Lances da vida escrita por Jana


Capítulo 7
Quando a vida muda o jogo




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SOLUÇO

O diretor está de pé ao lado da minha mesa, a mesa foi colocada no escritório do cara para que eu tivesse meus temíveis exames finais.

Eu nunca deveria ter voltado para a escola, eu estudei no DOC como parte do programa.

As provas não eram o problema, mas sim o jeito com que ele me olhava. Parecia que nunca tinha visto um ex detento na vida. Essa atenção desnecessária está me deixando louco.

Por mim não faria nada disso, mas estou me esforçando para não estragar tudo. Dei meu melhor. Finalmente estou pronto para o próximo exame.

–Vá almoçar, Strondus. Ordena Millor depois de recolher o teste.

Almoço? Com metade do corpo estudantil no refeitório? Nem pensar, cara.

– Não estou com fome.

– Você tem que comer. Alimentar esse cérebro.

O que ele quis dizer com isso? Deixa de ser paranoico. Esse é um efeito colateral de ter ficado preso, você analisa tudo que te dizem como se estivessem jogando com você.

Fico em pé diante da porta, há centenas de alunos querendo ver o cara que foi preso. Coço a nuca.

– Vá em frente. Incentiva Millor. – você ainda tem mais três provas, ande logo e retorne em vinte e cinco minutos.

Já no corredor sigo até o refeitório ignorando os olhares. Café, preciso de um café bem forte para acalmar meus nervos e me manter acordado a tarde toda. Lembro que não tem café disponível para os alunos.

Olhando pelo local, localizo minha irmã sozinha. Ela costumava sentar com Asty e as outras meninas e ficava flertando com meus amigos.

Isso era o lado ruim de ter um gêmeo do sexo oposto. Era um saco quando ela tinha paixonites pelos meus amigos e ficava nos incomodando quando eles iam na nossa casa.

Ela ficava retocando a maquiagem e agindo toda risonha e paqueradora. Ainda tremo quando penso nisso. O pior foi quando percebi que a maré mudou de lado e que meus amigos, na verdade, queriam se meter nas calças de minha irmã. Passei o verão ameaçando cortar as bolas de meus amigos.

Agora a situação é bem diferente, ninguém agora chega nem perto dela.

– Oi, maninha. Sento em sua frente.

– Soube das provas.

– Meu cérebro já está frito e ainda tenho mais três provas.

– Você acha que passou?

– Não sei.

– Há rumores de que Hilder fez uma prova de estudos sociais para não passar.

– Sério?

– Sim, e se você não passar?

Enquanto ignoro sua pergunta, vejo Kendra entrar no refeitório. Não sei como estamos e ainda não estou pronto para enfrenta-la. Então saio rápido dali.

Passo pelo ginásio e olho os tapetes de luta livre e lembro de como Kendra me animava quando tinha uma competição. Certa vez encarei um grandalhão, nunca vou esquecer seu nome... Dagur

Eu não me intimidei, se bem que deveria. Ele era o campeão estadual do ano passado. Mas eu ganhei a luta. Ele me disse duas palavras depois do combate. Mais tarde.

Fui preso uma semana depois.

– Você está de volta. O treinador Hanzel está parado na porta do ginásio me olhando.

– Isso é o que me disseram. Enfio as mãos nos bolsos de meu jeans.

– Vai lutar para mim nessa temporada?

– Não.

– Minha equipe poderia usar um bom 1,65.

– Sou 1,85 agora.

– Tem certeza que não quer entrar?

– Tenho trabalho

Vejo que já está na hora de voltar.

– Tenho que voltar para o escritório do Millor.

– Se mudar de ideia sabe onde me encontrar.

– Ok. Sigo pelo corredor.

Chego no escritório e logo o diretor coloca a próxima prova na minha frente. Droga, esqueci de comer. E agora as palavras perecem borrões na minha frente. Prossigo e começo a fazer as provas.

Depois de duas horas finalmente termino.

Meu cérebro está tão cansado que eu não aguento mover um musculo da minha face. Corro dali assim que sou dispensado.

Eu precisava pegar um ônibus para a loja de ferragens que passa a uma quadra da escola às três e vinte e nove.

Meu relógio está marcando três e vinte e sete.

Ótimo, tenho dois minutos para alcançar o ônibus, senão o Bocão saberá que me atrasei.

Assim que vejo o ônibus chegar, Logan aparece na minha frente me impedindo.

– Soluço, meu amigo, tenho te procurado por toda a parte.

Logan e eu fomos melhores amigos desde o jardim de infância.

Faz um ano que não nos falamos. Eu pedi para ele não me visitar na cadeia, então eu não sei se somos amigos ainda. Mas agora não é o melhor momento para saber disso. Serviço comunitário é uma droga, mas minha liberdade depende dele.

–E ai, Logan, o que manda?

– Você sabe, tudo... e nada. E você?

– Há, já sabe. Me acostumando a dormir sem barras no meu quarto.

Houve uma pausa onde parecia que Logan não sabia o que dizer. E finalmente ele fala

– É uma piada, certo?

– Certo. Na verdade não.

Logan riu, mas parecia que tinha algo a mais. Nervosismo? Esse cara me conhece melhor que minha mãe.

Estreito os olhos para aquele que havia sido meu confidente desde o jardim de infância.

– Estamos bem? Perguntei

– Sim, estamos. Senti uma leve e quase imperceptível vacilação.

– Tenho que ir. Digo.

– Quer uma carona? Meu pai comprou um carro novo para mim.

Nessa hora me conformaria até com um carro velho, mas aprendi na prisão a não confiar em ninguém.

–Não, obrigado.

– Olha, cara. Me desculpa não te escrever, mas é que aconteceram tantas coisas doidas e como você pediu para não te visitar...

– Cara, calma. Já passou.

– Logan se mexeu. – Eu ainda gostaria de falar sobre isso.

– Eu já disse que acabou. E eu preciso mesmo ir, ok?

A última coisa que preciso agora é meu amigo agindo mais estranho que minha mãe. Já tenho muito o que me preocupar no momento, principalmente como vai ser a reação de Bocão quando souber que me atrasei no meu primeiro dia de serviço comunitário.

ASTRID

Cheguei da escola esperando finalmente receber o pacote do intercâmbio e no lugar de um pacote recebo uma carta.

Abro o envelope ansiosa pelo que contém , esse é meu passe para a liberdade. Tudo que eu quero é sumir de Berk e ir para bem longe de Soluço.

Para: Srta. Astrid Hofferson

De: Programa internacional de intercâmbio estudantil

Estimada srta. Hofferson

Chegou ao conhecimento de nosso comitê do IES que a bolsa de estudos para a qual você originalmente requereu, foi uma bolsa esportiva. Desde que seus arquivos indicam que você não foi selecionada na escola para a equipe de atletismo durante os últimos doze meses, lamento informar que sua bolsa foi revogada.

Estamos sob os parâmetros legais de distribuir bolsas esportivas exclusivas aos atletas atuais na escola.

No entanto, você ainda está convidada a participar do programado IES, desde que possa providenciar seu próprio transporte, e pague o custo da mensalidade , na qual inclui deconto de alojamento e alimentação no campus da universidade de Toronto. O custo da matricula durante um semestre de ensino no programa do IES é de $4,625.

Por favor, efetue o pagamento no dia 15 de Dezembro no escritório do IES a fim de reservar seu lugar no programa.

Se tiver alguma dúvida, pode entrar em contato comigo.

Atenciosamente

Milla Flames

Presidente do Programa Internacional de Intercâmbio Estudantil.

Universidade de Toronto, Canadá.

Meu mundo caiu, minha mãe precisou fazer horas extras só para comprar um conjunto de marca que custou cerca de uns cem dólares, não há a menor chance de arcar com uma despesa de mais de quatro mil.

Mais tarde, quando ela chega, estendo a carta para ela ler.

– Calma, vamos dar um jeito.

– Mãe, encara a realidade. Não temos esse dinheiro todo.

– Deixa comigo, se eu fizer mais horas extras, trabalhar no natal. Ela começa a escrever no papel algumas contas.

– Mãe, por favor. É inútil.

– O quê filha?

– Pare de escrever, pare de procurar dinheiro onde... só pare.

Já é suficiente ruim essa situação para ainda ver minha mãe se matando para me fazer feliz. Tenho que lidar com isso, pois é meu problema, não dela.

O telefone toca. É o senhor Reymond dizendo que minha mãe esqueceu seu contracheque no trabalho. Agora ela tem que voltar lá.

– Vem comigo.

– Não quero.

– A vai, Hina está assando umas tortas nesse momento, vamos.

Chegamos e o local estava lotado, senhor Reymond está nervoso com o movimento.

Há cerca de trinta homens famintos e só um garçom trabalhando.

– Se precisar de ajuda tenho certeza que Asty não se incomodaria de esperar um pouco. Minha mãe sugere.

– Sério? Isso seria ótimo. Sr. Reymond fala com alivio.

– Sem problema.

Enquanto minha mãe assume o trabalho, sento em uma cabine e puxo um livro e fico olhando pensativamente. Se fossemos ricos como os pais da Kendra, eu poderia ir ao Canadá. Se fossemos tão ricos como os pais de Soluço, não teríamos problema de arcar com as despesas da viagem.

Nessas horas eu desejaria que meus pais não tivessem se divorciado. Ignoraria as brigas e discussões. Minha mãe disse que eles se distanciaram porque meu pai passava a semana inteira viajando a trabalho e nos finais de semana queria descansar e minha mãe queria sair. Depois de um tempo ele começou a não voltar nos finais de semana e ela foi deixando de se importar. Sinto falta do meu pai, mas ele nunca me chama para ir visita-lo e tenho medo de descobrir que ele não me quer na vida nova que ele construiu com a nova esposa.

Enquanto espero minha mãe, Hina sai da cozinha com uma torta para mim.

Observo o movimento da lanchonete e vejo entrar uma senhora muito distinta. Senhor Reymond a cumprimenta com um beijo no rosto.

– Mamãe, por que não me avisou que viria, e cadê a Judy?

– A demiti ontem. Ela era um porre. Além do mais eu não preciso de ajudante, eu cheguei aqui sozinha, não foi?

Senhor Reymond parecia preocupado. – A senhora faz isso só para me irritar.

Continuo comendo minha torta, tentando disfarçar que estava prestando atenção na conversa alheia. Até que senhor Reymond se aproxima.

– Asty, essa é minha mãe.

– Mãe, essa é a filha da Vivian, Astrid. Mas todos a chamam de Asty.

– Prazer senhora Reymond, estendo a mão para cumprimenta-la.

–Não sabia que Vivian tinha uma filha. Quantos anos você tem, Astrid?

– Dezessete.

– Ela acaba de começar o último ano do ensino médio, mãe. E em janeiro vai para o Canadá, fazer intercâmbio. Sente-se aqui que ela te contará tudo sobre a viagem, enquanto vou na cozinha pedir para Hina fazer algo para a senhora.

– Diga a ela que quero essa mesma torta que a mocinha está comendo, parece deliciosa.

A senhora começa a me olhar, como se me estudasse.

– Parece preocupada com algo? Gostaria de falar? Ela me diz.

– Não quero falar disso.

– Entendo, talvez seja melhor guardar para si do que desabafar com alguém que não tem outra coisa a fazer.

–Eles revogaram minha bolsa. Deixo escapar.

– Por que fariam uma coisa dessa. Ela diz num tom meio irritado

– Era uma bolsa esportiva, e como eu não estou mais na equipe eles revogaram. Eu posso até ir, mas terei que pagar a mensalidade e não temos como.

Ela dá um longo suspiro e diz. – Bem, querida. Talvez a sua sorte possa mudar.

Claro. Com um pouco de pó mágico e uma fada madrinha. Como se eu estivesse esperando que algumas dessas coisas fossem acontecer.


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