Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 21
A última despedida


Notas iniciais do capítulo

Afinal, a conversa de Erik e Christine! Tomara que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/662451/chapter/21

Erik tremia ao descer da sela de César... Cinco anos. Havia cinco anos que não falava pessoalmente com Christine, e agora não sabia como agir. Sabia que cometera erros com aquela jovem, mas tudo o que fizera fora por amor! Talvez um amor doente e corrompido, como ele próprio, mas não menos verdadeiro por isso... Como poderia encará-la novamente, mesmo que fosse aquilo que seu coração mais ansiava por fazer?

Ocultando-se perto da entrada da galeira de arte, ele apenas escutou: uma mulher cantava na abertura da exposição e, embora aquela voz estivesse mais madura e encorpada do que há cinco anos, conhecia-a bem demais para não saber a quem pertencia. Christine continuava com a voz de um anjo, alcançando notas altíssimas com a suavidade do veludo, as notas de peito ressoando perfeitamente, as da cabeça se assemelhando ao som de um violino. Deus! Mesmo cinco anos depois, ele sabia exatamente como a voz da jovem resolveria a próxima frase musical, como esta soaria... E a perfeição dos trinados e volaturas tocaram seu coração, partindo-o em um milhão de pedaços. Ninguém jamais se equipararia à perfeição da voz da soprano.

Voz... Fora pela voz dela que Erik se apaixonara, muito mais do que pela mulher em si! Aquela voz que lhe trazia de volta tantas memórias, tantas lembranças... Memórias de dor e felicidade simultâneas, lembranças de música e melodia que o transportaram a uma outra época, onde ele acreditara que poderia ser feliz.

Estava perdido nos próprios pensamentos, tão distraído que não reparou que a música parara; finalmente, a mesma voz que encantara o público na abertura da Exposição o tirou de seu transe com uma única palavra:

– Anjo? – ele abriu seus olhos e, milagre dos milagres, desta vez não era uma miragem, nem mesmo um sonho: Christine estava ali, linda e delicada como sempre fora, os longos cabelos presos por uma tiara de pedras, revelando o rosto que pouco mudara, nos cinco anos de separação. Incrédulo, ele se aproximou da jovem, muito trêmulo, e lhe segurou a mão, como se temendo que ela desaparecesse:

– C-christine... – sussurrou o Fantasma, beijando a mão enluvada da dama, que sorriu tristemente e lhe acariciou a mão.

– Sim, meu Anjo. Sou eu. – ela olhou nervosamente em volta, para se certificar de que não eram observados, e gesticulou para que ele a seguisse – venha comigo.

Sem mais palavras, ela conduziu o Anjo da Música por uma escadaria, que os levou direto ao terraço da Galeria. Christine fechou a porta atrás de ambos, e explicou:

– Todos estarão ocupados com o show de abertura, ninguém irá reparar que saí, até o final. Temos tempo. – ela estava visivelmente nervosa, quase com medo, mas se obrigou a voltar para junto de Erik, e fita-lo nos olhos – Eu precisava vê-lo, outra vez, meu mestre.

– Por que queria me ver? – perguntou Erik, ainda não acreditando que estava desperto, que não se tratava de um belo sonho. Belo, mas doloroso, pois Christine continuava a mesma moça daquela noite em que o humilhara, desmascarando-o diante do público... Era impossível não se lembrar da traição, da mágoa, da dor.

– Porque cartas não podem substituir um olhar. Cartas não podem nos fazer ouvir a voz um do outro. Eu precisava olhar em seus olhos, falar com você pessoalmente. – respondeu a viscondessa, baixando o rosto em vergonha. Como encarar o homem a quem traíra tão vergonhosamente? Como suportar aqueles olhos dourados que, se agora estavam cheios de dor, era apenas por sua culpa? – precisava ouvir sua voz.

– Por que agora, Christine? – perguntou ele – por que depois de cinco anos?

– Porque não foi só você quem não conseguiu continuar... – ela suspirou, fitando-o com aqueles olhos castanhos que ele tanto amava – nós dois estamos presos um ao outro, Erik, desde aquele dia onde me deixou partir. Tentei fingir que nosso passado não me perseguia, mas não é verdade... Seus olhos, e sua voz... Eles estão sempre lá, no escuro, quando adormeço; a tristeza de seus olhos, em nossa despedida, me persegue e me atormenta. E saber de seu desespero torce meu coração, meu professor.

– Por que se importa, Christine? – ele não acreditava que ela lhe dirigia a palavra daquele modo, tão franca, tão vulnerável, confessando que se preocupava com ele! Só podia ser um sonho, do qual logo iria acordar! Quando fora que ele se fizera digno da atenção e da preocupação de Christine? Quando fora que um demônio se fizera digno da atenção de um anjo como ela? Queria abraça-la, acaricia-la, mas não tinha coragem de fazê-lo, como se seu simples toque pudesse macular a pureza da viscondessa.

– Porque eu te amo, Erik. – ela foi profundamente honesta, e aquelas palavras arrancaram lágrimas do mascarado, que se sentia morrendo e renascendo vezes seguidas – Eu sempre te amei. Não como uma mulher ama um homem, é certo, mas nem por isso é um amor menos válido, ou menos verdadeiro. Você não foi só uma voz na escuridão: foi meu mestre, meu professor... Meu pai. Por isso eu jamais poderia ser sua mulher: porque uma filha não pode se casar com o próprio pai, e isso você foi para mim. Meu consolo nas horas de dor, meu mentor, quem me tornou tudo o que sou...

Erik suspirou, e havia em seu olhar um misto de tristeza e alegria quando ergueu o rosto para ocultar as lágrimas que teimavam em escapar. Quando olhou para ela novamente, atreveu-se a tocar-lhe a cintura, trazendo-a para perto de si; a dama estremeceu, mas não se afastou. Ao contrário, deitou a cabeça no peito do Fantasma, e foi a vez dele de estremecer àquele toque. As palavras estavam presas em sua alma, emudecendo-o.

– Mas – Christine continuou – quando vi seu pior lado, toda a raiva e crueldade de que era capaz... Eu tive medo, Erik. Quando vi seu rosto, não temi sua deformidade, mas todo o ódio que lançou contra mim. – ela o fitou, penalizada e com ar de culpa – Não compreendi seus temores, suas dores... Era muito jovem, para isso, e fiquei aterrorizada, com medo que seu amor obsessivo acabasse por me matar. Foi tolice, e hoje eu sei... – ela acariciou o rosto dele, que agora já não continha mais as lágrimas – Mas creio que pedir perdão, apenas, não irá bastar, não é?

– Perdão, Christine? – pergunto ele – você me fez muito mal, é verdade... Mas o que mais um anjo como você poderia dispensar a uma besta tão horrenda? Cometi atrocidades, e é claro que isso a horrorizou, meu belo anjo. Não posso culpar senão a mim mesmo por não ser merecedor de você. Por isso deixei que partisse: não merece ficar presa a algo tão horrível e bestial quanto eu.

– Erik, por favor, não fale isso de si mesmo. – com muito cuidado, bem devagar, ela retirou a máscara branca do Fantasma, fitando seu rosto sem medo enquanto acariciava a deformidade – isso não define quem você é. Suas ações, sim. E foi pro isso que vim aqui, hoje, meu anjo...

Ele a fitou com ar confuso, parecendo quase uma criança, de tão vulnerável e exposto que se encontrava. Trazendo-lhe a cabeça contra o peito, perguntou:

– O que quer dizer?

– Quero dizer – ela se afastou o bastante para encará-lo – que eu não vou conseguir viver minha vida, enquanto não souber que você viverá a sua. A culpa me atormentou por esses cinco anos... Não posso ser sua mulher, Erik, mas isso não significa que sua vida acabou. Ainda é o gênio da arte que conheci! Não precisa se esconder pelo resto da eternidade, como uma fera enjaulada.

– Não há lugar para monstros, no mundo. – respondeu ele, pegando a máscara da mão dela e tornando a vesti-la.

– Eu não vejo um monstro. – insistiu Christine – vejo um homem. Um homem sozinho, e com medo. Um homem que fez escolhas erradas, mas, ainda assim, um homem. – e com um suspiro – por favor, Erik... Como posso viver, sabendo que o deixei nas trevas? Como poderei me perdoar, um dia? Eu devia ter tido esta conversa com você há mais tempo, mas estava com medo...

– E não está mais? – havia um leve cinismo na voz dele. Agora que o primeiro choque por rever sua amada passara, ficava o amargor causado pelas ações dela, que tanto o haviam machucado; de fato, pedir desculpas não seria o suficiente.

– Não. – respondeu ela – não estou. Não tenho mais medo, e sei agora que nunca deveria ter sentido! Mas não posso mudar o que passou, mestre... Só posso dizer que sinto muito, e que realmente desejo sua felicidade.

– Como posso ser feliz, Christine? Como posso ser feliz, sem você? – uma nota de desespero escapou na voz do Anjo, impossível de reprimir. Desespero porque, embora não se pensasse digno da soprano, não conseguia imaginar que, além dela, poderia ver sua alma torturada e devolver-lhe vida, do modo como o canto dela fizera. Sabia que, para sua amada, o melhor era ficar longe de si... Mas e sua alma (se é que ainda tinha uma)? Como poderia voltar a viver, sem seu Anjo da Música?

– Sua felicidade não pode depender de mim, meu Anjo. – disse ela, dolorosamente – Erik, eu vim até aqui porque... Porque queria dizer-lhe essas palavras pessoalmente, em vez de por carta. Você merecia uma explicação, e agora a tem. Eu sempre te amei, e sempre vou amar, mesmo que não seja o amor com que você sonhou; é por isso que preciso insistir em que se liberte: eu não posso lhe trazer nada, além de dor. Mas a vida pode lhe oferecer coisas maravilhosas. – ela tomou o rosto de seu mentor entre as mãos.

– coisas maravilhosas? – ele respirou fundo, com pesar - Você ainda não entendeu, Christine? Não há beleza, nem alegria, nem alívio na vida dos proscritos. Quem poderia me aceitar, me amar como sou? Ninguém. Já não sou um garotinho, para sonhar com alguém que possa fazê-lo... Sua música me trouxe alívio, inspiração, e até felicidade... Eu lhe dei tudo o que eu tinha, tudo o que poderia lhe dar... Menos o que vocês precisava. E então eu a perdi. Fecham-se as cortinas, e acabou-se o último ato.

– Não. – devolveu a jovem – só acaba com sua última respiração, Anjo. Eu fui apenas uma personagem secundária, em sua história, e acabou-se a minha cena... Mas outras personagens podem surgir, coisas surpreendentes podem acontecer.

– Como, Christine? Como?! – ele a segurou pelos braços com força, mas sem machuca-la – como as coisas poderão ser diferentes?

Ela o fitou com olhos cheios de pena, e o abraçou:

– Você é o maior músico e compositor que já houve. Certamente vai pensar em algo. De minha parte, tudo o que posso fazer, agora, é lhe desejar boa sorte, e implorar para que ao menos tente. Eu não posso continuar sendo a orientação de sua vida, meu mestre; precisa encontrar algo, ou alguém, que lhe dê o que precisa, pois eu nunca fui capaz de fazê-lo. Dei-lhe minha voz, minha alma e minha música, mas isso não o ajudou: ao contrário, o torturou, o prendeu e, quando tive de partir, o deixou sofrendo na escuridão... Isso não é amor. Não mesmo. – os dedos pequenos e finos secaram as lágrimas do homem – Prometa-me que tentará. Pelo menos tentará. Não posso ir embora, sem ouvir essas palavras.

– Eu prometo, Christine. – disse ele, enfim. Por mais que sua alma sofresse, sabendo que aquele era o adeus definitivo, o Fantasma sentia certo alívio, por ter podido uma última vez ouvir sua amada cantar, por ter visto seus olhos, e experimentado a doçura de sua bondade. Como um anjo bondoso, ela ficou na ponta dos pés e, delicadamente, deu um último beijo casto nos lábios do Fantasma.

– Adeus, meu Anjo. Seja feliz.

Desta vez, ele não caiu de joelhos: permaneceu em pé, firme e orgulhoso, tentando mostrar a ela que tentaria cumprir a promessa, por mais que sua alma estivesse despedaçada. E, pela primeira vez, percebeu algo diferente em si: o beijo de Christine, que devia tê-lo afetado profundamente, apenas selou a noção de adeus. Não representou nada. Não lhe despertou qualquer desejo, qualquer vontade de retê-la... Ao contrário, queria que ela se fosse, para poder ficar sozinho. E enquanto a bela viscondessa deixava o terraço, as lágrimas do anjo rolaram até que não houvesse mais pranto para derramar. De repente, um enorme peso saíra de cima de seus ombros: aquele adeus definitivo cortara os laços entre ambos e, embora fosse amar a soprano pelo resto de seus dias, já não sentia as cordas que pareciam puxá-lo para ela, antes. Estava livre. Uma liberdade desconcertante e dolorosa, acompanhada da sensação de perda definitiva, mas livre. Como o luto podia ser tão libertador?

Ficou no terraço ainda por um bom tempo, com várias perguntas em sua mente... O que fazer, agora? Para onde ir? Para o único lugar que realmente chamara de lar: a Casa do Lago.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Estou até com medo de perguntar qualquer coisa. Reviews, pode ser?
kisses!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anjo das Trevas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.