O céu já estava escuro, embora no momento ela não pudesse ver, apenas imaginar. Lyra estava exausta de todo o caminho percorrido desde que deixara New Bark pela segunda vez. Seus pokémons estavam em melhor estado que ela, com exceção de seu amado Typhlosion que a acompanhava fora de sua pokébola.

Já havia enfrentado mais treinadores que podia contar, isso sem falar os pokémons selvagens da última caverna que a separava da Elite Four e do campeão. Queria apenas uma boa noite de sono e uma refeição quente, mas não teria nenhum dos dois ali dentro.

Mantinha um caminhar silencioso, querendo, ao máximo, evitar chamar a atenção dos pokémons selvagens à sua volta. Apesar de estar cansada ela não podia deixar de se divertir com o pokémon vulcão em seus indiscretos dois metros de altura e mais de oitenta quilos pisando nas pontas das patas para não fazer barulho. Ele estava tão exausto quanto ela, entendia a discrição da mestra ali dentro e a imitava nisto.

Lyra sentiu então uma brisa fria. Não sentia vento ou qualquer coisa assim desde que entrara naquela caverna há algumas horas, imaginou que este fosse um bom sinal. Olhou para seu leal pokémon e sorriu, acenando para ele em direção à saída e de imediato os dois começaram a correr almejando o fim daquele tormento. Graças ao horário avançado tudo o que viam era apenas uma fraca luz vinda de fora, mas já era melhor do que a caverna, até então sem fim, onde estavam.

– Depressa Ty, não aguento mais! - O pokémon rosnou animado em resposta, concordando com ela de imediato.

– Não tão rápido.

A interrupção foi tão brusca quanto se pode esperar. Lyra parou de correr e colocou o braço diante de Typhlosion para que ele parasse atrás dela. O pokémon rosnou de forma grave e ameaçadora quando o autor da fala se revelou. O jovem alto de cabelos vermelhos e roupas negras cruzou os braços bloqueando o caminho.

– Silver?!

Lyra pressionou os lábios preocupada. Ty não estava em seu melhor, já havia usado demais suas habilidades, e seus outros companheiros estavam se recuperando em suas pokébolas, uma batalha agora seria um desafio para qual ela se sentia pouco disposta. O rapaz não sorria, apenas tirou do cinto uma pokébola que aumentou de tamanho em sua mão enquanto ele voltava a falar.

– Quem mais seria? Não acho que ninguém mais faça questão de você. - Disse friamente - Você não pode recusar.

Ele tinha razão, ela não podia. Ao menos imaginava que ele estivesse tão cansado quanto ela, já que também havia chegado até ali.

– Qual o seu problema comigo? - Questionou irritada. Typhlosion rosnou novamente e tomou a frente - Ty? Não, você não está bem, volta! - O pokémon olhou para ela por sobre o ombro - Mas... Tsk, tudo bem então. Vai!

– Você fica cada vez mais imprudente enquanto eu só melhoro, vai, Feraligatr!

A pokébola inimiga se abriu e o grande pokémon azul surgiu, rugindo para Typhlosion e sua treinadora. Ela ficou tensa, não queria que Ty enfrentasse um pokémon de água, ele já não estava bem, mas sabia que ele não recuaria. Ele odiava todas as ofensas de Silver muito mais que ela e fazia questão de derrotar seu principal pokémon sempre que pudesse, mesmo com uma gritante desvantagem.

– Ty, Quick Attack! - O pokémon vulcão avançou com uma rapidez desproporcional ao seu tamanho, atingindo com uma patada forte a lateral do corpo do inimigo. Feraligatr foi empurrado para trás, desequilibrando-se ao lado de seu treinador. - Muito bom, Ty!

– Patético. - Silver ergueu o braço e apontou para Typhlosion. - Waterfall.

Os olhos de Lyra se abriram ao mesmo tempo em que a boca de Feraligatr. Ela apertou as mãos e tentou gritar para que Ty recuasse, mas não deu tempo. Seu pokémon recebeu um jato de água intenso com uma pressão maior do que qualquer um anteciparia, baixando a chama que escapava de seu pescoço e fazendo com que vapor se erguesse. O grito de dor de Ty doeu e revirou seu estômago. O pokémon recuou e tremeu com sua chama quase invisível, tentou manter-se em pé, mas não havia mais como lutar. Ele cedeu e iniciou uma queda lenta, assim como Lyra que apenas deixou de ter força nas pernas e colidiu com o solo ao mesmo tempo em que Ty. Sentiu a ardência e as pedras contra sua pele devido ao peso de sua queda, mas nada era pior que seu amigo mais leal caído no chão.

Silver desviou o olhar, permanecendo sem sorrir ao vê-la daquela forma. Manteve seu silêncio e indiferença. Lyra pegou a pokébola em seu cinto com a mão trêmula, murmurando dolorosamente.

– Ty... Volta aqui...

O pokémon desapareceu em uma luz vermelha, sendo recolhido à pokébola. Lyra abraçou o objeto com carinho, segurando como se pudesse se partir, e sussurrou desculpas por não ter sido forte o suficiente para trazê-lo de volta, tê-lo impedido de lutar.

Silver olhou de canto para ela, vendo-a ao longe. Cruzou novamente os braços, mas não sentia-se capaz de interrompê-la, estava mais ocupado tentando entender qual o problema de um pokémon desmaiar numa luta. Não é como se estivesse morto, apenas perdeu, e se perdeu foi por ser fraco. Não se lamenta sobre fraqueza.

– Lulu... - Ela murmurou e chamou a atenção de Silver, tirando-o de seus devaneios. - Lulu, eu escolho você.

Ela jogou a pokébola roxa na direção de Feraligatr. Silver recuou um passo quando o objeto bateu no chão e se abriu. Receio se apossou dele e de seu pokémon, uma sensação estranha de inferioridade os envolveu quando uma criatura tão incrível quanto poderia se poderia imaginar escapou de sua pokébola. O pokémon lendário bateu suas asas com força, espalhando poeira e jogando pedras menores para os lados. As asas brancas e seu corpo esguio eram descritas em lendas antigas, Silver não podia acreditar que estava diante de Lugia. Muito menos que o tinha como oponente.

Lyra levantou lentamente e encarou Silver com fúria em seu olhar.

– Lulu... - O pokémon a olhou e cantarolou alguma coisa - Certo. Conto com você. Extrasensory.

Lugia encarou Feraligatr fixamente, e aparentemente nada estava acontecendo. Na realidade o lendário exercia uma pressão tão intensa na mente de seu oponente que tudo o que ele pode fazer foi recuar alguns passos até cair inconsciente ao lado de Silver.

– Mas como... - Ele estava estupefato. A pressão que o rodeava não cedia, e olhar nos olhos de Lugia a deixava ainda mais intensa. - Feraligatr, volte! - A pokébola trouxe de volta seu aliado, e logo ele chamou o próximo.

Um atrás do outro seus pokémons foram derrotados por Lugia. Ele era irredutível, obedecia Lyra praticamente sem comandos. Era irritante ver o elo que ela tinha com seus pokémons, como todos pareciam lutar por mais do que o dever após serem capturados. Eles queriam lutar por ela, eles queriam vingar o Typhlosion derrotado.

– Acabaram seus pokémons, Silver. - A voz dela era cansada, tristonha. - Chega. Preciso curar o Ty.

Ele apertou os punhos e olhou para o lado, trazendo de volta para a pokébola seu Sneasel caído. Era horrível a série de derrotas para ela, ela o irritava mais que tudo. Olhou novamente para Lyra. A menina era realmente pequena ao lado de seu Lugia. Ela alisou a cabeça do lendário e afagou seu pescoço, fazendo com que o pokémon fechasse seus olhos em aprovação, apoiando a cabeça sobre o ombro dela e silvando baixo. Ela sorriu e agradeceu pelo bom trabalho e por ter cuidado de "seu irmão" Typhlosion.

– Então é isso... - Disse ele chamando a atenção dela quando Lugia foi trazido de volta para pokébola e ela a depositou em seu cinto.

– Isso o que? - A voz dela parecia mais calma, faltava pouco para curar todos os seus pokémons.

– Isso o que os torna fortes, o que torna você forte. - Os ombros dele cederam e ele desviou o olhar. Pela primeira vez ele não a olhava de cima, pela primeira vez ele parecia não estar agindo de forma arrogante ou agressiva. - Tratá-los desse jeito.

– Acho que é... Não é difícil fazer isso, Silver.

– Acho que você deve ter... - E olhou para ela novamente, mas antes que pudesse falar, algo se moveu na caverna atrás da treinadora - Ei! Atrás de você!

Lyra não virou à tempo, estava ocupada demais estranhando a súbita movimentação de Silver em sua direção, como ele parecia tenso e preocupado de forma tão repentina. Atrás dela havia um Onix. Enquanto o garoto encurtava a distância entre eles, a cauda dele brilhou e se moveu com uma velocidade que, infelizmente, superou o ruivo. Silver tentou, mas falhou em chegar à tempo. O pokémon selvagem a golpeou em cheio nas costas e a jogou contra a parede. Um baque seco ecoou vindo daquela colisão e ela caiu imóvel no chão.