Darkness Brought Me You escrita por moni


Capítulo 3
Capitulo 3


Notas iniciais do capítulo

Ola pessoas! Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/665232/chapter/3

Pov – Hannah

─Funcionária Hannah Steel, favor comparecer a gerencia. – A voz de Michelle ecoa pela loja toda no fim da tarde. Sorrio para o rapaz com uma caixa de anzóis na mão. Ele me olha, depois olha para meu crachá.

─É você? – Faço que sim com a cabeça um tanto ansiosa. Não sei por que estou sendo chamada na gerencia. Faz tempo que não me atraso e não me lembro de ter feito nada errado. – Pode ir. Eu me viro. Obrigado.

─Esse é o número 3 como pediu, os outros tamanhos estão aqui. – Aponto a prateleira.

─É isso mesmo. Não se preocupe. Vou dar mais uma volta e ver se preciso de mais alguma coisa.

─Certo. Obrigada. – Me apresso em direção a gerencia. Passo pelos corredores de funcionários subo as escadas e quando chego Michelle me olha ansiosa. – Ele quer falar comigo?

─Não. – Ela balança o aparelho de telefone. – É para você. Hospital. – Pego o aparelho com as mãos tremendo. Charlotte. Sei mesmo antes de atender. Quem mais seria? Somos apenas nós desde a morte do meu pai. – Obrigada Michelle. – Normalmente não podemos atender telefone. São só recados e mesmo assim muito raro. – Alô.

─Senhorita Hannah Steel?

─Eu mesma.

─meu nome é Anna. Enfermeira no hospital geral. É irmã de Charlotte Steel?

─Sim. Está tudo bem? Ela está aí?

─Sua irmã foi trazida a meia hora. Está em trabalho de parto e nos deu seu telefone.

─Estou indo. – Desligo e encaro Michelle. Ela balança a cabeça, todos acham que sou uma tola por viver as voltas com os problemas da minha irmã, mas ela é tudo que tenho.

─Vai. Eu digo a ele. – Fico aliviada, aceno correndo para o estacionamento. Pego o carro e dirijo ansiosa para o hospital. O médico tinha dito que seria difícil manter o bebê na barriga mais tempo. Charlotte não colabora. Apenas não achei que seria tão rápido. Quando entro na recepção e dou o nome de Charlotte a recepcionista verifica o computador. Meu coração batendo acelerado.

─Pode aguardar? Uma enfermeira vem falar com você.

─Obrigada. – Não sei se gosto disso. Charlotte é difícil, mas é minha irmã e eu a amo, assim como o amo o bebê que ela não teve coragem de matar de uma vez, mas foi fazendo isso aos poucos. Bebendo, se drogando, comendo mal e fumando feito uma chaminé quando não estava por perto.

─Senhorita Steel. – A enfermeira para ao meu lado, meus olhos arregalam. – Ela está prestes a dar a luz. Chegou aqui trazida por uma viatura policial, estava num bar e entrou em trabalho de parto. Ela está completamente bêbada. – Fico vermelha de vergonha. Como se todos achassem que de algum modo sou como ela. Isso é terrível. – Os médicos estão cuidando dela, não sabemos como vai ser esse parto nem em que condições esse bebê vai nascer. Sabe se ela fez pré-natal?

─Sim. Ela tem um médico. Doutor Curtis, ele acompanhou tudo, disse que o bebê não chegaria as trinta e seis semanas, por que ela não seguia suas ordens, mas eu não achei. Não sei como ela conseguiu dinheiro. Posso vê-la?

─Vem comigo. Ela não está em condições de conversar. Os médicos devem fazer uma cesariana.

Quando entro no quarto Charlotte está numa maca com soro na veia e o rosto pálido. Faço uma leve prece para o bebê aguentar firme e sobreviver a esse momento.

─Chegou maninha! – Ela sorri. – Está um dia lindo para trazer um filho ao mundo não acha? Dói como o inferno, imagina se eu pudesse sentir? – Ela ri. – Ainda bem que amanhã não vou lembrar. – Mais riso.

─Charlotte como conseguiu o dinheiro?

─Economias. No bolço da calça tem umas notas, compra... compra coisa de bebê e uma garrafa de uísque para eu poder comemorar. É minha filha chegando.

Seguro sua mão. Um médico entra. Olha para ela cheio de raiva. O doutor Curtis não gostava nada do modo como ela agia, mas por mim ele fazia o melhor que podia.

─Doutor o bebê corre risco? – Pergunto preocupada.

─Vamos descobrir. Ela vai fazer um ultrassom e depois vamos direto para o centro cirúrgico. Aguarde lá fora. – Meus olhos cruzam os de Charlotte.

─Boa sorte irmã. Por favor. Tenta ajudar ao menos uma vez.

─Meses com essa coisinha dentro de mim e diz que não estou ajudando. Brooklyn vai me amar muito por ter dado a ela essa chance.

─Tem glicose na veia, a bebedeira está passando. – O médico me avisa. – É bom. Quero que ela se lembre da dor.

Dois enfermeiros empurram a maca para fora da sala. Charlotte me acena, depois começa a conversar com o enfermeiro, o convida para sair e antes que eles sumam diz meia dúzia de palavrões quando acho que sente uma contração.

Ando de um lado para outro na sala de espera, três horas de espera sem conseguir ficar mais que dez minutos sentada. Até que uma nova enfermeira se aproxima.

─É a irmã de Charlotte?

─Sou eu. – Não consigo esconder a tensão, a enfermeira segura a minha mão com um leve sorriso.

─A garotinha nasceu. Está bem, é pequena, mas não apresenta nenhum problema até o momento. Sua irmã está ótima, se recuperando no quarto. Venha ver as duas.

─Obrigada. – Sigo a enfermeira.

─O doutor mandou deixar a criança no berçário. Parece que sua irmã não tem condições de cuidar dela. Está muito abatida. A menina não vai poder tomar leite materno, sua irmã usa drogas?

─Não sei muito bem o que, mas sim e bebe também.

─Vão receber as instruções quando deixarem a maternidade. – Chegamos ao grande vidro e ela me mostra uma garotinha enrolada em um cobertor verde. Meus olhos marejam no mesmo momento. Tão linda. – Venha. Vou deixar que pegue ela no colo.

Lavo as mãos e então ela me entrega a coisinha mais linda que o mundo já viu. A criança dorme um tanto enrugada e vermelha. Os cabelos castanhos perfumados, a boca delicada, não consigo desgrudar meus olhos.

─Oi meu amor. Sou a tia Hannah e vou amar muito você. – Beijo sua cabeça. Nem ligo para as lagrimas, só quero ficar ali com ela em meus braços para sempre.

O para sempre dura mais dez minutos e sou obrigada a devolver a pequena.

─Ela vai ficar aqui dois dias em observação, pode voltar mais tarde para vê-la.

─Obrigada. Posso ver minha irmã agora?

Charlotte dormia. Ali posso ficar o tempo que quiser. Então me sento a seu lado e espero. Quase uma hora depois ela abre os olhos. Parece confusa, me olha e depois avalia o ambiente.

─Achei que tinha sido um sonho. – Me conta tranquila. – Eu a vi. Tem os olhos do Merle. – Não posso saber, quando a vi dormia tranquila. – Azuis como o céu. Gritava furiosa, parecia o pai. – Charlotte sorri. – Você já foi vê-la?

─Sim. É linda.

─Estou com sono. No registro. Quero que seja Brooklyn Dixon.

─Charlotte...

─Minha filha. Minha decisão. – Ela determina. Suspiro sem escolha.

─No bolso da minha calça tem dinheiro.

─Já me disse, só não disse como conseguiu.

─Economizei. – É mentira. Ela teria bebido tudo. Não vou discutir isso. Talvez Merle tenha trazido. – Quando posso ir para casa?

─Dois dias eu acho.

─Vou me comportar Hannah. Não se preocupe.

─Conto com isso. – Nem sei como vou poder trabalhar com a cabeça em Charlotte sozinha com um bebê.

Passo o resto da noite sentada ao lado dela, vejo Brook antes de deixar o hospital para o trabalho, ela pode por o nome que quiser, mas não pode me obrigar a chamar a pequena assim.

Passo em casa para um banho, o dia todo penso nas duas e quando deixo o trabalho corro para vê-las. Charlotte tinha a filha nos braços quando entro no quarto.

Paro na porta e só de ver a cena tenho uma crise de choro. Charlotte sorria, acha divertido ver minha emoção.

─Para de chorar feito um bebê! – Ela me diz rindo. – Vem pegar ela um pouco.

Pego o bebê. Beijo sua cabeça mais uma vez. Seu rostinho agora mais corado, do nada ela abre os olhos, meu coração dispara quando pela primeira vez nos olhamos. É a coisa mais perfeita que o mundo já produziu.

─Brook. Você é linda meu amor.

─Como é chorona! – Charlotte brinca. – Ela não parece o pai?

─Não. Ela é linda! – Quem sabe pareça o tio. Tenho que admitir que Daryl Dixon é um homem muito bonito. – Oi bonequinha. Tudo bem? – Me sento com ela no colo. Não consigo parar de olhar para ela, de amar essa pequena que acaba de chegar e domina minha vida.

─Tenho um acordo. Tudo vai depender de você. – Encaro Charlotte. Respiro fundo, tomo folego para ouvir suas bobagens.

─Diga Charlotte.

─Nunca vou ser a mãe que espera que eu seja. Não consigo, não nasci para isso. – Meu coração se aperta. – Amo você minha irmã. Amo essa garotinha também. Não quero separar vocês, mesmo sabendo que não vou conseguir ser boa o bastante.

─Juro que nunca vou abandonar vocês. – Tenho medo dela querer colocar Brook para adoção.

─Eu sei disso. Brooklyn fica. Desde que aceite meu acordo.

─Que acordo Charlie? – Eu a chamo como gosta. Acho que só quero agrada-la e não perdeu meu bebê.

─Enquanto estiver no trabalho, todo tempo que eu tiver que ficar com ela, vou ser boa, cuidar direito, nada de bebida, drogas, nada do que quer que faça mal a ela, mas quando você chegar do trabalho, nos fins de semana, ela é sua e me deixa viver Hannah, para de me caçar por aí, de me perseguir e me criar problemas. Me deixa ser eu e vamos nos dar bem.

─Charlie...

─Qualquer outra coisa vai me sufocar, eu não vou conseguir e isso vai acabar muito mal, ou é assim ou nem mesmo levo Brooklyn para casa.

Uma dor corta meu coração. É tão pouco amor. Como pode olhar para essa coisinha linda e delicada e não se perder de amor? É tão perfeita. É como Deus se manifestando. Não posso argumentar, é sua filha. Tudo que posso fazer é tentar cumprir o acordo e criar essa pequena joia da melhor forma possível.

─Amo você anjinho. – Ergo meus olhos e encaro minha irmã. – Aceito o acordo.

Charlotte sorri. É tudo que ela quer, se recuperar o bastante para voltar a velha vida. Arrisco dizer que se pudesse voltaria para os braços de Merle.

Vamos para casa no dia seguinte. Trabalhar se torna uma tortura. Todo o tempo tenho medo, Charlotte precisa cumprir o acordo ao menos por uns meses, depois posso dar um jeito de deixar Brook em uma creche enquanto trabalho e ela pode viver como quiser.

As coisas se ajeitam. Assim que se recupera do parto Charlotte retoma a velha vida. O berço de Brook fica no meu quarto. Somos cada dia mais próximas. Não posso reclamar do afeto de Charlotte. Ela é uma ótima tia. Brinca com Brook, a faz rir, alimenta quando não estou, troca fraldas, mas está longe de ser uma mãe.

Quando sai é sempre o mesmo, volta bêbada. Sempre em algum carro, mais de uma vez dei de cara com um estranho saído do quarto ao lado e morro de medo de um dia acabarmos mortas por um maníaco. Quando ela sai eu me tranco no quarto com Brook e é assim que vivemos.

No primeiro ano ela cumpre o acordo a risca. Nenhum dia me atraso para o trabalho, nenhuma vez ela deixa de cuidar da filha sóbria e até feliz.

─Feliz aniversário Brook! – Beijo a garotinha que completa três anos. Os olhos azuis brilham quando ela assopra as velinhas.

─Brooklyn! Daqui a pouco vamos poder tomar um drink juntas. – Charlotte beija o rosto da filha com um copo de cerveja na mão. O último ano mudou tudo. Assim que Charlotte decidiu aceitar o emprego noturno de garçonete do bar do Stanley ela simplesmente se transformou. Está sempre bebendo, drogada, Brook teve que ir para uma escolhinha depois que por duas vezes ela simplesmente não voltou para casa e não tinha o que fazer com minha menininha.

─Quero bolo tia Hannah! – Brook não sabe pedir nada a mãe, nem sabe que Charlotte deveria ser a pessoa mais importante de sua vida. Elas tem se visto pouco nas ultimas conturbas semanas.

─Claro Brook.

─Filha seu nome é Brooklyn. Essa sua tia é uma chata. Não deixa ela te chamar assim.

─Mamãe a tia Hannah é linda! – Brook afasta os cabelos dourados e longos do rosto. Charlotte da uns passos para o lado e para trás tentando se equilibrar.

─Vocês duas se merecem. – Ela senta rindo. – A festa está linda, mas tenho que ri.

─Charlotte é aniversário dela!

─O acordo! Está lembrada? – Nunca poderia esquecer. Ela me joga na cara todos os dias. – Tchau filha. Amo você. – Ela beija o rosto da filha. ─Te amo. – Me diz antes de deixar nossa casa.

Talvez seja verdade. Talvez do jeito torto dela. Charlotte nos ame. Olho para o rostinho lindo e alegre de Brook, ela está lambuzada de bolo de chocolate e quando me olha sorri.

─Gostoso! – Ela declara me arrancando um sorriso. – Come tia.

─Vou comer. – Me sento a seu lado. Apenas nós duas como em seus outros dois aniversários. O pai jamais apareceu. Nem ele nem o irmão. Sou tudo que essa garotinha tem e essa certeza me assusta.

Sempre parece tanto para mim. Todos esses anos não consegui dar um passo para frente. Ainda tenho o mesmo emprego que mal paga nossas contas. Não terminei meus estudos, não saio de casa e tenho medo do futuro. Muito medo.

─Suco tia. – Ela aponta a jarra sobre a mesa. Eu sirvo um copo, o suco de morango deixa marcas na boca que ela limpa com as costas da mão. – Que delicía.

─Linda! – Aperto minha menininha. Ela ri quando ganha muitos beijos no pescoço. Rio de sua alegria. – Agora vamos arrumar essa bagunça e brincar?

─É. De boneca. – Eu afirmo recolhendo o pequeno bolo que eu mesma fiz e a jarra. Cinco minutos e tudo está em ordem. Depois me sento na sala para brincarmos com suas poucas bonecas. Logo Brook está sonolenta.

Dou banho nela falante, depois visto seu pijama. Ela nunca sente falta da mãe, não pergunta quando vai chegar ou onde está, está sempre bem comigo, já nas poucas vezes que fica com Charlotte me chama o tempo todo.

─Tia Hannah, me conta uma história?

─Claro! Que tal cinderela?

─Isso mesmo tia. – Logo seus olhos se fecham, nem chegamos ao encontro com o príncipe e ela já dormia. Aproveito para tomar banho, verificar as trancas da casa e ir para cama. Fecho a porta do quarto com chave. Odeio fazer isso, mas sabe Deus quem Charlotte vai trazer para sua cama.

Pov – Daryl

Brooklyn vai fazer quatro anos na próxima semana. Não a vejo tem seis meses. Da última vez que estive com ela foi numa praça. Charlotte quase nunca fica sozinha com ela em casa e não quer de jeito nenhum que a irmã me veja lá.

Merle nunca fez nenhum movimento para conhecer a menina, mesmo depois de eu contar que ela tem seus olhos. Nunca consigo juntar muito dinheiro, mas de vez em quando pego uns poucos dólares e levo para Charlotte. É sempre um risco, nem sempre o dinheiro chega as mãos da irmã ou se transforma em algo para a pequena.

A primeira vez que dei dinheiro a Charlie ela acabou adiantando o parto. Me senti tão culpado. Felizmente a pequena nasceu com saúde. Nunca a peguei no colo, não sei direito o que fazer quando chego perto. Acho que no fundo tenho mesmo é muita vergonha de como sou fraco e omisso.

Paro a moto de Merle na esquina da casa. Charlie me mandou um recado por Stanley, pediu que viesse. Foi a primeira coisa que ele me disse quando entrei no bar. Os meses que passei na estrada viajando me afastaram um pouco de tudo e todos.

Merle estava do outro lado da Geórgia quando foi preso. Quatro meses até conseguir forjar sua inocência. Fiquei esse tempo na cidade ao lado do presidio. Fui visita-lo algumas vezes. Ligava no bar para saber de Brooklyn, mas agora Charlie não trabalha mais lá.

Assisto o velho carro de Hannah deixar a casa. Ela fica cada dia mais bonita. Não falo com ela há anos, nem sei se ela me reconheceria. Talvez sim. Do jeito que detesta os Dixons pode ser que se lembre.

Bato na porta mais uma vez. Dessa vez tenho um bom dinheiro. Peguei tudo que tinha e mais algumas coisas de Merle. Vendi minha caminhonete e trouxe tudo. Deve dar para compensar os anos que Merle devia ter ajudado e não fez nada. Quatro mil dólares.

Escuto uma tosse forte, a porta se abre e Charlie está irreconhecível, ainda tossindo com um lenço na boca. Me faz sinal para entrar. Me assusta sua fraqueza. Eu a amparo até o sofá. Ela puxa o ar com força. Olho para o lenço sujo de sangue, as olheiras profundas. Sinto pena.

─Charlie! – Ela balança a mão como se quisesse dizer que tudo estava bem. Depois me aponta uma jarra com água e um como ao lado. Sirvo a ela. Depois de uns dois goles ela se acalma.

─Está tudo bem Brooklyn. – Só então vejo a pequena garotinha de olhos arregalados e cabelos claros olhando para a mãe. – Senta Daryl.

Obedeço sem entender bem o que está acontecendo. Brooklyn me olha. Não acho que se lembre muito de mim. Pego a sacola que Trago comigo, abro e entrego a ela a boneca de pano de cabelos amarelos.

─Feliz aniversário Brooklyn. – Ela pega a boneca. Nunca nos falamos muito, mas ela sempre fica me olhando com o rostinho atento. Gosto de ver seu interesse na boneca. Em toda minha vida nunca ninguém comemorou meu aniversário. Acho que ninguém nunca nem soube o dia. Nada de natal, férias, presentes. Ao invés disso pancada. Ofensas e muito xingamento foi como me criaram.

─Diz obrigada! – Charlie exige, ela me olha tímida.

─Obrigada. – Sorrio, ela sorri de volta. Toco seus cabelos. É tão linda. Tem um pouco do Merle, de mim, mas tem um pouco da mãe e da tia. As irmãs se parecem.

─Vai lá no seu quarto brincar com a boneca Brooklyn. Eu vou conversar. – A fala de Charlie é lenta e cortada pela respiração difícil. Quando a pequena tenta se afastar ela a segura. Puxa a menina para si e beija seu rosto. – Amo você garotinha.

─Também mamãe. – Ela a solta e a pequena corre para longe feliz por se livrar do estranho que a assusta.

─Estou morrendo. – Charlie diz com naturalidade. – É estranho dizer isso. – Ela puxa o ar com força. – Hannah acertou. Vivia me dizendo que eu acabaria morrendo levando a vida que levo. Levava. Agora minha vida é esse sofá. Não consigo respirar se me deito e passo o dia e a noite aqui.

Olho para ela pensando no que dizer. Engulo em seco. Ela tem os olhos marejados e acho que nunca a vi chorar, nunca vi Charlie triste.

─Eu sinto muito. Não tem nada que possa fazer? – Ela nega. Entrego o pacote de dinheiro. – Nem com esse dinheiro? É uma boa quantia.

─Não Daryl. Estou mesmo morrendo. Passei semanas no hospital, me liberaram por que tenho mais algumas semanas apenas. Meu organismo não responde ao tratamento.

─Fica aqui sozinha com a pequena?

─Só hoje. Foi difícil convencer Hannah a deixar, a vizinha prometeu ficar de olho. Queria que você a visse. – Uma lágrima escorre. – Fiz tudo errado Daryl, toda minha vida. Devia ter dito a Hannah o quanto tento me ajudar. Que foi bom para nós e não é como seu irmão, não fiz isso. – Ela tem outra crise de tosse. Me aproximo. Sem saber como ajudar. Ela toma mais água.

─Tudo bem. Já passou.

─Talvez seja a última vez que veja sua sobrinha. Acho que depois que eu me for Hannah vai deixar a cidade com ela como sempre quis e talvez seja o certo. Não fui boa irmã, não fui boa mãe e não fui legal com você.

─Charlie...

─Espera. Vou tentar falar com ela. Contar a verdade e preciso que me prometa que vai cuidar delas. Hannah é tão inocente. Tão delicada. Esse mundo é demais para ela. Minha irmã é um anjo.

─Eu sei.

─Gosta dela, eu sei. Fui tão egoísta que podia ter te ajudado, não tinha tempo. Meu tempo era só... Você sabe.

─Não Charlie eu nunca... – Fico sem saber o que dizer. Ela segura minha mão. Aquilo é estranho e meio confuso para mim. Pareço estar diante de outra pessoa.

─Eu amo o Merle. Todo esse tempo eu sempre senti. Odiei ele por isso, errei duas vezes mais pelo mesmo motivo, como se isso pudesse feri-lo. Tolice, não é? Seu irmão não se importa.

─Merle é muito raso para entender.

─Tenta mudar Daryl. Tenta dar um rumo a sua vida. Cuida das duas. Brooklyn é linda. Boa menina. Hannah está assustada. Não sei como vai ser quando eu for embora. – Ela começa a chorar. Tem mais dificuldade de respirar e me assusta.

─Calma. Vou ajudar. Eu prometo. Mesmo que a Hannah não queira eu vou ajudar.

─Isso. É isso que quero. Tenta fazer o Merle ver a filha? Traz ele aqui. Queria tanto vê-lo só uma última vez. Tem que ter alguma caridade naquele coração de pedra. Por favor Daryl.

─Vou busca-lo Charlie. – Prometo decidido a fazer isso. – Merle está em Thomasville.

─Tão longe assim? Isso é quase Florida.

─Eu sei. Ele se meteu numas encrencas por lá. Depois tentou se arrumar na cidade. Fez amigos. Sabe que tipo. Mas eu vou busca-lo. Viajei com a moto dele até aqui. Dois dias. Três no máximo e estou de volta com ele.

─Eu consigo. – Ela puxa o ar com toda força que tem. Os pulmões parecem não encher. – Quero tanto vê-lo. – Ela cobre o rosto com as mãos.

─Não chora mamãe. – A pequena surge na sala. Charlie. Fica mais nervosa, tenta se controlar e tem uma crise de choro e tosse, pede para Brooklyn sair para a pequena está nervosa. Fico de pé. Pego a garotinha tão leve no colo. É a primeira vez que chego tão perto. Ela não entende bem. Me olha confusa.

─Sua mãe está bem. Me mostra seus brinquedos? – Digo caminhando com ela para o quarto. Entramos num quarto arrumado com duas camas. Me sento em uma e ela mostra as bonecas. Ainda escuto a tosse de Charlie na sala. – Dorme aqui com a mamãe?

─Não. – Ela abraça a boneca que acabei de dar a ela. – Com a minha tia Hannah. Chama Lyn! – Ela diz me mostrando a boneca.

─Bonito nome. – Ela a abraça. Aperta a boneca de tecido. Foi a primeira vez que comprei um presente para alguém. Ela parece ter gostado. É bom de ver seu apego momentâneo.

─Fofinha. – Ela me faz sorrir. A tosse de Charlie se acalma e tudo que quero no momento é pegar a estrada e buscar Merle. Quem sabe eu o convenço?

─Tenho que ir Brooklyn. Seu nome é bem legal. – Ela ri, fica toda graciosa sorrindo com a boneca na mão.

Ela acena quando fico de pé. Dou um longo olhar para o quarto. Será esse o cheiro de Hannah? Olho para a garotinha ainda apertando a boneca com os cabelos dourados presos em uma longa trança. Deixo o quarto. Charlie está dobrando o lenço.

─Quanto mais cedo eu for mais rápido eu volto. – Aviso a ela que afirma. – Fica bem Charlie.

─Vai trazer ele? Quero ver o encontro de pai e filha.

─Vou. Vai ficar bem aqui sozinha?

─Sim. A vizinha já vai chegar. Obrigada Daryl. Por tudo. O dinheiro vai ajuda-las.

Deixo a casa depois de titubear um pouco, pego a estrada no começo da noite. Não tenho ideia de como convencer Merle a voltar comigo. Ele é teimoso, irascível.

Dirijo sem parar a noite toda. Só abasteço quando amanhece. Tomo café forte e continuo. Por que Merle não podia ter voltado comigo? Por que ele tem sempre que fazer do jeito dele?

Quando o encontro está caído no sofá da pensão. Passo a mão pelo cabelo sem saber o que fazer. Tem uma mulher em seus braços. Seminua dormindo como se fosse uma pedra.

Tomo banho, mudo de roupa e como um sanduiche no bar da frente. Depois volto e o casal ainda dormia. Não temos tempo. Disse três dias. Já gastei uma noite e quase um dia todo.

─Merle! – Eu o cutuco. Ele abre os olhos meio confuso. – Trouxe café.

─Ahm? O que faz aqui, que porra de café! Vai arrumar o que fazer.

─Acorda. – O cutuco mais uma vez. Ele me empurra. A garota se senta olhando de um para o outro.

─É meu irmão boneca. Ele é meio gay, não arruma mulher e fica me perturbando. Volta aqui. – Ele a puxa mais uma vez para seus braços. Ela resiste.

─Melhor eu ir.

Deixo o ambiente para ela poder se vestir. Nunca vou saber como meu irmão vive assim, tão cheio de revolta, preconceito. Ele é a única pessoa que tenho, mas tem muito do meu velho pai nele. Aquele ódio e desrespeito por tudo e todos.

Também vivo irritado, também não sou nenhum santo, meu humor é dos piores e não sei viver com pessoas, mas como também não sei viver sozinho aceito tudo que ele faz.

─Qual seu problema? Mandou a garota embora.

─Não mandei nada. – Ele pega o copo com café e toma uns goles.

─Não ia passar uns dias fora? Já voltou?

─Merle eu fui ver a Charlie. – Ele se afasta um pouco. Faz uma careta e se senta. – Ela está morrendo. – Sinto algo nele, apesar do silencio eu sinto qualquer mudança.

─E?

─Por favor. Ela quer vê-lo.

─Não.

─Merle ela vai morrer em breve. Morrer entende?

─todo mundo morre não é mesmo.

─Você vai Merle, nem que eu tenha que te arrastar você vai! – Meu tom o assusta um pouco. Ele me olha espantado. – Não pode negar seu último desejo. Vai comigo agora mesmo.

─Porra Daryl o que quer que eu diga a ela?

─Nada. Só faz isso. Por mim, não é um monstro, é meu irmão, eu prometi.

─Foi para isso que vendeu a caminhonete? Para dar dinheiro a ela?

─Vai comigo ou não? – Desvio o assunto.

─Amanhã. Não posso hoje, tenho um trabalho a fazer. Depois vamos. E vai dar um jeito de conseguir outro carro. Não levo macho na minha garupa.

─Tudo bem. Eu me viro. Vou de ônibus.

─É um merda mesmo! – Ele segue para o banheiro. – Trabalhou na fazenda do Chuck. Ele te deve uma grana. Pega a caminhonete dele como pagamento. Odeio como se comporta como uma ovelhinha as vezes.

─Faço isso. Só prometa que vai.

─Vou! – Ele diz e acredito. Não sei por que no fundo acho que ele quer fazer isso, mesmo que vá morrer sem admitir.

Chuck reluta em me dar a caminhonete. Mas depois de algumas boas ameaças ele me entrega. Era para ser uma conversa. Ele não soube dizer o que queria ouvir e tive que ir mais a fundo. Balanço a mão machucada pelos socos que dei. Não é roubo. Trabalhei para ele.

Viajamos os dois ele na moto e eu no carro, vejo Merle sempre na frente. Vou demorar mais do que o planejado. Merle atrasa o máximo que pode a viagem, sei que está tenso com a ideia de ver Charlie e a filha. Principalmente nessas circunstancias. Quando paramos na porta o carro de Hannah não está. Menos mal eu penso batendo na porta. Os três dias se tornaram cinco. Bato mais uma vez. Ando pela pequena varanda. Tudo está fechado e escuro.

─Oi! – Um homem aparece saído da casa ao lado.

─Procuro por Charlotte. – Merle diz a ele. O homem suspira e faz sinal para esperarmos. Depois uma senhora se aproxima. Nos olha um momento atenta.

─Sinto muito. Mas ela faleceu faz uns dias. – Meu coração se aperta com a notícia. Eu prometi que o traria. Ela nunca vai saber que eu consegui. Implorei. Fiz tudo que pude e ele veio.

─Brooklyn e Hannah? – Pergunto a mulher.

─Deixaram a cidade hoje bem cedo. O dia nem tinha clareado. Eu não sei dizer para onde. Não perguntei. Se mudaram.

Eu as perdi. Prometi a Charlie e simplesmente deu tudo errado. Perdi a pequena que prometi cuidar. Merle não chegou a tempo. Tudo errado, tudo sempre fora do meu alcance.

─Vem maninho. Vamos ver o Stanley. – Merle não está feliz, mas não sofre. Não demonstra ao menos. É só mais um dia para ele. Entro no carro. Talvez seja isso que preciso. Um bom gole do tipo que nos faz esquecer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

BEIJOSSSSSSS
No Próximo já vamos ter os primeiros sinais do apocalipse.