Something like love 2.0 escrita por Boca de Netuno


Capítulo 4
capítulo três.




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   Quando o dia seguinte chegou, eu descobri que queria muito falar com o Patrick novamente. Minha única dúvida era se ele responderia, nós estando em sala de aula e tudo o mais. Entrei em sala com medo de parecer boba caso dissesse alguma coisa. Sentei em meu devido lugar, na quarta carteira da segunda fila. Ele já estava lá. Patrick sempre chegava cedo e se ocupava escrevendo em um de seus cadernos, lendo livros, ou até mesmo dormindo deitado na carteira, seu rosto escondido pelos braços cruzados.

 

   A sala ainda estava praticamente vazia, faltavam alguns minutos para o sinal soar. Larguei a mochila no chão sem fazer muito barulho e apoiei o queixo na mesa azul e fria, suspirando longamente e fechando os olhos, lamentando não ter dormido direito de novo. Não que fosse inteiramente minha culpa! Quer dizer, eu fui deitar num horário razoável; mas minha mente insistia em se manter alerta, passando por músicas, trechos perdidos de matéria, e um certo par de olhos azuis.

 

   Ouvi meu nome sendo chamado baixinho, numa voz confortante e suave. Era ele, só poderia ser, já que ninguém me chamava pelo meu nome inteiro a não ser que algo estivesse errado. Ou quando estavam furiosos comigo. Virei a cabeça, ainda deitada na carteira, e abri os olhos. “Me chame de Lilly. Lillian sempre me dá uma má impressão.” franzi um pouco o cenho, esperando que o desconforto ficasse claro.

 

   Patrick se portava meio rigidamente. Parecia não querer falar mais do que o necessário, e deixei que o fizesse. “Er, o livro.” ele estendeu uma edição antiga do livro ‘X’, um com uma capa vermelha e alaranjada. Ele estava impecavelmente preservado, quase me senti mal de tomar tamanha preciosidade assim. Me endireitei na carteira e tomei o livro de suas mãos, o virando com cuidade para examinar o verso.

 

   Tornando a olhar para ele, sorri e lhe agradeci. Patrick corou, suas bochechas e orelhas tomando um tom rosa, e ele olhou para os lados rapidamente, para depois fixar sua visão na porta, do mesmo jeito que eu o encontrara. Era possível e bem provável que essa seria a única vez no dia que eu ouviria sua voz. As outras cinco pessoas que se encontravam na sala nem prestaram atenção em nossa conversa de cinco segundos, e continuaram a papear entre si. Pensei comigo mesma que minha invisibilidade no Ensino Médio não fosse um terrível preço a pagar, se isso significasse que eu poderia conhecer Patrick mais a fundo. Algo em mim pedia que eu me aproximasse mais, que valeria a pena eu me expor dessa maneira. Guardei o livro na mochila, determinada a começar a ler naquele mesmo dia, talvez até mesmo durante a aula de Química.

 

   Naquele momento, Seth entrou em sala e veio diretamente me cumprimentar. Sentando na outra carteira ao meu lado, olhou de relance para Patrick, e depois para mim, mas não disse nada. Num momento de pânico, avisei que logo voltaria, dando a desculpa de que iria na sala ao lado falar com as meninas. Por falta de disciplina (leia-se conversas e bilhetes passados), a coordenadora resolveu separar o nosso trio ternura, o que colocava Ashley na sala um, Katie na dois, e eu, por alguma sorte do destino, na sala três. Já que Seth estudava na mesma sala que eu, ele concordava em ceder de vez em quando a minha companhia para elas durante os intervalos. Os três não se conversavam muito entre eles.

 

   Apesar de não tê-las visto ainda pela manhã, nem cheguei a entrar na sala dois, andando direto até o bebedouro, usando do tempo para focar no que eu contaria ao Seth quando ele começasse a me passar papéis cheios de perguntas durante as aulas. Eu não sabia até onde eu queria contar. Eu também não sabia até onde ele sabia. Afinal, ele sabia de quase tudo o que se passava na minha cabeça. Voltei a tempo de sentar antes que a professora de Português entrasse em sala. Era uma das aulas em que Seth geralmente dormia, por causa da completa desatenção da mulher no tablado, mas ele devia estar determinado, pois em menos de cinco minutos, vi um pequeno papel dobrado fazer um arco e cair graciosamente em minha carteira. O rabisco que era a caligrafia de Seth me perguntava se eu estava interessada no outro garoto ao meu lado. Ponderei dizer que não, mandar qualquer resposta que eu apenas o achava interessante, que nossa conversa na biblioteca não era nada e ficar por isso, mas eu sabia que ele não cairia na minha lábia. Melhor não mentir. Desenhei um “¯_(ツ)_/¯” muito torto no bilhete e joguei de volta na carteira ao meu lado. Seth abriu o papel e o o fechou, silenciosamente guardando em seu bolso e desistindo do assunto.

 

   O segundo bilhete que caiu em minha mesa não tinha nada a ver com a pergunta original, então acabamos voltando na mesma conversa que sempre levávamos, tirando sarro de professores e contando piadinhas sem graça. Senti meu rosto esquentar quando percebi que Patrick olhava de soslaio para mim toda vez que eu tentava abafar o riso. Mais ainda quando percebi que seu olhar não era um de reprovação, mas sim um que eu tomei como se fosse de curiosidade, como se ele quisesse fazer parte da brincadeira. Olhando para baixo, sorri, pensando em quão boba eu era por levar um simples olhar tão a sério.

 

*

 

   Depois da minha resposta vaga, eu sabia que Seth não me deixaria em paz. Dito e feito, ele avisou às meninas que ele tinha um assunto urgente a tratar comigo, e que portanto, ele tomaria o meu tempo do intervalo com elas. Ele se absteve de perguntas, mas não deixou de observar cada movimento e respiração minha, quase mordendo a língua toda vez que eu olhava de relance para o banco encostado no muro do outro lado do pátio. Minha paz durou três minutos, enquanto Seth ia ao banheiro, e antes que eu pudesse me policiar, meu olhar estava de volta no garoto solitário, que monitorava o pátio de tempos em tempos, sempre tornando a fitar a lata de refrigerante em sua mão. Na terceira vez em que ele fez isso, seu olhar caiu em mim. Imediatamente senti minha pele toda pinicar e esqueci qual era a sensação de respirar, abrindo minha boca involuntariamente. Ele apenas sorriu de lado e desviou o olhar, escondendo novamente o rosto.

 

   Como bem esperado, Seth se materializou ao meu lado, me dando um tapa nas costas, e contemplando a mesma vista que eu. Ar foi forçado para dentro dos meus pulmões, me doendo a porção de trás das costelas. “Okay. Eu sei o que está acontecendo.” ele disse, abrindo o plástico de um pirulito. Não era uma pergunta, nem um desafio. Pude apenas suspirar. Seth me olhou pelo canto dos olhos, tentando ao máximo conter um sorriso. Ficamos parados ali por alguns minutos, em completo silêncio. Percebi como as pessoas passavam por nós como se não estivéssemos ali, como se fôssemos dois postes fora do lugar. Às vezes, eu pensei comigo mesma, seria bom ser notada. Não por errar uma questão fácil de cálculo, não por estar com o rosto marcado de ter dormido em cima dos livros. Ser notada por mim, por quem eu sou. Olhei de novo para Seth, que provavelmente poderia imaginar o que eu estava pensando, mesmo quando eu não era vocal sobre o assunto. Mas ele não disse nada, e eu não disse nada, então ele apenas colocou o braço em volta dos meus ombros, me guiando de volta para a sala antes que o sinal batesse.


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Notas finais do capítulo

*


hmmm, eu fui reler esse capítulo só hoje, e eu percebi que tinham partes que eu não gostava. como, por exemplo, a Lilly se escondendo do Seth quando ele era a pessoa que ela mais confiava. e também o meu outing desnecessário do Seth nesse momento da história.
confesso que eu era das meninas que queria um amigo gay na minha adolescência, e isso foi fracamente refletido numa fanfic. mas tudo bem, as pessoas evoluem.
(mas eu gosto de como o Seth era na minha mente. vamos ver se eu consigo elaborar melhor essa personagem no papel)



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