Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 47
Invocação


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Emily Foster



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A responsabilidade era minha. Acima de tudo, era minha. Os claros olhos profundos e misteriosos de Sam evidenciavam a riqueza das suas últimas palavras. O mundo, a realidade, a nossa essência iria deixar de existir, se porventura, eu me recusasse a matar Lúcifer, ou se tudo desse errado de última hora.
— Não é ruim morrer por todos nós — disse ele, inclinando a cabeça para o lado. — Você sabe que mesmo que consiga prendê-lo, ou até mesmo matá-lo... será difícil sobreviver, não sabe?
Sua pergunta na verdade não foi uma pergunta, foi uma afirmação. E eu esperava mais da minha própria reação ao ouvir essas palavras em voz alta. A morte. Minha mente sempre tentava — de toda forma — afastar essa palavra, porém ela sempre fazia questão de aparecer, seja direta ou indiretamente. E dessa vez apareceu através de Sam, que cruzou os braços esperando uma resposta minha. Meu corpo respondia a todo momento, soltando pequenos espasmos e arrepios, mas por onde eu deveria responder... bem, simplesmente não funcionava. Minha boca não se movia, embora eu quisesse afirmar claramente e tranquilamente que sim, seria fácil e até bonito morrer pela humanidade.
Mas ainda assim... embora eu quisesse salvar a todos, não era fácil abrir mão da sua vida concretamente. Imagino que, em todas as pessoas que já pensaram em se suicidar, pelo menos, grande parte dela hesitou — e até desistiu — de se matar momentos antes de cometer a ação.
E comigo estava sendo da mesma forma, embora eu não quisesse cometer um suicídio, ainda soava-me quase da mesma forma que eu assinasse um termo de morte.
— Sam? — Susan apareceu atrás de mim, assustando-me de repente. — Não é melhor você conversar com Ezandriel? Ele não me parece bem.
Sam assentiu para Susan, mas antes que pudesse dar meia volta, ele soltou um olhar assustador e de aviso para mim. Ele queria continuar a viver de qualquer forma — mesmo que eu tivesse que morrer por isso.
— Emily... — Susan me abraçou fortemente, como uma mãe consolando sua filha. Ela também sabia. Ela sabia tanto quanto eu do risco que correríamos — e de que o mundo iria acabar se tudo ficasse nas mãos de Sam.
Mas antes que palavra alguma pudesse sair da minha boca, apenas o pranto das lágrimas surgiram. O abraço apertado de Susan fora urgente, protetor e desesperador. Fora algo como uma despedida antecipada. A realidade deixaria de existir, e o que conhecemos hoje como o nosso mundo, o universo... já não existiria mais.
— Precisa ser feito — disse ela asperamente. — Precisa acontecer, Emily.
Eu a olhei, e seus olhos negros tornaram-se quase sombrios.
— Não.
A voz mais linda do mundo ecoou vindo de trás. Philip parecia cansado, exausto, mas havia, de certa forma, a parte mais importante a ser pronunciada: a esperança em seus olhos.
— Não será feito. A realidade não vai acabar.
As lágrimas de Susan caíram continuamente, sem controle, enquanto eu secava as minhas. Philip se aproximou e fez o trabalho para mim. Ele me olhou dentro dos olhos, segurando meu rosto de forma protetora, e permaneceu assim por longos segundos. Seu olhar era de pena, ou talvez fosse tristeza... mas antes que eu pudera identificar ele me puxou para um abraço, apertando-me com força contra seu peito.
Eu não sabia no que ele pensava, mas era algo próxima a ideia de que eu não iria — de forma alguma — participar desta luta. Philip iria tentar, ou iria morrer tentando. Mas ele não poderia, jamais e de forma alguma, saber o que iria acontecer, o que eu iria fazer no momento em que visse Lúcifer, cara a cara. Como eu reagiria? Eu também não sei. Mas a probabilidade de algo surreal acontecer comigo e com meus poderes nesse momento — a descarga que iria ser liberada pelo ódio...
— Vai ficar tudo bem — disse-me ele, fixando-se em mim novamente, segurando meu rosto como se pudesse me acolher para sempre, com todo o amor do mundo.
E eu não consegui responder nada, apenas desejei poder, e dizer a ele, com todas as letras que sim, eu irei me certificar que todos vocês sobrevivam.
— Queridos — chamou Sam, numa milésima olhadela para mim. — Ezandriel tem algo a nos dizer.
Ao seu lado estava o Serafim, o rosto pálido, suado e aparentemente muito nervoso. Ezandriel abriu a boca para falar, mas apenas o ar saiu dela. Ele respirava de forma ofegante e contínua, e eu pensei que ele iria enfartar — mas anjos enfartam?
Ezandriel engoliu em seco, e olhou nos olhos de todos.
— Eu pegarei... — uma pausa nervosa. — Eu pegarei o livro... — ele fechou os olhos como se fosse chorar. — Oh céus, o que estou fazendo?!
Sam olhou para ele, o que foi suficiente para Ezandriel mudar sua possível conclusão.
— Eu pegarei o livro pra vocês. Só preciso de duas horas terrestres.
— Uma hora terrestre, e menos de trinta minutos em Summerland.
Ezandriel fuzilou Sam com o olhar.
— Vocês não tem como contar.
— Temos sim. — Sam tirou do bolso um relógio em miniatura.
Ezandriel riu falso.
— Você já veio preparado, não é? — Ele riu sem humor. — Eu não acredito!
 — CALA A BOCA, EZANDRIEL! Ou você sabe bem o que lhe acontecerá.
Ezandriel fechou a boca, numa seriedade absurda. Sammuel estava ameaçando o anjo?
De repente Ezandriel andou poucos metros e abriu os braços, olhando para o céu. Numa pequena fração de segundos depois, uma luz branca muito forte surgiu em seu peito, e ele soltou um grito. Mas não havia dor nele, havia raiva. Um clarão atingiu a gruta, assustadoramente, e então ele sumiu.
— Ameaçando-o, Sam? Você era menos baixo na época em que missionávamos juntos. — Disse Philip, parando em frente à ele.
Sam o observou.
— Você quer ter alguma chance de nos salvar, ou o quê?
Philip revirou os olhos.
— Sério? Não havia MESMO outra forma?
— Não, Philip, não havia.
Depois dessa pequena conversa, o clima tornou-se tenso. Philip e Sam não se falaram mais, e o nervosismo e tensão no lugar só aumentaram. Susan e eu tentávamos encontrar alguma saída com o livro que ela conjurou para Summerland que falava sobre magia. Mas ele era inútil, todas as magias dele pareciam fracas e improváveis. E a cada momento que uma página do livro era passada, uma chama esperançosa dentro de mim apagava-se completamente, e o meu irreversível destino iria finalmente concretizar-se. Eu não estava com medo, só estava triste, porque eu sabia que as chances de um dia, no céu, eu ver Philip, eram mínimas.
Como eu viveria em ele?
Trinta minutos depois, uma hora.
Duas horas.
Três horas depois, todos nós já havíamos entendido que Ezandriel havia fugido. Sam estava enlouquecendo, e minha visão doía e ardia de tanto ler.
Quando finalmente chegamos à última página, Susan me olhou com uma visão de tristeza e um "sinto muito" mudo saiu de sua boca.
Fechei meus olhos.
— Iremos encontrar um jeito de ajudar Sam, Emily. — Ela colocou a mão no meu rosto, afagando-me. Enquanto isso, eu reprimia minhas lágrimas.
— Ei... Meu amor... — Philjp veio logo atrás de mim, pousando as mãos nos meus ombros e sentando ao meu lado. — Shhh! Vai ficar tudo bem, não se preocupe... Eu cuidarei de você. Eu a protegerei. Eu prometo.
Suas palavras foram urgentes, e se eu não planejasse aturar-me contra Lúcifer, eu poderia temer que Philip fizesse alguma besteira.
E então, de repente, o clima tornou-se gélido, e a luz de um anjo — cegamente branca — surgiu do alto da gruta. O brilho intenso atravessou minha pupila e eu tive que desviar. Todos desviaram. Houve um barulho abafado de explosão, e então, a chama apagou-se, dando em seu lugar o corpo humano de Ezandriel.
Ele parecia chorar, ou talvez, que havia chorado.
— Tome — sua voz era fraca, acabada e arrependida.
Em sua mão, surgiu um livro grande e grosso, com a capa de couro branco e detalhes dourados. No meio dele, um símbolo de uma chave brilhava.
Sam o fitou por longos segundos, até que retirou da mão dele o livro. Ele parecia mais pesado que a força aparente que Sam usou para levantar.
Ele então olhou para mim, por um pequeno e breve momento.
— E agora? — Eu perguntei.
— O feitiço. — Disse ele.
Sam abriu então o livro, e de dentro dele uma luz clareou as folhas. Elas pareciam atravessar as extremidades da folha, como se ela fosse muito, muito importante. O anjo então folheou o livro lentamente, como uma relíquia — de fato, ela era.
— Céus... O que estamos fazendo...? — Perguntou Susan, abaixando a cabeça.
— Silêncio, bruxa — disse Sam, fuzilando-a com o olhar.
— Espere — disse Tom. — Rezem mentalmente.
— O quê? — Perguntou Sam.
— Sim, o livro irá desaparecer se não rezarmos. Ele saberá que não somos autorizados e desaparecerá. Isso não é o livro verdadeiro, é apenas uma conjuração.
Sam permaneceu olhando-o, e então abaixou os olhos para a página novamente.
— Fechem seus olhos — pediu Philip.
Todos o fizeram o que ele pediu, e em seguida, tentei-me lembrar da reza que a mamãe costumava me ensinar.
Um minuto depois, Sam foi mais urgente com as páginas. E quando finalmente encontrou, seu olhar foi parar em mim novamente.
— Sua mão — pediu ele.
Eu hesitei, mas o fiz segundos depois.
Quando toquei em Sam, seus dedos eram ásperos e desgastados, como se tivessem passado por uma longa jornada de trabalho.
Ele posicionou minha mão em cima da página do livro. Ela coube perfeitamente.
Segundos depois, senti algo arder levemente, como se o livro estivesse embrulhando minha mão. De repente, Sam fez o mesmo, só que na outra página. Ele fez uma careta incomodada.
— "Que inversa, que reversa, que sejamos nós é somente nós".
Um som fino saiu de dentro do livro, e a luz novamente apareceu, clareando em torno da minha mão. Desta vez, queimou com mais força, e eu senti dor. Meu corpo pareceu fraquejar e minha visão ficou turva. Em poucos momentos, vi de maneira assustadora e inacreditável, o anjo mudar-se para um eu mais jovial.
— Oh meu Deus! — Exclamou Susan.
— Só temos uma hora — disse Sam, apressado.
Sam era exatamente eu. A mesma altura, a mesma face, a mesma expressão. Meu coração estava acelerado e confuso.
Philip correu até a entrada da gruta e retirou as madeiras que simulavam uma porta. Estava frio do lado de fora, então Philip tirou sua blusa, colocando em torno de mim.
— Não precisa se certificar que sou eu? — Perguntei.
Philip lançou um sorriso sexy e torto.
— Eu não preciso. Eu sinto você.
Ele beijou o alto da minha cabeça, fazendo-me fechar os olhos.
E isso me preocupava.
Atravessamos uma pequena floresta que vinha logo à frente. Em dez minutos de caminhada tivemos que nos esconder de um grupo de anjos que caminhava na direção oeste. De acordo com Sam, havíamos passado despercebidos.
E então eu vi um campo gigante de grama verde e flores por todo o lado.
— Esse campo... — Eu disse.
— É onde acordamos aqui — completou Philip, sorrindo para mim.
Eu assenti.
Foi aqui que viemos do inferno. E é aqui que verei uma última vez o amor da minha vida. Eu olhei para Philip, reprimindo uma lágrima. Ele me fitou também, profundamente nos meus olhos, alternando entre os dois. Ele tocou no meu rosto e puxou-me para um beijo lento, parando no meu ouvido direito e sussurrando baixinho:
— Eu amo muito você — e beijou o alto da minha testa.
— Eu também, eu te amo muito. — Eu disse abraçando-o com força.
— Só temos 40 minutos pombinhos. Está na hora. Está na hora de invocar Lúcifer. — Disse Sam, e com um pedaço de madeira, cortou o seu pulso idêntico ao meu, e o sangue começou a jorrar. O sangue que o atrairia. O sangue que o chamaria.


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Notas finais do capítulo

E ENTAAAAO MENINAAAS? Do que estão achando??? A Batalha final está quaaaaase laaaa, espero que estejam gostando amores, deixem seus reviews aqui e me contem tuuuudo!! BEIJÃO!! ❤️❤️❤️☺️☺️



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