já estava convencido. E a garota... persistia em me observar profundamente, e eu em ignorá-la na mesma intensidade.

O homem anunciou e todos olhavam pra ela como se ela fosse uma aberração, unicamente por ser uma classe cinco, era como um rato de esgoto desfilando sobre um banquete do rei. Ela permanecia focada em avaliar seu adversário, e pela primeira vez me permiti olhá-la. Seus cabelos eram negros, lisos e escorriam até a altura cintura mesmo presos no alto da cabeça, sua pele era bronzeada, e suas curvas se acentuavam naquelas roupas de couro, seus olhos castanhos penetravam no inimigo como uma lâmina afiada, seu semblante era impactante, ela segurava uma espada que deveria ter o dobro do seu peso, imaginei quanto tempo ela não havia treinado com ela para se acostumar com o peso. Sua pele esbranquiçada estava com algumas partes manchadas de sangue e imaginei o quão ela havia se esforçado para chegar ali.

Os murmúrios continuavam e as críticas também, mas ela não parecia se importar nem um pouco, apenas focava em cada centímetro daquele forte adversário. O primeiro a atacar fora ele, suas passadas eram pesadas e seu machado girava livremente sob seu dedo, o ar ficava cada vez mais denso só de olhar para ele, mas ela não parecia apavorada. Seu primeiro golpe fora estrondoso, ele arrebentara a estrutura de concreto abaixo de si, mas ela desviara dando um ágil salto, em seguida seu machado foi lançado com uma espécie de corrente que acertara ela, me perguntei por que ela não havia desviado. Foi então que ao puxar o machado de volta, a centímetros de distância de Narzhul, ela salta sobre sua cabeça, e toca-lhe o ombro, ele tenta acertar mais um golpe, mas ela desvia com uma certa dificuldade, pouco tempo depois ele tenta dar mais uma passada, mas é interrompido, um selo se alastrava por seu corpo partindo exatamente do lugar onde ela havia tocado, e raízes roxas se deslanchavam do chão e prendiam todo o seu corpo, não demorou muito para que através da força ele conseguisse destruir as raízes, ele parecia furioso.

A velocidade de suas passadas aumentaram, agora ele corria, suas narinas bufavam e ele empunhava o machado com vontade, iria fatea-la em pedaços. E o golpe a acerta, e ela é arremessada a metros de distância, sou decepcionado rapidamente assim como todos a minha a volta, até que vejo os olhos da multidão se iluminando, volto a olhar para arena... Ela não estava mais caída, estava de pé, e em suas mãos duas reluzentes espadas brilhavam, aquelas runas eu nunca havia visto antes, e as espadas são lançadas no ar, as duas acertam os ombros de Narzhul, ele sorri vitorioso por não ter sido acertado, mas aquelas espadas estavam posicionadas num ângulo perfeito demais para terem sido fruto de um erro, todos em silêncio... E as espadas cravam mais fundo em seus ombros e todos o seu corpo começa a congelar, magia... Aquelas espadas estavam fundidas em magia! Não houve tempo sequer para associarmos seus golpes, Narzhul não conseguia se movimentar, o via se contorcer e usar toda a sua força que não era pouca, nenhum êxito. E uma terceira espada com outro conjunto de runas desconhecidas parecera, ela corria em sua direção a todo vapor, gritava como sua vida dependesse daquilo, e a espada assume um tamanho maior e é cravada bruscamente contra o peito do inimigo, que agora não passava de fragmentos de gelo espalhados pelo chão.

— Ela está fundindo magia nas armas?! Não é possível! – ouço alguém indagar, e não pude deixar de questionar o mesmo.

Geralmente os demônios eram divididos em dois tipos de poderes, haviam os guerreiros que utilizavam armas em suas lutas além da força física, e os que mexiam com magia, estes muito raramente eram colocados em batalhas. Nunca houvera casos em que portassem as duas habilidades, exceto eu... Eu era o único que conseguia tal feito e ainda sim não podia usar os dois simultaneamente, mas aquela garota... ela não só usava os dois simultaneamente como fundia os dois poderes, e era uma cinco...Era um verdadeiro milagre!

A luta acabou mais rápido do que supúnhamos, no entanto ela persistia em sorrir para algum ponto cego diante de nós, seu sorriso era de alívio, sincero e humilde, não era os sorrisos que os monstros exibiam a fim de estampar sua vitoria, ela não parecia feliz por ter apenas ganho, mas parecia ter um propósito maior por de trás daquilo, não era a toa que nunca havíamos ouvido falar dela. E milhões de dúvidas começavam a surgir e minha vontade foi de me dirigir à ela e enchê-la de perguntas, queria conhecê-la, queria ouvir aquela voz impetuosa novamente, e sentir aquele cheiro adocicado, e foi o que eu fiz, me dirigi até ela, mas não para sentar e conversar como eu queria, mas para a luta...

Comecei por observá-la minuciosamente, ela era rápida... Fundia sua magia com as armas sem fazer muito esforço e era precisa, tinha que ter cuidado. Todos nos observavam sem entender nada, ainda não haviam conseguido digerir aquela vitoria, e não entendiam por que eu estava desafiando-a.

— O que ele está fazendo lá? Sam! Volte agora mesmo aqui! – ouvi meu pai gritar, podia sentir sua fúria ecoando por aquela arena, ignorei. O clima estava mais pesado,uma fina rajada de vento carregava alguns grãos secos de areia, ela me fitava com um olhar estreito como se tentasse ler minha alma, impossível, demônios não tem alma.

— Não vai me parabenizar pela vitória? – ela ironizava estampando aqueles dentes brancos num sorriso que poderia selar pactos e capturar almas.

— Parabenizá-la? Ah sim, eu já sabia que o venceria de qualquer forma, não estou surpreso.

— Ah...não? – ela me fitou intrigada.

— Não, mas... – comecei a retirar meu casaco, assim como meu cachecol – deveria lamentar que sua jornada tão árdua – apontei para seus ferimentos – acabe aqui..

— Eu não teria tanta certeza, apesar de ser uma cinco você viu que----------

— Não estou falando de você, ou sua classe...Reconheço a sua força, mas ainda sim não é suficiente.

A luta havia começado,podia ver uma ponta de medo atrás daquela pupila dilatada, ela tentava ser o mais precisa possível em seus golpes, alguns por pouco me acertara, ela era realmente boa, tinha que admitir. Duas horas e meia de luta e eu não havia revidado nenhum de seus golpes, apenas desviava deles. Ela conseguia fundir magia perfeitamente naquelas espadas, aquilo não era possível nem para mim e que havia passado boa parte da minha vida treinando,milhares de questões começavam a surgir na minha mente e eu só queria saná-las todas, queria perguntar onde ela havia aprendido aquilo, quem era ela, por que nunca havia ouvido falar dela antes já que era tão forte assim mesmo sendo uma cinco. Pessoas urravam ao meu redor exigindo entre um berro e outro que eu a liquidasse logo, mas como poderia feri-la? Aquelas gotas de suor que escorregavam por aquela pele macia, seus olhos negros tão focados, e aquelas mãos tão leves que empunhavam aquelas espadas como uma fada empunhando a varinha. Ela não estava ali para se mostrar para o mundo, havia um motivo maior, a cada grito, cada golpe, havia uma vontade maior ali que a impulsionava mesmo sob os músculos cansados.

— Sam! O que está esperando seu tolo? Acabe logo com ela! – ouço meu pai gritar já furioso e recobro a consciência.

— Desculpe... – falo sem encará-la enquanto estalo o pescoço de um lado para o outro e isolando meu lado emocional. – Sua jornada acaba aqui!

                               Seu cansaço transparecia por aquela respiração falha, as pernas tremiam e sua magia já não emanava com tanta facilidade assim, ela estava no limite e eu? Intacto.

— Não cante vitoria antes da hora, Ackles. Vocês são podres! – ela cuspiu rudemente no solo seco a minha frente.

                Ela evocou as espadas novamente e as empunhou com mais vigor, ela corria em minha direção e o vento trazia seu cheiro doce pra mim, ela gritava intensamente como se aquilo suprisse a falta de força que ela já tinha. As espadas tomaram cores diferentes, uma tomava uma coloração branca e a outra laranja, uma estava fria, e a outra estava queimando.

— Dois elementos ao mesmo tempo...Não pode ser! – sussurrei para mim ainda incrédulo do que estava vendo.

      Sua mão esquerda que empunhava a espada de gelo, estava congelando, a magia estava se expandido para além da espada e se fundia com o corpo dela. Para usar aquilo contra mim, ela iria sofrer o mesmo dano, talvez até um dano maior, esse era o preço que ela estava pagando para tentar me derrotar, ela estava disposta a abrir mão da própria vida para vencer aquela luta!

— Sam! Mate logo essa vadia! – ouço meu pai berrar outra vez e dou um salto ágil que me livra do golpe.

— A magia está se fundindo com o seu corpo! Você vai acabar morrendo desse jeito, sua tola! – indaguei e só então parti para o ataque, ela desviou por pouco.

— Cale a boca e lute, miserável! – ela veio num rápido contra ataque e uma das espadas deslizou de raspão no meu rosto, e o ferimento começava a queimar intensamente, causa da magia. Se somente com aquele corte leve já estava causando tamanho incômodo, quem dirá a dor que ela deveria estar sentindo com aquilo penetrando seu corpo.

       Estava pensando demais, a luta estava se estendendo demais, tinha que encerrar aquilo e agora! Esperei ela correr novamente em minha direção, e a repeli com magia, pude ouvir o quebrar de suas costelas ao bater contra a parede que cercava a arena. Ela arfava intensamente, seu corpo já não suportava o próprio peso, mas mesmo assim ela tentava levantar, a envolvi com magia negra e um amontoado de sombras começavam a se enroscar no seu corpo impedindo qualquer movimento, ela estava paralisada. Com uma técnica  de manipulação estiquei uma das sombras que se moldou em formato de lâmina e a cravei em seu ombro, seus gritos de dor ecoavam pela arena assim como a multidão excitada. Retirei a lâmina, e perfurei sua bacia, retirei e perfurei novamente suas costelas quebradas, e o fiz até atingir seus órgãos, o sangue jorrava da sua boca e  ia se esvaindo assim como a sua força.

                - Ana!! Ana!! – uma senhora tentava adentrar a arena mas fora impedida pelos guardas, ela estava em prantos e desesperada.

— Mãe... Des--- - mais uma tosse e sangue expelido – me desculpe!

         Ela já perdia a consciência, e a senhora que segurava um pano contra a boca, tossia intensamente entre um soluço e outro. Ela caíra de joelhos encarando a filha, observando melhor a mulher, pude ver... Ela estava doente, muito doente! Olhei em seguida para o prêmio erguido a nossa frente, o Pergaminho de Jade! Aquele pergaminho trazia consigo poderes incríveis, e um deles era o de cura... Flashs surgiam a minha mente, e o quebra cabeças foi montado. Era por causa de sua mãe que ela estava lutando, para conseguir salvá-la, mesmo sendo tão forte, o único motivo pelo qual ela estava disposta a morrer era para salvá-la!

         A multidão gritava pedindo para que eu terminasse de vez o serviço, meu pai olhava para mim orgulhoso ainda sob aquele olhar impetuoso,minha mãe não me encarava e meus irmãos me olhavam confusos. A mãe da minha oponente me olhava desesperada me implorando misericórdia. Minha cabeça estava sendo bombardeada, e o que fiz foi tomá-la em meus braços, minhas asas se ergueram levantando poeira daquele solo sujo de sangue, e alcei voo, levando comigo a minha sentença, tinha que admitir era a sentença mais linda que eu já havia visto.


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