Minha Droga de Diário escrita por Marceline Abadeer


Capítulo 4
17 de Dezembro de 2015




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Oi Diário, faz muitos dias que eu não escrevo em você e, é claro, muita coisa aconteceu. Uma das coisas foi que a minha tia que morava lá no Espírito Santo veio para a minha cidade. Eu fiquei sabendo que meus pais deviam um dinheiro a ela e que esta estava o cobrando, óbvio. O jeito que minha mãe arranjou de pagar a dívida foi se mudando para a casa dos meus avós paternos enquanto minha tia passava sua estadia na cidade em nossa casa enquanto minha mãe pagava o condomínio. Eu odiei esse “acordo”. Odeio a casa dos meus avós. Não é por causa das pessoas ou falta do que fazer. É mais pelo ambiente, ele tem uma vibração ruim, sei lá.

Voltando a minha tia, ela veio com o marido dela e duas cadelas. Uma tem porte médio e é brava e a outra tem porte pequeno e também é brava e o problema é que elas aparentemente me odeiam. Não sei o porquê. Rosnam para mim e já quase me morderam e a pior parte é que a minha tia não tem controle sobre elas e ainda as trás para todo o lugar que vai, ou seja, sempre que ela vier visitar meus avós temos essas companhias de brinde.

Se você está pensando que eu não gosto de cachorro, está muito enganado. Eu adoro. Eu tinha um, o nome dele era Thor. Era um Yorkshire de 3 anos. Morreu com uma mordida na jugular de um pastor alemão daqui da casa dos meus avós... Depois que ele morreu foi quando resolvi te escrever. Comecei a me sentir sozinha e a falta de alguém para desabafar. Quando o Thor era vivo e eu me incomodava com algo conversava com ele. Eu sei que ele provavelmente nem fazia ideia do que eu estava falando, mas só tem alguém prestando a atenção me bastava. Sempre que eu começava a falar ele se sentava, olhava para mim e virava a cabeça de um jeitinho muito fofo. Depois eu brincava com ele. Eu costumava deixá-lo dormir comigo. Quando eu acordava de um pesadelo, não sentia medo porque ele estava lá e também acordava. Me olhava com uma cara de preocupado como se perguntasse “Está tudo bem?” e eu sempre respondia com um sorriso “Agora está”. Eu tenho a plena consciência que isso pode ser tudo fruto da minha imaginação, mas eu gostava de viver nesse meu mundinho. De alguma forma me fazia bem.

Outro fato que aconteceu foi que eu estava vendo um Dorama(novela coreana) que uma amiga recomendou até que senti uma coceira no braço. Automaticamente, cocei, mas me machucou. Olhei para as minhas unhas e reparei em quanto estavam grandes. Antes, elas eram curtas, mas agora estavam enormes. Eu queria deixá-las crescer para ficar mais “bonitinha”. Eu sempre reparava nas unhas bem feitas das meninas da minha sala e nas unhas cortadas e simples dos garotos. Pensei que as minhas unhas se assemelhavam muito as deles. Agora você deve pensar “Que motivo ridículo para deixar as unhas crescerem”. Na verdade, era bem mais do que isso. Quando eu era pequena, só tinha amigos meninos porque as meninas me achavam estranha por algum motivo. Então eu usava vestido, brincava de Barbie, via filmes de princesa, desenhava de rosa, brincava de me maquiar, dançava balé e sapateado. Tudo isso em busca de ser “menina” e ter amigAs. Eu consegui, por muito tempo tive apenas amigas meninas, mas a partir que eu fui crescendo conheci uma menina que sempre se deu bem com os meninos, mas nunca tinha mudado esse seu jeito de “moleque”. Por passar tanto tempo com ela os amigOs dela passaram e ser meu amigos e logo mais eu fazia amizades com os meninos sozinha.

Como amigos nós “zuávamos” e expúnhamos nossas opiniões sobre os outros e sobre nós mesmos. Para implicar, nós, meninas, chamávamos os meninos de “viado” e coisas similares. Os garotos também implicavam falando que a gente estava gorda, baixinha ou bagunçavam o nosso cabelo. Eu nunca me importei muito com isso e os garotos também não. Até a adolescência foi chegando e povo começou a namorar. Como éramos meninas os meninos pediam “dicas”, testavam cantadas e faziam perguntas, mas chegou o momento para alguns que eles não precisavam mais da nossa “ajuda”, já sabiam se virar. Isso começou a ser irritante pelo fato dos garotos nos zuarem por nunca termos beijado ou namorado. Na época, isso me incomodou porque comecei a pensar mais na minha aparecia. Os garotos apontavam para nós e faziam perguntas entre eles do tipo: “Ficaria com ela?”, “Transaria com ela?”, “Chamaria ela para sair?” entre outras. Sempre que eu era a garota apontada a resposta era “Não!”, “Nunca!”, “Prefiro sair com a minha mãe”. Eu ria, mas isso me incomodava. Um dia perguntei aos garotos o que eles gostavam nas meninas. Tive várias respostas, mas em sua maioria foram: “Uma garota com peito, coxa, bunda e ruiva”. A parte do “ruiva” foi dois amigos que por algum motivo adoram uma ruiva. Acho que é porque hoje em dia não se vê muita ruiva natural, mas sempre achei uma cor muito bonita de cabelo.

De qualquer forma, reparava muito em mim no espelho. Estava acima do peso, com espinhas, cabelo ensebado e minhas feições já eram masculinas(veleu pai!). Eu não tinha encorpado, não sabia nada sobre maquiagem, achava que ter mil redes sociais era inútil, odiava vôlei, odiava chapinha e falava muito palavrão e referencias sobre sexo. Reparando nisso percebi que tinha muito o que mudar, mas não sabia como então fiquei do mesmo jeito até que dois garotos disseram frases que não saem da minha cabeça até hoje.

1 – “Você não pega nenhum garoto até o final do 9º ano.”

2 – “Dá para te confundir com um travesti.”

Na hora eu só tinha xingado eles e ido embora, mas as frases martelaram na minha cabeça até hoje. Eu sei que ainda assim é ridículo e que eu não deveria ligar para esse tipo de coisa, mas comecei e não me sentir bem comigo mesma e isso sim é motivo para mudar.

Minha prima, Daniela, tinha acabado de chegar da França, onde vivia, para morar aqui no Brasil junto com o namorado. Antes dela partir, quando eu era menor, andávamos muito juntas e tínhamos uma amizade muito forte que não morreu. E ela voltou sempre querendo repor o tempo perdido, mas isso não acontecia muito por causa da convivência com o namorado dela.

Por outros motivos ela acabou terminando com ele e começou a dar muita atenção para mim. Ela apontava muitas coisas que eu poderia melhorar e ficar mais “bonitinha”. Ela me ensinou a me cuidar e com o tempo passei a ter o costume de fazer tudo o que ela e a minha mãe me ensinaram. De tudo que eu tinha citado lá em cima o resultado ficou assim: emagreci, mas não fiquei magra; tenho espinhas, mas passo creme; lavo meu cabelo de forma que ele fique saudável e nada ensebado; minhas feições ficaram mais femininas lembrando as da minha mãe conforme eu cresci; encorpei e fiquei mais alta; não sei muito sobre maquiagem, apenas o básico; ainda acho que ter mil redes sociais é inútil, mas tenho Facebook; eu sou péssima em vôlei, mas despertei para a natação; ainda odeio chapinha e não falo tanto palavrão.

Até ai está a parte superada da minha vida, mas agora vamos voltar ao momento em que eu senti uma coceira no braço, cocei e reparei nas minhas unhas. Normalmente quando você coça muito algum lugar você acaba se machucando se alguma forma, comigo já chegou até a sangrar.

Eu olhava para as minhas unhas e me lembrava de tudo isso que eu acabei de escrever, o motivo pelo qual eu me encontrava ali com as minhas unhas grandes e que com apenas uma coçadinha acabei me machucando. Eu lembrei da minha amiga, Beatriz, que se cortava com as unhas durante a aula e eu pensei “As pessoas se cortam pensando que a dor física vai ocultar a dor sentimental... Será que isso é verdade?”. Então, eu comecei a fazer uma idiotice: tentei me cortar com a minha unha. Eu fincava ela pelo meu braço pensando: “Isso é pela recuperação em matemática, isso é pelo meu avô, isso é pela a minha avó, isso é pelo Thor, isso é por eu me sentir sozinha, isso é por eu ter me mudado contra a minha vontade, isso é pela a minha prima ter ido embora e isso é por ninguém notar como eu estou me corroendo por dentro!”. Por algum motivo eu parei. Foi como se alguém desesperado gritasse na minha cabeça: “PARA! VOCÊ ESTÁ LOUCA?!”.

Então eu olhei para o meu celular e entrei num grupo do WhatsApp. Minhas amigas estavam jogando um RPG que inventamos e eu cheguei falando o que as minhas mãos estavam suadas e tudo o que estava na minha cabeça, mas de modo assombroso. Uma das coisas que falei foi “Eu vivo numa casa loucos... Ou será que na verdade sou eu a louca? Afinal, o louco pensa que é o único são no ambiente onde vive...”. Graças a Deus elas me convenceram a acordar a minha mãe. Eu estava chorando tanto... Reclamei da minha vida, dos meus amigos e até a Dilma estava envolvida. Eu queria que o mundo explodisse. Pedi para a minha mãe cortar as minhas unhas. Nunca mais queria fazer isso, nunca mais. A dor física não oculta a dor sentimental, só a transparece mais. Não faz sentido se drogar, se cortar, beber ou fazer qualquer coisa do tipo para buscar uma falsa felicidade. Isso só te deixa pior. Não apenas fisicamente, mas também psicologicamente, te deixa louco. Vício é loucura, não felicidade e agora eu sei. Depois desse dia nem Papa me convenceria a fumar.

Frase do dia: “Ser feliz não é ter uma vida perfeita, mas deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor de sua própria história” – Abraham Lincoln


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