– Sejam bem vindos ao “Com um toque de Afrodite” patrocinado pelas barras de cereais orgânicos Deméter’s Healthy Snacks! Lembrem-se, saúde em primeiro lugar!

Sorri para a câmera número 5 e mordisquei um pedaço da barra de cereal que segurava. Engoli e sorri novamente, tentando não deixar transparecer o meu horror ao sentir aquele sabor que mais parecia terra adubada. Mais tarde colocaria na minha lista de afazeres: Exigir mais dracmas do patrocínio de Deméter, ESSAS BARRAS SÃO PÉSSIMAS!

– Meus amores – continuei – hoje estamos iniciando a primeira temporada do meu programa reformulado, agora com novos personagens, novo auditório, novo visual e uma nova Dite!

Ao fundo pude ouvir as palmas do gravador de Lucy. O auditório estava lindo, a arquibancada estava cheia de bancos brancos com almofadado rosa repleto de corações e no centro a minha cadeira giratória vermelha, em formato de coração, e ao meu lado um sofá que era uma gracinha, para as entrevistas com os meus convidados.

Agora, a animação do pessoal do auditório estava péssima, acabando com toda a beleza que irradiava do lugar. Como meu programa não estava lá essas coisas, poucos foram aqueles que pagaram ingresso e, pra encher o auditório, Hefesto mandou alguns de seus autômatos. Fiquei um pouco chateada, eu havia passado dias jogando charme para que Ares arcasse com a publicidade, espalhando outdoors por todo o Olimpo com a intenção de atrair pessoal! Ah, mas ele ia me pagar!

– E nesta temporada, iremos assistir aos casais semideuses! – pude ouvir uma exclamação de real interesse por parte da plateia – Bem, primeiramente, gostaria de avisar que o programa recebeu uma mensagem da deusa Atena, pode mostrar no telão, Lyanna!

Cara Afrodite,

Eu proíbo que você use a imagem da minha filha Annabeth na reestreia desse seu programa! Não aceitarei que uma de minhas crianças seja exposta em cenas românticas em rede olimpiana! Ainda mais com um filho daquele... POSEIDON!

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Atena

– Como podem ver amores, há um ligeiro carinho na letra da Ateninha ao escrever Poseidon, não é lindo? Eu ainda caso os dois e não, não vai ser nenhuma esposa que ele tem no mar que vá acabar com meu sonho. Divórcio serve pra quê? Enfim, a diretoria da TV Hefesto não me permitiu fazer um episódio Percabeth pra não contrariar a deusa então eu e minhas assistentes, Lucy e Lyanna, fizemos uma pesquisa de campo e encontramos um casal que precisava demais da minha ajuda! São eles: Travis Stoll, filho de Hermes, e Katie Gardner, filha de Deméter!

A carta de Atena desapareceu do telão e foi substituída por cenas do casal Tratie, brigando, trocando olhares quando ninguém estava por perto e afins. Logo, a minha voz soava ao fundo enquanto o chalé de Deméter disputava uma partida de vôlei com os campistas de Hermes.

– É hoje que eu vou juntá-los! Mas antes o aviso obrigatório: eu, Afrodite, me comprometo em apenas juntar casais que estejam propensos a sentir algo um pelo outro, não enraizarei as sementes da paixão por alguém específico em nenhuma pessoa, acredito que os pares já estejam predestinados, não farei ninguém se apaixonar por ninguém, apenas florescerei a afeição já existente, ouviram ativistas dos Direitos Amorosos? Não é culpa minha se vocês tem dedo podre e só se apaixonam por gente que não foi destinada a vocês, tem 7 bilhões de pessoas no mundo, é difícil fazer as almas gêmeas se encontrarem, seus apressados! Ao invés de esperarem pacientemente, ficam organizando protestos dizendo que eu não gosto de vocês e faço suas almas gêmeas gostarem de outras pessoas! Vão trabalhar!

– Já acabou, Afrodite? – gritou um sátiro da plateia. Eu lembro desse cara, ele faz parte da equipe dos Direitos Amorosos, é um brasileiro.

– Já, mas sabem quem não acabou? Você! Acho que ainda tem milhares de semideuses no Brasil te esperando para ir buscá-los, não acha? – ouviu-se um coro de “Uuuuuuuiiiii” antes que Lyanna retomasse a continuação do vídeo.

– Continuando, ali estão Katie e Travis. Observem como ele olha pra ela! É tão lindo! Katie vai sacar a bola agora, mas e se a bola tacasse a cabeça de Travis? Claro, vou fazer com que a bola taque bem leve e colocá-lo em uma espécie de desmaio. Ela com certeza se sentirá culpada e irá acompanhá-lo na enfermaria até que acorde. Vejam! – com um balançar de dedos, a bola que Katie acabara de sacar atingiu a cabeça do filho de Hermes. Os campistas se assustaram e dois de seus irmãos o carregaram em direção à enfermaria, enquanto a garota ia mais atrás, depois de ter conversado com uma de suas irmãs.

Disfarçadamente, fiz o mesmo percurso e parei no batente da janela mais próxima à cama onde os dois meninos puseram o Stoll. Esperei um filho de Apolo dar um pouco de néctar ao garoto desacordado.

– Seria melhor se esses três garotos saíssem de cena, não concordam? – mexi os dedos e logo cada um dos rapazes inventou uma desculpa para deixar Katie e Travis a sós.

– A gente precisa voltar ao chalé de Hermes, não é Tyler?

– Verdade Phil, ei, daqui a pouco tem ensaio do coral do chalé de Apolo, né? Você não vai, Michael?

–Já ia esquecendo, Katie, você pode ficar aqui com o Travis?

Era hora de dar um empurrãozinho, assoprei em Katie o sopro da coragem, ele faria com que ela dissesse o que sentia, mas como Katie era um pouco tímida, talvez o efeito surtisse pouco nela. Torceria para que desse certo.

– Hey, loirinho. Desculpa pela bolada, não era minha intenção, ok? Eu espero que você acorde logo, tá? Embora eu esteja amando ver como você fica dormindo, parecendo um anjo, eu prefiro a sua versão cômica e ativa, com aquele charme de malandro pelo qual eu me apaixonei. Nossa, sabe que eu nunca falei isso em voz alta? Que eu sou apaixonada por você? Nem mesmo pra Miranda. É que você sempre joga cantadas pra todas as meninas do acampamento e eu me sinto um pouco estúpida de ter caído na sua... mas a gente não escolhe de quem gosta, não é? Por exemplo, meu pai quando conheceu Deméter vendia agrotóxicos, até que ele mudou por ela e agora é dono de uma pequena empresa de adubo natural e eu estou falando demais e sem filtrar o que eu digo. Eu só... fica bem. E desculpa mais uma vez, Travis.

Travis acordou no momento certo, meu poder só fez com que aparentasse que ele havia desmaiado, mas a verdade é que ele escutou toda a declaração tímida que Katie deixou escapar sob minha influência. Acontece que não foi preciso nenhum movimento meu para que ele a surpreendesse com um beijo, que relutantemente foi correspondido.

– Travis só precisava que Katie desse o braço a torcer. Katie só precisava de um pouco de coragem. E eu? Eu só precisava unir os dois! Agora vamos, produção.

As luzes do auditório se acenderam e no placo entraram Katie e Travis.

– Bem vindos, amores! Como estão?

– Surpresos! – respondeu Travis – Não imaginávamos que o nosso acerto tivesse um dedo pessoal da deusa do amor! Afrodite rocks!

– Ai que amorzinho! Sentem-se, queridos! Então, me conta Katie. Qual o status de vocês?

– Bem, eu não sei.

– Como não? Fale mais sobre isso, Travis – pedi.

– Achei que fôssemos namorados, Katie! Eu me declarei pra você, pedi desculpas por ter tido a terrível ideia de cantar todas as garotas pra te fazer ciúmes... pensei que estivéssemos bem – disse ele com olhinhos de cão abandonado. Parecia um elfo abandonado, na verdade.

– Katie? – arqueei as sobrancelhas para a jovem.

– Dite, você não acha que pra duas pessoas serem namoradas não deveria haver um pedido oficial?

– Estou chocada. É isso mesmo, Travis? Você não pediu a Katie em namoro ainda?

– Erh...

– Pede, pede, pede, pede! – urrava a plateia. Era um pouco bizarro isso, pois grande parte do som eram guinchos metálicos dos autômatos de Hefesto, mas o que importa é a intenção, não é mesmo?

– Ok, ok – Travis se levantou do sofá e se ajoelhou na frente da filha de Deméter – Katie Gardner, a garota que no meu primeiro dia de acampamento me deu uma rasteira e me fez ficar deitado no chão encarando seus lindos olhos apaixonantes, a mulher que sempre dá aquele sorrisinho de canto quando eu conto alguma piada, sorriso esse que brilha mais que o chalé de Apolo, a menina que em cada gesto me fazia ficar mais apaixonado por ela, até quando tacava as enchilladas do Grover na minha cara quando acontecia guerra de comida na hora do jantar, Katie, a flor mais linda que Deméter poderia ter criado, você quer ser minha namorada?

– Nossa, depois dessa até eu que nem sou filho da Demi fiquei emocionado – falou Carlos, o sátiro brasileiro, do meio da plateia.

– Cala a boca, Carlos! Eu quero ouvir a Katie! – gritou Lucy de algum canto dos bastidores.

– A minha resposta é – começou Katie, tímida com tanta atenção – com certeza! Agora me beija seu idiota!

Os dois deram um beijo apaixonado no meio do meu auditório, envoltos por uma salva de palmas. Pro primeiro episódio, estava ótimo. Com certeza eu conseguiria manter o programa por mais uma semana, pedindo demais, apostaria até num patrocínio melhor que o que a Deméter oferecia.

Mais que isso, eu estava contente de verdade com meu trabalho, pois antes que as cortinas fechassem, presenciei uma troca de olhares dos pombinhos que representava toda a minha existência: o amor.

Eu posso até ser a deusa do amor, mas será que eu saberia dizer com certeza se algum homem já me olhou assim algum dia? Não tomado pelo meu charme, mas pelo sentimento mais profundo e verdadeiro que poderíamos sentir.

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Querida Afrodite,

Seu programa foi renovado por mais uma semana. Meus parabéns, você conseguiu um aumento de cinco pontos, mais que o esperado. Ares apareceu em meu escritório e disse estar atrasado, mas que gostaria de arcar com a publicidade do seu show de auditório então pelo visto, é provável que reprisemos ao menos esse episódio para chamar atenção dos que não viram na estreia. Quando chegar da oficina podemos tomar uma garrafa de cachaça pra comemorar, eu realmente torço pelo seu sucesso, Dite.

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Com carinho,

Hefesto.

Cachaça. Era isso o que eu merecia? Mesmo após éons, Hefesto não fazia ideia de como agradar uma mulher! Não acredito que Zeus me obrigou a casar com ele! Mas tinha que admitir, ele tentou e sei que estava fazendo o possível pra driblar os acionistas e dar a chance do meu programa continuar na grade televisiva.

E no fim das contas, eu sobrevivi à barra de cereal da Deméter, poderia sobreviver à uma dose de cachaça.