As Crônicas da Tempestade escrita por Cavanhaque maroto


Capítulo 30
Capitulo 27 - Derrota




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Capítulo 27 – Derrota

República Federativa do Fogo, algum lugar na capital

Dalai deu um urro de dor abafado pelo punhado de pano que lhe enfiaram na boca. A carne ficara vermelha onde barra a tocara e o cheio de queimado fora tão nauseante que Dalai quase implorara para cair de novo na libertadora inconsciência. Quando Lian Fu afastou o metal incandescente franziu o cenho e deu de ombros, teria de servir por enquanto.

A ferida não era profunda, o corte fora limpo, quase cirúrgico, apenas uma prova de quão assustador fora o Avatar em sua fúria desenfreada. A capitã limpou e cuidou da melhor forma que pôde do corte com apenas um dos braços e tratou da febre que ameaçava o companheiro apesar dos protestos delirantes de Dalai. À noite o rapaz sofria com pesadelos terríveis e acordava suado e ofegante apenas para cair exausto logo em seguida para recomeçar o ciclo.

Porem o maior desafio havia sido cauterizar o braço de Raidou que por algum motivo ainda permanecia num estado profundo de choque. O general mal esboçara emoções enquanto ela trabalhava, apenas fitava as paredes do calabouço com um ar desamparado. Ele não resistira quando os rebeldes os prenderam e os surraram sem piedade. Ele estava completamente quebrado. Vê-lo nesse estado partia o coração de Lian Fu que se tornara sua pupila nos últimos dois anos, ele sempre fora forte em todos os aspectos, um verdadeiro exemplo de um homem que ama sua pátria. Mas agora? Sentia que fracassara, quebrara todos os seus juramentos. Ela podia compreendê-lo bem.

Após a tomada do Palácio Real, os soldados que resistiram a revolta foram jogados para apodrecer nas antigas celas de Huan Ru, a prisão para onde eram levados os prisioneiros políticos da Nação do Fogo, situada nas periferias da capital.  Seus mais novos residentes tratavam-se de oficiais do exército e burgueses que apoiaram a Senhora do Fogo levados para lá para serem julgados e sentenciados de acordo com a nova “República”. Completara cinco dias desde a prisão ali e ainda não lhes fora dada a data do julgamento, não que importasse muito agora que Fírion assumira o país por debaixo dos panos.

Ela tinha saudades de Jee, pensava nele todas as noites desde que ele desaparecera. Só conseguia imaginar o que Atakano fizera com ele e se atormentava com a ideia de não poder estar lá fora para encontrá-lo. Ultimamente já não tinha mais certeza de nada, toda sua vida parecia ter desmoronado de um momento para o outro. Em uma noite fora pedida em casamento e no dia seguinte seu noivo some misteriosamente e agora uma maluca diz que o pegou enquanto está trancada atrás das grades.

A fé pouco a impressionara na vida e muito menos acreditava em seitas religiosas mas no fundo sentia que estava pagando por desafiar a vontade do Avatar, era a única resposta para a constante de merda norteando seu futuro. Ela não chorou — nunca daria essa satisfação aos carcereiros — mas sentia-se derrotada de tal forma que não sabia se conseguiria se erguer depois disso.

Demorou mais alguns dias antes que fosse mandado alguém para cuidar deles. Mas o que não esperava era que o próprio Fírion iria até lá.

O mestre desfilou rodeado de quatro soldados da Lótus vestindo armaduras negras com a flor em branco no peito e sobre os rostos um capacete. Um grupo de execução, Lian Fu estremeceu. Os guerreiros abriram a cela e ergueram um Dalai semiconsciente.

— Chegou o dia do seu julgamento, aberração — o mestre disse solene.

Dalai dispensou um sorrisinho debochado.

— Pensei que fosse só me executar e pronto — o rapaz disse ofegante queimando de febre — Se não fizer isso eu vou voltar e quando isso acontecer... bom, não vai querer saber.

Um dos soldados enfiou um murro em sua têmpora que fez suas pernas vacilarem. Os soldados restantes o mantiveram no lugar enquanto ele tentava se recuperar.

— Vamos. — Fírion ordenou para que seus subordinados levassem o ferido. Antes de sair cela, parou para dar uma longa olhada em Raidou e se divertindo com seu estado acrescentou: — Não se preocupe velho amigo, sua hora também chegará em breve — dito isso, ele se foi com seus homens arrastando Dalai.

 

A multidão que se formara se espremia em torno da praça central em frente ao Palácio Real, onde uma massa de repórteres de todo o mundo se reunira para o julgamento público do Filho da Tempestade. No centro da praça, os representantes da lei e juízes estavam dispostos em altos palanques de madeira para que todos pudessem vê-los, entre eles a líder rebelde Yuzushi Atakano ocupava o lugar de honra ao lado do presidente do tribunal ninguém menos que o líder da Lótus Branca.

Todos os principais líderes mundiais estavam presentes no julgamento, entre eles o mestre Kan e mestra Malina representantes das Tribos, o Rei da Terra e o primeiro ministro Huaq. O recém nomeado mestre Guang Dan da Nação do Ar que trocava olhares fulminantes com Aruan o chefe da Irmandade do Silêncio, o grupo de dominadores do ar independentes. Por fim estava o presidente de Cidade República Bolin com sua comitiva de ministros.

A multidão abriu caminho a vaias quando os soldados da Lótus Branca trouxeram o prisioneiro atado aos grilhões, pedras foram atiradas à medida que se dirigia para o centro da cidade. O rapaz parou diante de sua cadeira e olhou para o céu azul acima, era um dia lindo para morrer, ele refletiu consigo.

Dalai estava feliz por Laya não estar lá para vê-lo ser destruído por Fírion. As coisas ficariam feias bem rápido. Ele fez menção de se sentar, mas subitamente a cadeira foi puxada por um guarda e ele caiu no chão. Engolindo a frustração e raiva que o tomavam por dentro, o rapaz se ergueu com toda a dignidade que conseguiu reunir e pôs-se a encarar os homens que decidiriam seu futuro. Lana estava lá, seu olhar de desprezo o irritou.

— Hoje, irmãos e irmãs, nós estamos todos aqui para decidir o destino deste homem — a voz de mestre Fírion ressoou por toda praça pelas caixas de som espalhadas — Um assassino e inimigo da paz mundial.

A multidão se calou.

— Seus crimes não se resumem apenas à traição, assassinato e participação ativa no massacre de Kyoshi. — ele continuou agora para o réu — Você é um homem vil Dalai e culpado de ser um monstro, como responde a isso?

O rapaz deu de ombros.

— Eu nasci assim, sou o que sou e posso conviver com isso. Mas não me culpe pelo erro dos outros, eu não lutei pela Nação do Fogo em Kyoshi.

Um burburinho se formou da multidão.

— Está dizendo que não participou do massacre? Que não contribuiu para a morte de mestre Yako pelas mãos do general Raidou? Que não colaborou para a destruição bárbara de um patrimônio da humanidade? — Fírion sibilou — Você é um mentiroso! Esteve lá aquela noite e tramava em segredo para chantagear o Avatar a libertar a Rainha da Terra sobre falsos pretextos!

— Eu pretendia trocar o herdeiro da Tribo da Água do Norte, que era meu prisioneiro, pela Rainha da Terra, se isso é chantagem eu não sei, mas foi uma troca justa... — Dalai começou, entretanto, seu microfone foi cortado.

— Vejam só, ele admite o que fez! Estão vendo senhores? Este homem é um perigo para todos nós e deve ser tratado como merece, tal como um animal selvagem! Deve ser executado sem cerimônia! — Fírion argumentou.

Dalai se precipitou para frente com sede de sangue, mas foi puxado de volta pelos guardas que o mantiveram bem preso pelas correntes. Aquilo não era um julgamento e sim uma caça às bruxas, logo o jogariam na fogueira.

— Não acredito que este seja o certo a se fazer, mestre Fírion — a líder da República Federativa do Fogo se pronunciou. — Não somos animais como o senhor bem disse, assassinato não é a solução é apenas mais um crime, seja lá por qual motivo. A menos que não seja totalmente imparcial, nesse caso peço que deixe este julgamento agora mesmo.

Fírion lançou um olhar de ódio para a mulher.

— Se bem me lembro, senhorita Atakano, você também é uma criminosa condenada! Não tem voz nesse tribunal.

Yuzushi esmurrou o palanque.

— O senhor que não tem voz aqui, mestre Fírion, este julgamento não diz respeito às outras nações, este é um assunto interno da República Federativa do Fogo e não seu showzinho particular! — ela disse friamente.

— Como ousa...

— Já houve mortes o suficiente, mestre, continuar este ciclo de matança é um insulto aos que perderam a vida por esta república! Sente aí e espere o meu julgamento como Chefe de Estado temporário, caso contrário serei obrigada a usar a força — ela continuou.

Dalai não pôde deixar de sorrir, essa mulher tinha muito colhões para humilhar Fírion na frente do mundo inteiro, justamente uma das coisas que precisava ver antes de morrer. Por um momento o velho homem parecia disposto a iniciar outro confronto armado bem ali diante de todos, mas então ele voltou a se sentar e Yuzushi continuou:

— Dalai, o réu, foi retirado irregularmente de Valu pelo ex-general Raidou antes de terminar sua pena e foi mergulhado em um banho de sangue sendo um recurso valioso para a Senhora do Fogo como uma arma humana de destruição — ela encarou a multidão e depois seus olhos recaíram sobre o rapaz — Vi Valu em primeira mão e senti na pele seus terrores e acreditem em mim quando digo que este é um destino pior do que a morte. Executá-lo seria um ato de misericórdia mas assim não pagaria por seus pecados — o rosto de Dalai se contorceu em desespero a medida que a mulher continuava — Dalai será enviado de volta à a Valu de onde nunca deveria ter saído.

A multidão ao redor pareceu desaparecer para o rapaz, seus instintos de sobrevivência gritavam para que fugisse, contudo de nada adiantou se debater. A ideia de voltar para Valu era insuportável.

— Me mata! Anda! Não me mande de volta pra lá! — ele se viu implorando e novamente seu microfone foi cortado enquanto ele era arrastado pelos guardas — Me mata Atakano! Acabe com isso! Sua piranha, me mate!

Mas já era tarde demais para implorar, tarde demais para mudar de ideia.

 

 

O camburão passava voando pelos buracos da estrada de barro que saia da República Federativa do Fogo e entrava no Reino da Terra chacoalhando os passageiros lá dentro. Dalai olhou de esguelha para Lian Fu ao seu lado, imaginava como ela fora parar ali com ele, mas não perguntou, não havia por que fazê-lo, de nada mudaria a situação. Não restara nada dele, passara duas semanas desde o julgamento e o rapaz ainda não queria acreditar que estava acontecendo outra vez.

Um guarda estava sentado à sua frente esperando por uma desculpa para matá-los, o que Dalai gostaria bem mais do que apodrecer na prisão, mas ele não podia fazer isso com Lian Fu. Foi somente naqueles últimos dias que percebera o quanto gostava e respeitava a jovem capitã, durante todo esse tempo ele havia sido um merdinha impulsivo e ela sempre aparecia para limpar sua bagunça e ele nunca a agradecera. Sentia orgulho de ter lutado ao lado dela e gostaria muito de ter visto ela se casar e assumir o cargo de Raidou mas essas eram perspectivas dolorosas agora que nunca iriam acontecer.

No fundo ele sabia que merecia estar ali novamente, não tinha ilusões sobre seu tipo de pessoa, era um monstro. Mas Lian Fu, diferente dele, não merecia estar naquela situação. Outra pessoa que arrasto para o buraco comigo, ele pensou amargamente.

Da janela ele já podia ver a torre inclinada de platina de Valu logo alguns quilômetros adiante e um calafrio percorreu seu corpo. De esguelha ele viu Lian Fu roendo a unha do dedão, ansiosa, e ele soube que tinha que tomar uma decisão difícil. Ele encarou o guarda, dado ao seu estado sabia que não conseguiria derrotá-lo, mas isso não significava que não iria tentar. Só um milagre os salvaria agora.

Foi aí que o som de ar escapando preencheu o vazio e o camburão deu uma rabiada. Do lado de fora os satomóveis de escolta pararam e deles homens da RFF saíram para checar o perímetro. De repente o primeiro caiu com um tiro no peito e novamente o silêncio nervoso.

O guarda que os vigiava olhou pela a janela inquieto. Novamente outro soldado caiu deixando os outros cinco ainda mais nervosos. Da escuridão surgiram três motocicletas vindo em direção ao grupo à toda. O esquadrão abriu fogo contra o inimigo, no entanto eles eram mais ágeis e conseguiram evitar as bolas de fogo com facilidade e cair sobre eles com pés de cabras massacrando-os.

Dalai aproveitou o momento de confusão e deu pisão com toda sua força no joelho do guarda expondo o osso e antes que pudesse gritar, o rapaz lhe acertou uma joelhada na têmpora e deixou que deslizasse inconsciente para o chão.

A escotilha do comboio foi aberta com violência e duas figuras encapuzadas os puxaram para fora.

— Quem são vocês? — Lian Fu gritou, provavelmente eram assassinos enviados por Fírion para terminar o serviço.

Mas quando o mais alto retirou o capuz ela não pode conter as lágrimas.

— Olá capitã — Jee sorriu para ela e a beijou.


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