Lances da vida escrita por Jana


Capítulo 3
Angustias




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SOLUÇO

Se não bastasse ter meu pai me encarando o caminho inteiro até em casa, minha mãe não para de retorcer as mãos de nervoso desde que fui absolvido pelo DOC essa tarde. Ela não me encarou uma vez sequer.

O que eu poderia dizer? Não fique nervosa mãe. Sim, tenho certeza que isso dará certo.

Seu filho é um criminoso condenado.

Eu só queria que ela parasse de me lembrar toda hora disso.

Ok, isso leva um tempo. Ela nunca foi uma mãe coruja comigo mesmo.

Chegamos em frente a nossa casa, ao sair do carro, respiro fundo.

Finalmente em casa.

Estranhamente, não se parece com um lar.

– Eu, bem... estarei no meu quarto. Falo como se pedisse permissão. Por quê? Não tenho ideia. É meu quarto, costumava ser meu quarto. Então por que estou agindo como se esse lugar fosse apenas um pit stop?

Subo as escadas e uma sensação claustrofóbica me domina e começo a suar. Continuo a subir e examino o corredor, me detendo em algo negro apoiado na porta do quarto de minha irmã.

Espera.

O vulto negro é minha irmã gêmea Luane. É a própria e está usando nada mais do que preto. Até as unhas estão pintadas de preto. Gótica até a medula. Um arrepio percorre minha espinha. Como pode essa ser a minha irmã.

Antes que eu recupere o folego, Luane se joga nos meus braços.

Mesmo quando o juiz me olhou com desgosto e anunciou minha sentença, não soltei um pio. Quando me fizeram tirar toda a roupa e fizeram uma busca completa em minha cavidade, me senti humilhado além da conta. Quando Dino Valdez, membro de uma gangue, me encurralou na hora do exercício no meu segundo dia no DOC, eu quase me borrei. Mas nunca em nenhum momento eu chorei.

Acaricio o cabelo de minha irmã, sem saber o que fazer. Eu quase nunca tive contato físico durante o ano passado, e eu o ansiei quando sentei na minha cela por trezentos dias e noites. Mas agora que estou recebendo de minha própria irmã, tenho a sensação como se tivesse paredes se fechando em volta de mim. Dou um jeito de me desvencilhar dela com a desculpa de que preciso descansar.

Olho meu quarto, um perfeito quarto de menino, me atento a foto de Kendra em seu uniforme de líder de torcida em minha cabeceira, como se ainda fossemos um casal.

Cortei todo tipo de relação com ela quando fui detido. Kendra foi acostumada a ser mimada e teria nojo do ambiente onde eu vivia naquele lugar. Fico imaginando ela esnobando a namorada de Dino Valdez durante as horas semanais de visita. A última coisa que eu precisava no DOC era outro detento chutando meu traseiro porque tenho uma namorada que veste roupas de grife.

O dia de visita consistia em minha mãe esfregando as mãos nervosamente e me olhando como se eu fosse outro garoto e meu pai divagando sobre clima só para preencher o tempo.

Vou ao closet e observo as roupas novas que minha mãe comprou. O que houve com minhas camisetas e jeans? Só tem camisas xadrez de abotoar e calças de pregas.

Eu pego uma e coloco na minha frente, elas eram muito pequenas. Quando devo avisá-la que não sou mais aquele menino magricela que vivia aqui? Eu trabalhei todos os dias durante o ano passado para me defender de caras como Valdez. Os músculos não só pesam, também mudam toda a estrutura de seu corpo.

Vou à janela e avisto a casa dos Hofferson, minha janela dá para o quarto de Asty.

Astrid Hofferson, a garota pelo que fui preso por aleijar.

Sei que é injusto, mas é difícil não querer culpa-la. Se não fosse por ela eu não teria estado preso. Eu pensei em Asty e nos acontecimentos que levaram ao acidente mais vezes do que quero admitir.

Ouço batidas na porta. – Soluço, está ai? Abro a porta e faço sinal para que entre.

– Bem, sua mãe chamou algumas amigas para uma festa de boas vindas ao lar.

Sinto um incomodo e me estremeço. Uma festa de boas vindas para um cara que acabou de sair do xadrez é inacreditável.

–Cancele. Eu digo.

As veias em seu pescoço tencionam e começam a tomar uma coloração roxa. – Escuta, é o que sua mãe quer. Ela passou por muita coisa enquanto você esteve na cadeia. Apenas...faça o que ela quer e dê um show para suas amigas. Vai ser melhor para todos se você entrar no jogo.

– Um show?

– Sim, coloque um sorriso nesse rosto e satisfaça as mulheres de seu clube social. Faço isso o tempo todo. Ele diz essas coisas e sai tão rápido quanto entrou.

Leva um segundo para registrar tudo que ouvi. Show? Sorriso? Sinto como se tivesse sido transportado para um filme de Hollywood, mas isso não é um filme, é a minha vida.

Pego meu sabre de luz e o acendo. O som do lazer enche o quarto quando ondulo o sabre como um verdadeiro guerreiro jedi. Como costumava passar horas imaginando grandes duelos com ela quando era criança.

Agora consegui um demônio para combater. Um que não posso fazer desaparecer apenas ondulando um brinquedo.

ASTRID

– Asty, olha o que comprei para você. Minha mãe chega com um par de calças de veludo rosa e uma jaqueta. – A vendedora me disse que isso é o que os jovens estão usando, muito descolado né?

– Ninguém mais diz descolado.

– Maneiro?

Pego as peças, são de marca. Macio, nem se compara com minhas roupas simples.

– Mãe, isso foi muito caro. Nós não podemos arcar com isso.

– Relaxa filha, ando fazendo hora extra e tenho um bônus esse mês. Afinal, segunda você volta para a escola e seria legal ter algo bacana.

Estou esperando ela ir para o trabalho para poder ligar para a Amanda e dizer que não vou à festa.

– Mãe, já são sete e meia. O Sr. Reymond não vai se chatear de você chegar atrasada?

– Não, vou esperar você sair.

Meu estômago se revira. – Por que?

– Porque me deixa tão feliz ver você saindo para se divertir.

Visto a roupa, e assim que mamãe me vê, fica radiante. – Oh filha, ficou tão bem em você.

A roupa era realmente deslumbrante, mas eu não sou. Nem as roupas mais caras do mundo podem esconder o que me tornei. Uma esquisita.

– Você sabe que Soluço voltou hoje, não sabe?

– Alguém pode ter mencionado na lanchonete ontem.

– Não pense nisso, basta olhar para o lado e fingir que os Strondus não existem.

Isso me faz lembrar que sinto muita falta da minha ex melhor amiga, que por acaso é uma Strondus. Um carro buzina lá fora. É Amanda.

– Roupa “legal”. Amanda sabe de nossa situação financeira e que essa roupa era uma extravagância que não poderíamos fazer.

Há dois anos, meu pai saiu em uma viagem de negócios, supostamente por quatro semanas. Era para ele convencer um grupo de investidores a mover suas instalações para Berk. Eles rejeitaram a proposta, mas ofereceram a ela um trabalho viajando pelo país como consultor.

Em dois anos, meu pai só esteve em Berk apenas três vezes. Uma para acertar o divórcio com minha mãe, uma para anunciar seu casamento e a última depois do acidente. Passou uma semana aqui e foi embora.

Ele diz que está feliz e que quer que eu o visite, mas nunca marca uma data e nem mostra interesse. Nem no casamento eu fui.

–Obrigada. Passo a mão sobre o tecido.

Essa foi toda nossa conversa toda a viagem. Logo estacionamos na frente da casa. Estou a ponto de correr dali, mas Amanda me arrasta para dentro pelo braço.

Enquanto passamos pelo hall, percebo todos os olhares focados em mim e isso me aflige.

– Hey, galera. É Astrid Hofferson ressurgindo dos mortos. Grita um cara do time de futebol.

–Escutei que Soluço está de volta. Diz um cara chamado Dony

–Foi o que ouvi, digo. Não posso fugir disso.

– Mas ele quase te matou? Eu já não distinguia nada em volta.

– Foi a um ano, já passou. Eu tento, mas ser corajosa nessa situação é tarefa difícil.

– Gente, dê espaço para ela respirar. Me viro para a voz. É Kendra, antiga namorada do Soluço. Nós frequentávamos o mesmo circulo, mas nunca fomos próximas. Ela parece falsa, me lembra uma boneca de plástico. Surpreendentemente ela agarra meu braço, arrastando-me para uma área isolada.

– Você viu ele? Sussurra

Quê? Ela me sacode, me fazendo acordar.

–Você viu ele?

– Ele quem?

– Soluço

– Não

– Mas ele mora do seu lado.

– E? Tudo bem, eu nunca me relacionei bem com Kendra. Ela sabe disso, eu também. Alguns outros talvez saibam também. Estamos num empasse, ela me desafia a lhe dar informações que acha que tenho e que não teria motivo de quer esconder dela.

Logan aparece no local. –Kendra, o que está fazendo aí? Vem cá me livrar de participar da brincadeira da garrafa.

Ela olha de mim para ele . – Estou indo.

Sai dali me deixando sozinha. Sento-me em uma espreguiçadeira à beira da piscina. Olho em volta, Merida está pendurada no pescoço do Melequento, capitão do time de futebol.

Kendra e Logan dão um show particular no trampolim depois de trocarem suas roupas por trajes de banho. Todos em volta cantam para o casal pular. Kendra adora ser o centro das atenções. Sua família é detentora da maior parte das propriedades da cidade e seu pai é o prefeito a dez anos, e seu avô foi prefeito também. Algumas pessoas nasceram para ter tudo.

Me dirijo à porta e vou embora, não aguentava mais aquele lugar.


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