Anjo das Trevas escrita por Elvish Song


Capítulo 11
Improváveis aliados


Notas iniciais do capítulo

Olá, meninas! Bem vindas àquelas que chegam agora, e olá novamente às que acompanham; e o meu "muito obrigada" a todas vocês, que fazem essa história surgir aos poucos, a cada comentário lindo que deixam.



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Mais um mês se passou: o inverno chegara à França, em força total. Desde os primeiros dias, a neve se acumulava na frente do sobrado, e o frio pairava impiedosamente no ar. Com as baixas temperaturas, Erik passara a permitir que Annika saísse às ruas, até mesmo acompanhada da irmã: a mulher não seria tola de tentar partir com Gabrielle, no meio de um inverno tão rigoroso, o que o fazia sentir-se seguro para permitir aqueles passeios. Ele e Annika, também, haviam estabelecido uma trégua permanente no que concernia a fazer a pequena recuperar a voz; ambos discutiam juntos os exercícios a que a submeteriam, os melhores modos de libertar a fala aprisionada da criança (isso depois de a criada quase ter matado seu amo arremessando o atiçador da lareira contra ele, ao saber do que fizera para despertar a voz da pequena). Depois de brigas violentas, haviam chegado a um consenso e restabelecido uma paz instável.

Quando não estava trabalhando, brigando com Erik ou cuidando da irmã, Annika gostava de caminhar a sós. Num desses passeios solitários – Gabi ficara em casa, ensaiando com o músico – “apropriara-se indebitamente” de uma ou duas bolsas pequenas de moedas, o que lhe permitira comprar um presente de Natal para Gabrielle (um belíssimo vestido de festa, como a menina nunca tivera antes, verde-oliva, de mangas longas e largas, adornado com arminho branco na gola e nos punhos) e outro para Madame Tremain (um longo xale ricamente bordado, forrado de lã espessa que protegeria a velha senhora dos rigores do inverno). E embora não houvessem comemorado o Natal propriamente, as jovens e seu patrão cearam juntos. Fora uma noite especialmente tranquila, ao fim da qual Annika – a pedido da irmã, é claro – deixara sobre o piano uma rosa de tecido vermelho, apenas uma lembrança, acompanhada de um cartão da menina, que a própria Gabi desenhara e enfeitara com belas imagens, agradecendo a seu senhor. Sem compreender por que o fazia, porém, a mais velha perfumou a rosa com a essência de flores que costumava passar nos próprios cabelos. Pareceu-lhe que uma rosa perfumada estaria, de certo modo, mais viva do que se fosse uma simples rosa de pano.

Na manhã seguinte, porém, a vida parecia ter retornado ao curso normal: Erik voltara a ser taciturno, a não ser com Gabrielle; a menina se enfiara na biblioteca desde cedo, trabalhando na linguagem musical que desenvolvia – a despeito dos protestos de seu mentor e irmã, que insistiam em que ela tentasse trabalhar a fala. Porém, quase três anos sem falar haviam desabituado a menina de tal exercício, e o piano lhe parecia mais atraente do que os dolorosos e difíceis exercícios para obrigar sua ressecada e enfraquecida garganta a emitir algum som. Erik, surpreendentemente, ainda estava trancado no quarto, de onde só veio sair às dez da manhã, com uma carta nas mãos. Ele desceu as escadas para encontrar Annika limpando a sala; estendendo-lhe a carta, declarou:

– Preciso que entregue esta carta, senhorita Anjou. A neve parou desde ontem, e não deve tornar a cair antes do anoitecer. Vá ao estábulo aqui perto, pegue César, meu cavalo, e leve a carta ao endereço escrito. Sabe onde fica?

A jovem leu: tratava-se de um solar no centro de paris, a residência de um casal nobre, se não se enganava. Tentara roubar o lugar, uma vez, sem sucesso, mas não precisava dizer isso a seu amo; contentou-se com um aceno afirmativo de cabeça, que satisfez o senhor:

– Muito bem. Vá, e retorne antes que a neve volte a cair. Basta deixar o envelope no portão de entrada, e esperar um pouco para se certificar de que a senhora da residência o encontrou.

– Voltarei logo, patrão.

O Fantasma anuiu e subiu para a sala de música. Certamente passaria o dia todo trancado lá, trabalhando. Annika, por sua vez, não tardou em fazer o que ele dissera; enquanto cavalgava pelas ruas cobertas de neve, tinha um sorriso no rosto: embora ainda fosse uma escrava, uma serva, propriedade do homem que a comprara, aqueles momentos faziam-na sentir-se viva, livre como não era há dez longos anos.

*

O palacete era ainda maior do que ela se lembrava, com amplas janelas envidraçadas cobertas por cortinas brancas que não deixavam ver o interior. Ao redor do solar, um amplo jardim com várias fontes, caminhos floridos, canteiros e árvores. Era bonito, mas excessivamente requintado para o gosto da jovem.

Sem abrir o portão de ferro que dava acesso ao jardim, a moça deixou o envelope sobre a soleira, preso entre uma barra de ferro e o chão, para que o vento não o levasse. Ia se afastando, quando uma voz a chamou:

– Senhorita! – ela se voltou, e viu que uma jovem dama saía da mansão, vindo em direção ao portão. Era uma mulher pequena e franzina, de cabelos castanhos e cacheados, rosto inocente como o de uma menina, embora certamente tivesse por volta de vinte anos, como a própria Annika. Usava um vestido lilás e roxo, complementado por rendas e babados, e luvas de renda na mesma cor. Tudo nela transpirava elegância e delicadeza, a despeito da evidente gravidez (que deveria ir por volta do sexto mês) enquanto atravessava o jardim a passos leves como os de fada. Abaixou-se depressa, pegou a carta e a escondeu nas dobras da saia, encarando então a mulher loura – É a senhorita quem deixa essas cartas?

– Apenas hoje. Sou... Criada – ela quase dissera “escrava” – de Messieur Destler, e ele me pediu que lhe entregasse a carta. Sobre o que se trata, o que é a senhora, eu não faço ideia.

– Por favor, diga a ele para parar com isso! – pediu a moça – diga a ele que imploro para que não envie mais cartas! Meu marido, Raoul, ficaria possesso se soubesse, e iria atrás de Erik! Por favor, diga a ele para me libertar, para não me perseguir mais!

Naquele momento Annika compreendeu: tratava-se de Christine, o amor perdido de seu amo. Uma pontada irracional de ciúmes a atacou ante tal percepção, fazendo com que tivesse vontade esbofetear seu amo e a fadinha delicada a quem ele amava. Alguns homens REALMENTE mereciam ser traídos! Um homem que continuava a mandar cartas de amor para uma mulher que escolhera outro era alguém sem um pingo de amor próprio, que mais merecia, mesmo, ser pisoteado! Idiota! Foi com dificuldades em conter a raiva de Erik – por que sentia raiva dele? Por mandar cartas para uma mulher?! – que respondeu à dama:

– Madame, se conhece ao menos uma breve parcela do caráter de meu senhor, sabe que minhas palavras apenas o enfurecerão, e farão com que se torne mais obstinado. Gostaria de poder ajuda-la, mas ele não me ouvirá.

De olhos baixos, a moça deixou escorrer uma lágrima; por um lado, aquilo irritou Annika – pessoas fracas, que choravam por qualquer coisa, a deixavam profundamente irritada – mas por outro, a dama parecia tão frágil, tão vulnerável, que ela teve vontade verdadeira de ajuda-la. Certamente não teria sido fácil, para uma garota daquelas, ser alvo da paixão de um homem louco e perturbado como seu patrão. E mais difícil seria agora, quando ele insistia em perturbá-la, ameaçando até o casamento da moça. Não parecia certo que ele o fizesse.

– Eu sei... – gemeu Christine, com olhos cheios d’água – mas meu marido não pode saber do que se passa, para o próprio bem de Erik. – ela segurou as grades e apoiou o rosto – sei que somos estranhas uma à outra, mas poderia lhe pedir um favor? De uma mulher para outra?

Hesitante, Annika finalmente anuiu, e Christine continuou:

– Quando ele lhe mandar que traga uma carta, não a deixe no portão. Raoul poderia chegar mais cedo e encontra-la... – ela apontou para uma árvore que crescia junto ao muro – deixe no oco daquela árvore, onde eu a pegarei mais tarde.

– Eu farei isso, Madame. – e se virou para ir embora; de repente, num rompante de simpatia que não costumava demonstrar, virou-se outra vez para a mulher de cabelos castanhos – E, a propósito, meu nome é Annika, Madame de Chagny. – e num sorriso, fez uma mesura – e agora, não somos mais totalmente estranhas. – disse aquilo com um sorriso que foi devolvido pela outra, antes de subir em César e retornar pelas ruas, com suas opiniões e sentimentos divididos: Christine era uma mulher fraca, obviamente... Mas o que devia irritá-la, fazia com que quisesse proteger a outra de seu obsessivo amo. Ao mesmo tempo, condenava a jovem por ter deixado aquele relacionamento com Erik de tal modo não-terminado, deixando que ele ainda tivesse alguma esperança. E, sobretudo, estava profundamente irritada com messieur Destler, por ser estúpido a ponto de continuar sofrendo de amores por uma mulher a quem jamais poderia ter! Idiota!

Perdida em seus pensamentos, ela devolveu César ao estábulo e, depois de ter escovado e tratado do animal – do qual muito gostava – tomou o caminho de casa, a poucas quadras dali. Mas não chegou a perceber olhos maldosos que a acompanhavam em seu trajeto.

POV Erik

Já estava começando a ficar apreensivo: Annika já deveria ter retornado! Onde estava aquela mulher?! Certamente não fugiria sem a irmã, mas então, onde se metera?

Avisei Gabrielle de que ia sair, e lhe pedi que trancasse as portas e não as abrisse, a menos que se tratasse de Annika, ou de mim; peguei meu florete e o prendi na cintura, antes de sair. Estava com um mau pressentimento de que a tola senhorita Anjou se metera em problemas, e não pretendia ir desarmado.

Fui até os estábulos, saber se ela já havia chegado, e encontrei César guardado em sua baia, escovado e alimentado. Então, fazia mesmo algum tempo que ela voltara! Mas onde estava? Deixei o estábulo e procurei pelos rastros de sapatos femininos, mas havia muitos. O que me restava era refazer o caminho para casa, tentando achar indícios da passagem de minha serva.

Três quadras depois de sair do estábulo, encontrei o primeiro rastro: um pedaço rasgado do vestido que usava, e manchado de sangue! Mas o que acontecera com aquela garoa tola?! Encontrei as marcas de suas pegadas, e as segui por ruas que levavam para o lado oposto ao da casa; ela fora seguida, e isso ficava claro por grupos de pegadas masculinas. Sem compreender porque, eu sentia uma raiva assassina contra quem quer que ousasse tocar em Annika!

Ia virar uma esquina, quando um braço veloz tentou me golpear com uma faca. Defendi-me com o florete, surpreso ao ver que se tratava de minha criada. Ao me ver, ela me puxou para junto de si, para dentro do beco em que se ocultava, e fez-me sinal de “silêncio”. Seu vestido cinza tinha o decote rasgado, assim como a manga, da qual faltava um pedaço. Havia sangue nas vestes dela, mas a falta de ferimentos indicava que não era sangue dela.

– O que aconteceu? – perguntei num sussurro.

– Homens de Lucian. – devolveu ela, no mesmo tom – cinco deles. Quatro estão vindo para cá, mas perdi o quinto. Quando chegarem, pegue os da esquerda, que eu liquido os da direita.

Por um instante pensei em protestar, coloca-la atrás de mim e defende-la, como minha honra de homem exigia que fizesse... Mas Annika não era uma “donzela em perigo”, e parecia perfeitamente capaz de lidar com dois inimigos. Assim, sendo, assenti.

Ouvimos as vozes de seus perseguidores, e a escondi sob minha capa, para que nos misturássemos às sombras; ela não se moveu, mas enrijeceu ao contato com minha pele – não a culpo por isso. Eu mesmo me senti... Estranho, por tê-la em meus braços, seu corpo tão quente e macio, sem fugir. Uma sensação estranha, que poderia ter sido boa, não fosse a situação de tensão em que nos encontrávamos. Afinal, a figura dos quatro perseguidores assomou à entrada do beco, e soltei Annika para que cada um de nós fizesse o que devia.

O tempo que levei para alcançar meus dois adversários foi mais do que ela levou para fazer tombar o primeiro, arremessando uma faca direto em seu pescoço. O segundo pareceu hesitar, assustado com a morte súbita do companheiro, mas então avançou para ela. Não vi a luta de ambos, pois estava ocupado em matar meus inimigos com o florete: desviei-me de suas facadas, que cortaram apenas o ar, e estoquei o primeiro, que caiu de joelhos, as mãos no ferimento que atravessava seu corpo. Lancei-me então num corpo-a-corpo com o segundo, e o arranquei do chão, arrebentando sua cabeça contra a parede. Só então voltei-me para Annika, que parecia estar com problemas: o homem imobilizara seus pulsos. A moça, porém, deu-lhe um chute forte na virilha e, quando ele afrouxou o aperto, soltou-se e arrancou a faca de seu atacante do cinto dele, cravando-a na barriga dele. Eu terminei aquela luta, arrancando-o de cima dela e esmagando sua cabeça contra a parede do beco.

Livres dos atacantes, fitamos um ao outro por alguns segundos, com um meio sorriso, antes que o som de passos nos despertasse; voltei-me rápido, e o quinto homem – aquele que minha criada perdera de vista, e do qual arrancara sangue – estava à entrada do beco, com uma pistola apontada para mim. Preparei-me para me esquivar à bala – não tinha certeza se ainda era rápido o bastante para tanto – e o fiz quando ouvi o disparo. Mas algo deu errado: um segundo disparo se seguiu ao primeiro, com diferença de apenas um segundo, e uma dor aguda atravessou meu braço. Fitei o homem que me baleara, e ele encarava com incredulidade a mancha de sangue em seu peito, antes de vacilar e cair.

Voltei-me para Annika, ainda confuso com o que se passara, e então compreendi: ela tinha uma segunda pistola empunhada com as duas mãos, estava pálida e tremia um pouco, mas ainda saía fumaça do cano da arma. O primeiro tiro fora dela; ao ser acertado, meu inimigo disparara, acertando-me o braço esquerdo. Alguns centímetros para o lado, e teria acertado o coração... Eu, literalmente, devia minha vida à garota!

Ao olhar para mim e ver o sangue que começava a se espalhar pela manga de minha camisa, ela deixou escapar um grito:

– Ah, meu Deus! O senhor está ferido! – e largou a pistola, correndo a me examinar, parecendo totalmente esquecida de nossas brigas, de nossos desentendimentos. – A bale está dentro do músculo, mas não tenho como tirá-la aqui. Temos que ir para casa. – ela tentou me apoiar, o que quase me fez rir: que apoio uma menina com o peso dela podia, de fato, dar a um homem do meu tamanho? Ainda assim, fiquei surpreso com a força da garota, antes de me esquivar:

– Estou bem, Annika. Foi no braço, não na perna. Eu posso andar.

– certo, mas não vou deixar que vá sangrando pelo caminho. – ela rasgou mais uma tira do próprio vestido, que já estava bastante destruído, e a usou para improvisar um torniquete acima do ferimento. Foi doloroso, mas não me permitiria gritar, especialmente na frente de uma mulher como Annika; ninguém tinha o direito de ser fraco, na presença daquela mulher.

POV Annika

Messieur Destler salvara minha vida. Sim, pois eu não teria forças para enfrentar cinco homens armados, e não havia como fugir do beco, bloqueado por um muro de três metros. Quando aquele quinto homem apontara sua arma para ele, eu não pensei no que fazia: simplesmente tirei a pistola do cadáver aos meus pés e, mesmo sem jamais ter tocado numa arma de fogo, atirei. Não sei como, mas acertei o peito do recém-chegado, e isso desviou seu tiro, que acertou o braço de Erik, em vez de seu coração ou cabeça.

Ver o ferimento que ele recebera, apenas porque estava me protegendo – o que o levara a se preocupar comigo? – me fez sentir culpada. Examinei a ferida e fiz um torniquete para cortar a hemorragia até chegarmos em casa. Quando o fizemos, Gabrielle veio abrir com ar de preocupação:

– Meu Deus, o que houve?

– Homens de Lucian. Vieram atrás de mim, e Erik me ajudou. Ele foi baleado no braço; preciso que ferva água para mim, querida, para poder limpar o ferimento.

Obriguei meu patrão – que estava de péssimo humor, com óbvios motivos – a se sentar na poltrona da sala, e tirei sua camisa para ver o machucado. Ele pareceu muito constrangido, mas eu não tinha tempo para isso. Abri um pouco a ferida para tentar ver a bala, o que o fez protestar:

– Está tentando abrir mais a ferida?

– Pare de ser frouxo e aguente. – censurei, admirada com a largura do braço de Erik – A bala parou no músculo, mas acho que devemos chamar um médico para retirá-la. Está profunda.

– Sem médico. Pegue uma pinça e tire.

– Eu não sou qualificada.

– É só puxar a maldita bala! – censurou ele – Não sabe fazer isso? Em que raios de ruas você cresceu?

– Nunca tratei de um baleado, antes! Brigas de faca, tudo bem, mas tiros?

– Apenas tire a bala, lave a perfuração e costure. – orientou meu amo, trincando o maxilar. A dor devia ser horrível, mas ele sequer gemia; apenas cerrava o punho do braço bom, numa coragem que eu não esperava ver.

– Senhor, a dor será insuportável! – constatei, desatando o torniquete improvisado.

– Não para mim. Já suportei coisas piores. – respondeu, impaciente – Ande, Annika! Ou vai esperar que a bala saia sozinha!

Meneei a cabeça em desaprovação, mas não discuti mais: Erik não me escutaria, de qualquer forma. Olhei a ferida, incerta: nas ruas, acabávamos tratando de feridas de faca, escaras e esfolados com o mínimo de recursos, mas eu nunca cuidara de um ferimento à bala. Gabrielle veio para a sala com uma bacia cheia de água fervida, e panos limpos. Preocupada, pedi:

– temos curativos?

faixas – respostas de uma única palavra ainda eram tudo o que ela podia falar de um só fôlego, mas isso era muito mais do que eu jamais esperara! Porém, aquela resposta não me agradou. Se faixas eram tudo o que tínhamos, eu precisaria costurar a pele! Droga!

– Preciso de pinça, agulha, linha e uma vela, Gabi. Vou ter de costurar a ferida. – minha irmãzinha só anuiu e correu para nosso quarto, buscar o que pedira. Eu, por minha vez, me voltei para messieur Destler – vou tirar a bala. Mas precisa ficar prado.

– Não vou mexer um músculo. – prometeu ele, e juro que quase vi um sorriso em seu rosto!

Gabrielle trouxe o que eu pedira e, depois de manda-la para a biblioteca, comecei a fazer o que podia para trata-lo; tirei a bala, admirada com o fato de ele não mover um único músculo. Tudo o que fez foi deixar escapar um gemido, enquanto eu tornava a improvisar um torniquete e pressionar o buraco, até que o sangue parasse. Quando isso aconteceu, usei a água e os panos para lavá-lo, e então fechei o ferimento com linha e agulha, cobrindo a costura, em seguida, com uma faixa limpa.

Terminei de amarrar a faixa no braço dele, evitando seu olhar e, para minha surpresa, senti seus dedos em meu colo, tocando-me com delicadeza. Prendi a respiração enquanto a mão dele subia pela linha de meu pescoço numa suave carícia, e senti-me estremecer; um calor desconhecido subiu por meu corpo, acelerando meu coração. Não havia me machucado, mas minha pele estava extremamente sensível, e não sabia o motivo. Ergui os olhos, ofegante, encontrando as luzes douradas em seu rosto: tinham um brilho intenso, mas sem qualquer traço de crueldade ou raiva. Parecia curioso, assustado, perturbado mesmo, mas feliz, de algum modo que eu não compreendia. Provavelmente era o mesmo olhar que havia em meu rosto.

– Não podia ter atirado um segundo antes? – perguntou ele, me provocando.

– Da próxima, atiro no senhor, se não achou bom o que fiz. – e sorri – pode agradecer: eu nunca havia atirado com uma arma de fogo.

A mão de messieur subiu por meu pescoço até alcançar meu rosto, acariciando-o com delicadeza; eu estava totalmente hipnotizada por seus olhos, por seu cheiro delicioso e masculino, pelo som de sua respiração entrecortada... Não uma hipnose forçada, como aquela à qual fora submetida há semanas, mas um fascínio legítimo e poderoso. Todo o meu corpo se arrepiou quando a mão dele se entrelaçou a meus cabelos, impedindo-me de me afastar... Como se eu fosse tentar!

– Obrigado, Annika – suspirou enfim, e nossos rostos se aproximaram. Deus, aquilo era loucura! Aqueles beijos roubados, não eram apenas impróprios! Eles me tiravam completamente de meu juízo perfeito, faziam-me perder toda a noção de certo errado, esquecer-me da raiva que me movia. Mas como resistir?

Nossos lábios se tocaram, a princípio delicadamente, antes que o beijo se tornasse mais profundo, ainda que suave. Não foi algo sensual, mas havia claro desejo; desejo, e algo mais. Algo que eu não sabia reconhecer...

Separamo-nos após um tempo que foi infinito e extremamente breve, ofegantes; eu estava muito confusa, culpando-me por sentir aquela atração quando deveria estar preocupada em manter minha irmã a salvo, mas... Mas como me ressentir dele, quando acabara de salvar minha vida? Ele ajudava Gabi a recuperar a voz – eu já não acreditava, realmente, que ele fosse devolvê-la; era perceptível o carinho que tinha por ela – e agora salvava minha vida. Todos os sentimentos que eu usava para embasar minha necessidade de fuga ruíam embaraçosamente, deixando-me numa situação muito difícil, de encarar a mim mesma, e tentar descobrir o que exatamente estava sentindo. Mas que loucura absurda! Absurda e maravilhosa!

As mãos dele me soltaram, mas eu não pude resistir: acariciei o lado de seu rosto não coberto pela máscara, e o beijei outra vez, antes de sussurrar:

– Obrigada, meu senhor. Obrigada por salvar minha vida. – e me levantei, trêmula, subindo as escadas para buscar Gabrielle. Agora, queria apenas me banhar e dormir: haviam sido emoções demais para uma só noite, e tudo o que queria era tomar um banho e dormir, para tentar desfazer a enorme bagunça em minha mente.


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Notas finais do capítulo

Reviews, pode ser?
beijos, minhas flores!