Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 9
Visitas Queridas


Notas iniciais do capítulo

Ou, gurias! Escrevo um capítulo novinho em folha! Espero que gostem, pois teremos personagens surpresa. Nos vemos lá embaixo



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Annika entrou na sala de música vazia, deixando seu livro sobre a mesa. Viera poucas vezes ali – todas as lembranças envolvendo aquela sala eram muito intensa – mas já não conseguia resistir. Amava música, e lembrava-se dos tempos em que tocava piano em pequenas festas burguesas, para a distração dos convidados. Uma vida a separava daqueles tempos, mas as memórias eram vívidas. Tão vívidas quanto a vontade de sentir as teclas outra vez sob seus dedos; e já que messieur Destler não estava presente...

Ainda hesitante, ela se sentou no banco de marfim, imaginando quantas vezes ele não se sentara ali, ocupado com seus arranjos e composições. Abrindo a partitura que ele deixara no suporte – Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky – abriu em uma página aleatória, e leu. Impressionante como, mesmo depois de dez anos, as notas ainda lhe eram tão claras! As mãos já sem prática pousaram no teclado branco e preto e, após um breve segundo de hesitação, pressionaram a primeira chave. Foi como se algo despertasse dentro da moça, que passou à combinação seguinte, e então à próxima. Embora tocasse lentamente, a princípio, fora do tempo e do compasso, tentando recuperar a habilidade que um dia tivera, aos poucos suas mãos se aqueciam e lembravam da velha agilidade, entrando no ritmo correto, pressionando as teclas certas. Alguns erros e tropeços pelo caminho, mas nada que a frustrasse; estava tocando melhor do que imaginara, após tanto tempo! Talvez devesse voltar a ensaiar, quando seu amo não estivesse em casa.

Após cerca de meia hora daquele delicioso intervalo em seus afazeres, ela ouviu a porta se abrir; as mãos de Gabrielle tocaram seu ombro, e ela se voltou para a irmã com ar de criança pega em uma travessura. A menina, porém, apenas lhe sorriu e gesticulou:

É bom vê-la tocar de novo. Achei que não gostasse mais.

– Como não gostar, Gabi? Ainda somos irmãs! Ou achava que foi a única a herdar de mamãe o gosto por música?

– É a primeira vez que você fala da mamãe.

– Acho que falhei neste ponto, abelhinha. Era muito difícil falar da vida que havíamos tido... Era como se não falar fizesse não ter existido.

Depois, exigirei que me conte mais sobre nossa mãe, e como era a vida com ela. Mas agora, tenho de voltar ao que me trouxe aqui: há alguém à porta. Visitas.

– Visitas? –A mulher se levantou e desceu as escadas, indo até a porta da sala; abrindo-a, deparou-se com uma senhora de meia idade e uma menina de cerca de quinze anos. – Boa tarde.

A mulher – de cabelos castanhos começando a se agrisalhar, severos olhos escuros, nos quais também havia bondade, impediu a menina de simplesmente entrar, e cumprimentou:

– Boa tarde, senhorita...

– Anjou. Annika Anjou – e apontou para Gabrielle, que executou uma breve mesura – e minha irmã, Gabrielle, Madame...

– Sou Antoinette Giry. E minha filha, Megan Giry. – ela só entrou depois que a jovem o permitiu, cuidando de limpar os pés no tapete à frente; uma mulher meticulosa, então! – Não sabia que Erik havia encontrado novas – ela hesitou – alunas?

– Ah, não, Madame! – respondeu Annika, fechando a porta e ficando de frente para as visitas, os olhos baixos – Sou apenas a criada. Gostariam de algo, enquanto aguardam meu senhor?

– Sim, por favor – pediu Antoinette, gentil – um chá forte de gengibre, se tiver.

A moça anuiu e, ainda de olhos baixos, seguiu para a cozinha. Sentia-se intimidada e constrangida ao lidar com mulheres honradas; eram damas que não conheciam o submundo que gerara Annika, as quais jamais se haviam maculado com os pecados e “prazeres” proibidos, que não conheciam a imundície do mundo em que crescera, e isso, na mente da moça, as punha em um patamar diferenciado, ao qual ela não era digna de contemplar.

A jovem não tardou em voltar com o chá, servindo Madame Giry e Megan; a garota Giry, curiosa com a nova “criada” de Erik, não conseguiu conter as palavras:

– Disse que é criada de Erik?

– Sim, senhorita. – confirmou, permanecendo de pé e com olhos baixos.

– Ele deve confiar em você, para tê-la admitido aqui.

Por algum motivo, aquelas palavras doeram em Annika: Erik nunca confiaria nela. Nem deveria fazê-lo, de fato... Mas este pensamento não foi agradável. Ainda sem erguer o olhar, respondeu:

– Não creio que seja o caso, senhorita. – Gabrielle olhou para a irmã com um misto de censura e pena: sabia exatamente como Annie se sentia, mas não concordava com aquela postura servil que adotava diante de mulheres “honestas”. Para a menina, sua irmã tinha mais valor do que dez daquelas mulheres! Qual delas, afinal, teria suportado as dores e privações da moça, sem jamais desistir? E ainda assim, a jovem se envergonhava de si mesma, quando em presença de tais “damas”. Madame Giry, porém, pareceu perceber o desconforto da mulher, e perguntou:

– Por que não se senta conosco, até messieur Destler chegar?

– Não sei se seria apropriado, Madame...

– Bobagem! – disse a viúva, com ar leve, tentando desfazer o constrangimento da outra – Não acredito nessa história de que uma pessoa seja melhor do que a outra, por sua posição social. Nomes e títulos são apenas coisas que pessoas fracas criaram para parecerem mais fortes do que as outras! Venha, sente-se conosco. E você também, Gabrielle!

Aquelas palavras fizeram Annika, enfim, erguer o olhar, surpresa: eram as mesmas palavras que ouvia da mãe, quando criança! Cada sílaba, cada letra... Seria possível que a mãe e a senhora Giry houvessem se conhecido?

Ainda hesitante, ela se sentou junto às Giry, no que foi acompanhada pela irmã; e tão agradável era a conversa das duas visitas, que logo as quatro se viam entretidas com a conversa, Annika e Gabrielle já totalmente esquecidas do constrangimento que as tomava, há pouco.

*

– Tem alguma ideia de onde estará Erik, menina? – perguntou Madame, preocupada com a demora do músico.

– Ele não costuma me dizer aonde vai, senhora. Messieur é... Bem reservado.

– Sei bem disso. – suspirou Antoinette, pensando em seu amigo de tanto tempo. Nunca conseguira fazê-lo se libertar do próprio passado, dos males que vivera, e isso o consumia, fazia com que erguesse uma muralha ao redor de si mesmo, para se proteger. – Não o culpo. Erik aprendeu a desconfiar de todos, do modo mais difícil.

– Como assim? – Annika se interessou. Que história era essa, de seu patrão ter aprendido a desconfiar das pessoas?

– Não tenho o direito de lhe contar, mas posso dizer que os sofrimentos dele teriam feito qualquer outra pessoa se matar. – ela suspirou e apoiou o rosto na mão – ele é meu amigo, e sofro por vê-lo tão solitário. Fiquei muito feliz ao ouvi-la dizer que trabalhava para ele, Annika. Espero que a presença de outra pessoa o ajude com sua dor.

Gabrielle lançou um olhar significativo para Annie, com um sorriso discreto. A mais velha deu um pisão imperceptível no pé da caçula, e respondeu:

– Farei o possível, Madame. Mas não sei se meu patrão pode realmente ser ajudado por alguém. – e suspirando, lembrou-se de outra frase da mãe; se Madame a reconhecesse, talvez fosse a evidência de que conhecera sua mãe. – Afinal, o mundo se muda com pequenas atitudes, não é?

Antoinette arqueou a sobrancelha, muito surpresa, parecendo reconhecer a frase; afinal, perguntou:

– Conhece Adelle Marie?

– Sim! – exclamou a moça, surpresa e alegre ao mesmo tempo – Ela é... Era... Minha mãe!

– Por Deus, criança! Filha de Adelle?! E como a filha de uma baronesa acaba se tornando criada?! – havia uma confusão muito clara nos olhos da viúva, e Meg interrompeu, confusa:

– Conhecia a mãe dela?

– Eu e Adelle éramos como você e Christine, Meg. Estudamos juntas no balé da Ópera, até a família considerar que a vida nos palcos não servia a uma nobre, mas continuamos a nos escrever por vários anos. – Madame Giry sorriu para Annika; estavam explicados os modos elegantes da moça, não condizentes com uma criada doméstica – não acredito que, agora, conheço a filha dela! – e com seu semblante obscurecido – disse que ela era sua mãe...

– Ela morreu, há nove anos. – A jovem não se estendeu, evitando falar sobre o assunto doloroso.

– Sinto muito.

– Eu também. – e dando de ombros – mas não se pode mudar o passado. – ela se levantou ao ouvir o som do portão da frente se abrindo – ah, o patrão vai me matar, quando souber que passei a tarde conversando, em vez de arrumando a casa!

– Eu me entendo com ele, pode deixar. – prometeu a professora de balé, segurando a mão da moça – Annika... Sua mãe era uma grande amiga. Eu não sei que armadilhas a vida preparou para você e Gabrielle, conduzindo-as até aqui, mas saiba que não está sozinha. Se houver qualquer coisa que eu possa fazer, por favor, me avise.

– É claro, Madame. – respondeu a mulher loira com um breve sorriso, antes de ir abrir a porta para Erik.

– Boa tarde, Messieur. - saudou ela – o senhor tem visitas.

– Visitas? – ele parou onde estava ao ver Madame Giry se levantar do sofá, contemplando-o com serena satisfação. Ah, droga! Antoinette e Meg, sozinhas com Annika e Gabrielle? Tomara que não houvessem falado mais do que deviam! E, também, tomara que não lhe fizessem perguntas... Mas eram esperanças vãs, ele sabia: talvez até não houvessem dito nada sobre ele, porém, seria impossível escapar ao interrogatório.

– Boa tarde, Antoinette, Meg.

– Boa tarde, Erik. – responderam as duas, se entreolhando. Naquele olhar, o Fantasma já compreendeu que precisaria silenciar as damas, ou elas o submeteriam a um verdadeiro inferno de perguntas! Virando-se para Annika e Gabrielle, ele as dispensou:

– Não preciso mais de seus serviços, por hora, meninas. – e fez um gesto com a mão, liberando-as. Com uma mesura respeitosa, as jovens foram juntas para o jardim, onde se puseram a trabalhar com as roseiras. Enquanto isso, o Fantasma se via a sós com as Giry.

*

– São jovens encantadoras, Fantasma. – disse Madame Giry, quando entraram na biblioteca – Como acabaram nesta casa?

– Eu as encontrei.

– Ah, e uma acesso de solidão o fez colocar duas jovens estranhas em sua casa? Acha que sou idiota, Erik?

– Apenas muito intrometida. – entretanto, a curiosidade da amiga poderia funcionar a seu favor. Talvez, se a escandalizasse, ela parasse com aquele questionário irritante – A “doce Annika” é uma ladra da pior espécie, se é o que quer saber. Assaltou-me num beco qualquer: fiquei espantado ao ver que se tratava de uma mulher, e não reagi. A monstrinha me deixou desacordado, e roubou até minha camisa.

As palavras dele pegaram Madame Giry totalmente de surpresa, mas foi Meg quem lhe lançou nova indagação:

– E você a coloca em baixo de seu teto, em vez de mata-la? Quer que eu acredite nisso?

Ele lançou para a menina seu sorriso mais diabólico, e falou em voz sombria:

– A melhor vingança, pequena Giry, não é a morte: é rápida, e os mortos não sofrem. A tortura é mais doce, porque é lenta, e permite que a saboreie. Permite que você arrase a alma de uma pessoa, até não restar nada dela. – e para Madame Giry – a mulher era uma rata das ruas: ladra, prostituta... Eu a encontrei num bordel. Então, Madame, não se simpatize por ela: não é digna da sua pena, nem de sua atenção.

Se a intenção do Fantasma era chocar a amiga, funcionou: Madame Giry estava escandalizada, nem tanto por saber que Erik tinha uma prostituta em seu lar, mas por descobrir que as filhas da Baronesa Adelle Marie haviam se enfiado em tal vida. Podia bem imaginar o que acontecera: duas garotas sem mãe, em Paris, eram alvo fácil para qualquer um. Escravidão era o que acontecia, na maior parte das vezes, e não devia ter sido diferente com elas. Mas agora, ao saber do que haviam passado, a senhora já não podia dizer se eram boas pessoas: aquele tipo de meio corrompia a maioria, e talvez não fosse diferente com elas. Ainda assim, não podia concordar com as atitudes de Erik: manter as jovens ali, para torturar a mais velha e se vingar? Aquele Fantasma estava ainda mais louco do que já fora!

– Você está louco? Torturar Annika, para se vingar? Não acha que a vida já foi bastante ruim para ela? Não tem compaixão? – ela tocou no ponto que, sabia, iria afetar o homem – Não se apieda dela, quando você mesmo foi um escravo? Quando você matou pessoas para sobreviver? Como pode não ter um mínimo de compaixão?!

– Compaixão não é da minha natureza, Antoinette – o Fantasma tinha um tom perigoso, e seus olhos brilhavam ameaçadores. Ele nunca machucaria Madame Giry, mas não permitiria, também, que se metesse assim em sua vida – E o que faço não lhe diz respeito. Tem minha gratidão, e minha lealdade: não peça mais do que isso. Você não é minha mãe.

– Pelo que devia ser grato, ou ainda estaria naquele circo. – ao falar, a viúva reconheceu que fora longe demais. Em tom alterado, Erik bradou:

– Já chega! – e virando-se de costas para as Giry – agradeço que tenham vindo, mas já está anoitecendo. Deviam ir embora: as ruas não são lugar para duas damas, à noite.

Meneando a cabeça, a mais velha compreendeu que a conversa acabara. Deixando sobre a mesa a carta de Messieur Andres, confirmando o preparo do camarote cinco para o Fantasma, despediu-se:

– Boa noite, Erik.

– Boa noite. – respondeu ele, sem se virar para a mulher, enquanto ela e a filha deixavam o lugar.

Mãe e filha deixaram a biblioteca, e Meg perguntou à viúva:

– E agora, mamãe? O que faremos?

– Nada, por hora. Erik é teimoso como uma mula, e falar a respeito de suas ações podem irritá-lo ainda mais.

– Ele vai acabar machucando Annika e Gabrielle.

– Provavelmente; vai machuca-las na mente e na alma. Mas não temos como interferir, agora. A raiva de Erik precisa arrefecer, primeiro, para só então fazermos algo; sabe bem como ele é: diga ao Fantasma para não fazer algo, e ele se dedicará a fazê-lo até as últimas consequências. Deixe-o esquecer essa vingança. O tempo é o melhor remédio para algo assim.

Desceram até a sala, onde Annika veio encontra-las; despediram-se brevemente da moça e de sua irmã, e saíram para a rua, entrando no coche que as levaria de volta, não sem antes lançarem um último olhar para a jovem, cuja chocante história haviam conhecido parcialmente. Havia lacunas, porém. Lacunas que gostariam de preencher, mas que teriam de esperar para serem respondidas. Enquanto isso, as irmãs voltavam ao jardim, silenciosas; talvez houvessem conquistado novas aliadas, mas não era uma certeza.


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Notas finais do capítulo

E aí? mereci reviews? Começamos a ter alguma noção quanto ao passado da Annie, em sua vida anterior ao bordel. Virão mais informações.
Deixem suas reviews, queridas, e beijos enormes, que estou caindo de sonos (se alguma coia ficou sem sentindo, me avisem, tá? beijos



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