Uma semana depois.

Cidade dos Construtores, 09 de junho de 1968

Querido tio Willi,

Hoje foi falado a respeito da segunda peneira que irá acontecer no próximo mês. Pelo que entendi, vai ser algum um pouco diferente do que aconteceu em testes anteriores.

O mais intrigante é que eles não especificaram o que era. Estou muito curiosa. Mas, minha curiosidade não chega nem perto da de Niki. O pobrezinho não para quieto nunca, tem treinado e estudado mais do que o devido, até mesmo fora do horário.

Eu sei que se fosse eu o senhor com certeza arrancaria as minhas orelhas fora. Diria que eu estaria sendo negligente com o meu corpo pois excessos fazem mal. Mas Niki não parece se importar com isso, ele é do tipo de que só pensa em vencer, conquistar seu objetivo não importando o que aconteça. Eu já desisti de falar para ele que isso não bom até certo ponto. Mas, que disse que ele me escuta?

 Ah, tio, estou com muitas saudades de todos.

Queria fazer cartas mais long as mas, o tempo não me permite.

Um abraço da sua sobrinha preferida

Lilly.

Já era noite, passando das 22 horas. Logo os jovens pilotos e recrutas ouviriam o toque de recolher. Mas quem disse que esse pessoal leva a sério o tal toque? Até mesmo Niki, que é um menino que vai para a cama cedo todas as noites, ultimamente tem deixado isso de lado.

Desde que os dirigentes fizeram o mistério em volta da prova que definiria os 25 escolhidos para Sub-divisão F2, Lauda treinava e estudava como um louco. E isso já estava começando a dar resultados nada agradáveis. O rapaz tinha olheiras visíveis, um mal humor do cão e vivia a base de café. Lilly o deixou de lado nos últimos dias por não suportar o ar rabugento dele. Enquanto o austríaco se afogava em sua dedicação extrema, sua então colega de beliche se enturmava com outros rapazes. Um deles era Françóis Cervet. Por falar francês muito bem, a jovem não demorou a começar a conversar com ele. Françóis era adorável, simpático e tinha um charme principesco que deixava Lilly corada sempre o que via.

Flertes a parte, ainda tinha James e sua tentativa frustrada de fazer com que Niki ajudasse a ele e seus demais colegas. Não serial á muito fácil, tendo em vista que ele não sabia bem o que fazer para conseguir tal intento, e os outros rapazes começaram a lhe cobrar respostas. Porém naquela noite, para a alegria de James, os deuses estariam prestes a sorrir para ele.  

O inglês sabia que Niki poderia estar na biblioteca, fazendo suas pesquisas. E então ele o viu, em meio aquela montanha de livros de engenharia, motores e outras coisas. Quando ele se aproximou viu que Niki estava dormindo em cima de um livro. Uma de as mãos descansava em cima de um lápis caído.  Havia também um garrafa térmica de café vazia.  James notou que ele parecia bem esgotado, e até sentiu uma certa pena de seu rival particular.

Não podia negar. Apesar de frio e antipático, o sujeitinho era muito dedicado ao que estava fazendo. Mas, James não era um santo, e alguma vantagem ele tinha que tirar daquela situação. Até que seus olhos miraram um caderno que estava embaixo do livro onde Lauda estava debruçado.

— O que está fazendo? – a voz de Lilly fez o inglês se assustar brevemente.

— Ah – ele colocou a mão nos fios loiros – eu… bem estava…

Lilly estreitou os olhos.

— Eu estava procurando por ele – James apontou para Niki que dormia – mas, veja só! Eu achei aqui dormindo.

A garota se aproximou do amigo, preocupada e ao mesmo tempo com um ar de total desaprovação.

— Niki, Niki… olhe só para isso – e então virou-se para James – bem, já que está aqui, pode me ajudar a leva-lo para o dormitório?

— Claro! - uma ideia surgiu na cabeça de James – Por que não?

Enquanto Lilly levava as coisas de Niki, Hunt carregava o mesmo sobre suas costas. Lauda estava tão cansado que não acordou nem nada. Estava mole feito uma gelatina.

— Eu sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde – Lillly comentou de repente.

— O quê? O fato de ele está cansado?

— É – ela suspirou – ao menos agora ele vai dormir um pouco.

— Você se preocupa muito com ele – o inglês observou – tem algum interesse em Niki?

— Não – ela o encarou e depois fitou Niki de dormia arriado na costa de James – Niki é meu amigo, apenas isso.

— É, faz sentido. Caras como o ratinho aqui não são do tipo que desperta algum interesse em garotas.

Liesel arqueou uma das sobrancelhas quando retrucou.

— É aí que você se engana, James.

James franziu as sobrancelhas, e Lilly deu sorriso misterioso.

— Garotos como Niki também tem suas qualidades, e há garotas que gostam de rapazes sérios.

— Se você diz…

Os dois não conversaram muito. Quando chegaram no dormitório, James colocou Niki na cama. O garoto nem se mexeu, apenas resmungou alguma coisa em alemão e se virou para o outro lado. Ele olhou de soslaio para Lilly que terminava de colocar as coisas do colega ao lado do beliche deles. Algo que lhe dizia que aquele caderno de couro tinha alguma coisa.

*

— Cadê você?

— O que está procurando? – Lilly estava sentada na parte de cima do beliche.

— Era para ele está aqui – Lauda revirava suas coisas, nervoso – Onde está, porra!

— Niki – a garota o chamou -  o que você está procurando?

Ele finalmente virou para ela.

— Não acho meu caderno.

— Caderno? Que caderno?

— É… é, um caderno de anotações meu, era pra está aqui. Ele tem uma capa de couro.

— Que estranho. Eu trouxe todas as suas coisas quando voltamos da biblioteca.

— Voltamos? Como assim?

A garota deu um suspiro.

— Você apagou em cima da mesa. Eu peguei as suas coisas e o James te carregou até aqui.

— Ele me trouxe? O que o asshole estava fazendo lá?

— Não sei – a garota deu os ombros – ele queria falar com você. Ele até foi bem prestativo ontem.

— Prestativo… - algo não muito bom apitou nos instintos de Niki – desde quando que aquele idiota é prestativo?

— Como assim?

Lilly foi ignorada, por logo seu amigo saiu andando de lá a passos largos.

James estava sentado observando os pilotos de teste treinando nos exoesqueletos. Na noite anterior havia surrupiado o caderno de Niki, e ficou impressionado com os esboços de armaduras e equipamentos que tinham ali, além de algumas anotações.  Deu um meio sorriso, seria questão de tempo para que o rato viesse atrás dele.

— Hunt! – ouviu a voz do mesmo atrás de si.

Hunt virou o rosto para encarar o sujeito 14 cm mais baixo que ele. O inglês tinha um sorriso condescende no rosto.

— Seu filho da puta miserável – o austríaco rosnou – devolve o meu caderno!

— Quê isso ratinho? Onde estão os seus modos? Achei que vinha de umas as famílias mais ricas de Viena.

— Modos meu ovo! Me dê logo o que meu! – Niki tentava se aproxima mas James se esquivava. Estava se divertindo como nunca.

— Fala desse aqui – ele levantou um dos braços, colocando o caderno mais alto possível de Niki que tentava alcançar a todo custo, em vão.

Para quem era frio e controlado, Niki estava de uma forma que, ao ver de James era impagável.

— Para com isso e me dá logo! – o rapaz se afastou bufando de raiva.

— Claro, contanto – o inglês deu um sorrisinho presunçoso – que você aceite a minha proposta. Aquela lá…

— O quê? Isso é golpe baixo – Niki iria protesta mas James o cortou.

— Você quer o seu caderno não quer?

Niki resmungou algum palavrão em alemão.

— Que se foda! Diga logo o que quer?!

— Você vai ajudar a mim e aos demais, sem custo nenhum… é pegar ou largar.

— Que porra Hunt! Tá que seja, eu aceito a merda da sua proposta! Agora me dá droga do meu caderno!

— Aqui está – James entregou o caderno.

Niki praticamente arrancou o caderno dele, e colocou o mesmo dentro do macacão. Fitou Hunt com um misto de raiva e humilhação. Ah, aquilo teria troco, e ah se não teria….