Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 40
Perdão


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Emily Foster



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/662252/chapter/40

As Gérberas, rosas e orquídeas tomavam conta de todo o salão, e a decoração mudara bruscamente no momento em que eu disse as últimas palavras. As paredes antes desenhadas com ouro, agora ficaram completamente brancas, com enfeites por todo o local, como arranjos de flores de diferentes cores, contrastando o ambiente inteiro ao redor. De repente, pequenos flocos de neve começaram a cair de cima, onde já não havia mais um teto como antes. Havia um céu tão azul quanto as águas cristalinas do mar.
Meus olhos vagavam pela imensidão que estava em torno de mim. A neve me envolveu como num rodamoinho, e eu estava bem no centro dele. Com todo o cuidado, minha roupa foi sendo substituída por um vestido longo e cheio, bordados pelo dourado em sua calda de uma maneira tão perfeita e tão cautelosa que um ser humano jamais conseguiria fazer isso. Seu tecido brilhava como purpurina, mas só em algumas partes, dando um toque perfeito de magia e contos de fadas. E então, a neve começou a subir, e com ela, o rodamoinho foi chegando até o alto da minha cabeça. De lá, senti mãos invisíveis tocarem-no com uma sutileza jamais sentida antes. Senti algo áspero adequando-se a minha cabeça, e assim que terminou, percebi que era um véu enorme que formava-se do couro cabeludo até a minha cintura.
Philip então apareceu, e embora um incômodo pequeno dentro de mim persistia, eu apenas o ignorei, surpresa e encantada pela figura tão magnífica e deslumbrante na minha frente. Ele usava um terno bege, com uma blusa branca por dentro e uma rosa vermelha em seu bolso esquerdo. Seus cabelos da cor do bronze estavam jogados um pouco para cima, comportado e sensual ao mesmo tempo, num equilíbrio perfeito e único. E seus olhos, um cinza opaco, um pouco escurecidos — mas tão parecidos com olhos que eu já vi em algum momento... Talvez fosse um sonho, ou algo que eu tivera assistido que lembrava-me esses olhos. Mas era o Philip, afinal, quem mais poderia ser?
— Você está tão linda — disse-me ele, retirando um pequeno floco de neve que caiu sob minhas pálpebras. — Hoje é o dia mais feliz da minha vida.
Philip estalou os dedos leve e suavemente, e uma figura vestindo um traje completamente negro apareceu com algo que se parecia um livro.
Ele era um idoso, um pouco desgastado pela idade, e possuía uma grande barba grisalha, junto com duas bilhas quase que da mesma cor que ela. Eram tão cinzas que lembravam-me um grande nevoeiro, ou uma intensa neblina numa manhã de Washington. Seus olhos também lembravam-me os olhos de alguém. Uma cor tão clara e tão rara... Ele olhou para mim, mas não sorriu quando eu lhe lancei um. E então, ainda me fitando, ele desviou o olhar, voltando-se para o livro de couro escurecido que estava em suas mãos.
Philip me olhou mais uma vez. Estávamos simultâneos, fitando os olhos de cada um. Quando eu permanecia ali, a agonia dentro de mim só aumentava, mas meu coração dizia que era ali que eu deveria estar, como se fosse aquilo que era pra acontecer.
Ele segurou minha mão, com urgência.
O homem abriu o livro, e de lá, saíram-se duas agulhas extremamente finas. E sua ponta parecia invisível, visto de tão fina que era. Philip sorriu para mim novamente, e com um olhar de "tudo ficará bem" foi-me lançado. Estava tudo bem. Era o Philip, eu confiava nele mais que em tudo. Era a minha intuição dizendo isso. Fomos feitos um para o outro.
Ele pegou uma agulha delicadamente, e pegou novamente na minha mão, levantando-se para que estivesse visível a seus olhos. Ele segurou meu indicador, e a poucos centímetros de distância, aproximou a agulha dele.
Mas numa fração de segundo antes da agulha espetar meu dedo, palavras estranhas começaram a sair da boca do velho homem, e Philip, prontamente, o olhou em duvida, ou talvez, em surpresa. Mas não era isso — ele estava assustado, e sua pele tornou-se tão branca quanto a própria neve que caía. Ele ficou sério, como se estivesse com raiva. E então ele soltou minha mão bruscamente, largando-a com ênfase. Havia desespero em seu olhar, e o senhor idoso, com olhos tão claros e tão cinzas, não parava de recitar palavras estranhas.
De repente, Philip começou a se debater, como se estivesse entrando em estado de choque. Ele olhou pra cima, apavorado. Ele começou a tremer por todo o corpo, e seus membros balançavam assustadoramente. Sua respiração estava ofegante — muito ofegante —, desesperado pelo ar. Eu o toquei, mas rapidamente tirei a mão quando uma eletricidade descontrolada saía de seu corpo. Ele caiu no chão, ainda debatendo-se. Ele parecia que ia vomitar, ou talvez expelir algo.
— Philip! — Gritei, desesperada.
Mas foi nesse momento, nesse pequeno momento de desespero que olhei para o idoso. E seus olhos fechados de repente abriram-se diretamente para mim, como se me mostrasse o que estava exatamente na minha frente. Seus olhos cinza claros, quase transparentes me fitaram mais uma vez, e eu entendi tudo.
Olhei para Philip debatendo-se no chão, com um cinza escurecido em seus olhos, um cinza morto e sem vida, um cinza vazio.
Virei a cabeça buscando o idoso. Ele não desviara o olhar de mim — e eu reconheci finalmente aquele cinza lindo e esbelta que tanto fez parte da minha memória e do meu coração. Uma angustia me tomou, e mais uma olhadela em Philip foi suficiente para eu perceber que não era o Philip. Não era o meu Philip.
E os olhos do idoso de repente, mudaram-se para uma mistura de cores pontilhadas com um fundo escuro. Como as cores do Universo. Ele assentiu por um momento, como se confirmasse o que se passava no meu coração.
E eu me afastei bruscamente da figura na minha frente.
E reconheci finalmente que não era o Philip — e sim, Lúcifer dentro dele.
Eu gritei, apavorada, caindo para trás. O idoso então pronunciou as palavras mais urgentemente, palavras tão confusas e numa língua que parecia ser tão rígida e poderosa que tudo escureceu. O céu ficou negro, a neve deu lugar a uma tempestade com raios — e meus olhos buscaram inutilmente um lugar de escape.
Mas de repente, Lúcifer abriu os braços do chão, e com a coluna como se fosse sair do seu corpo, escancarou a boca, e de lá, uma fumaça tão negra como a completa escuridão saiu. Ele berrou fortemente. Uma mistura de dor e pavor em seu berro, uma voz grossa, desumana e dolorosa, um sofrimento evidente. E ele cessou novamente. Seu grito tornou-se normal novamente, segundos depois da fumaça completamente negra voar pelos ares.
E o ser deitado no chão há poucos metros de mim, parou de se debater, encontrando finalmente a calmaria. Como o mar após uma tempestade, o silêncio persistiu, mas por poucos segundos antes de uma voz completamente diferente que eu já havia escutado pronunciou-se.
— Você — disse ele.
E logo atrás de mim, havia um homem com um terno todo preto, de cabelos negros e olhos negros. Suas sobrancelhas eram grossas e destacadas. Ele parecia machucado, e andava com dificuldade. De qualquer forma, ele era tão esbelto quanto Philip, mesmo com características tão distintas.
Eu olhei para o idoso com olhos do universo, e ele finalmente fechou o livro, olhando para o homem de terno preto.
— O que está fazendo?
O idoso não respondeu, e tudo o que consegui fazer foi correr até a direção de Philip.
Não havia pulso nele — e o desespero me consumia a cada segundo que eu buscava algum resquício de vida nele.
— O exorcismo foi muito grande, minha querida — disse o ser atrás de mim. E eu tive a certeza naquele momento, pelo seu linguajar, que era o próprio Lúcifer em pessoa.
— Não se assuste — disse o idoso de repente, sua voz era calma e serena, mas com um toque de advertência. — Ele ficará bem em breve.
O idoso era bom... Ele exorcizara Lúcifer do corpo do Philip...
Lúcifer soltou uma risada.
— Que lindos! A cria e o criador!
E foi nesse momento que eu percebi tudo. Eu entendi tudo de uma única vez. O idoso, na verdade...
Era Deus.
— Cuidado com as palavras Lúcifer! — Alertou o idoso.
— Oh, que gentileza chamar-me pelo meu verdadeiro nome! Sinto-me um privilegiado!
Lúcifer estava com muita raiva, mas inseguro — muito inseguro. Ele temia o idoso evidentemente.
— Como ousa interferir no destino?
Eu olhei para ele.
— Como ousa entrar em meu território?
— Sabe, Lúcifer, é mais que covardia interferir no destino de dois jovens. É estúpido afirmar com tanta formalidade que conseguiria, mesmo que por um instante, tornar-se um humano.
— Eu não pretendia isso, na verdade — ele sorriu. — Eu iria ser o Philip.
— Claro, claro. Entendo perfeitamente, e entendo também... que você é burro e inexperiente de mais ao pensar que isso de alguma forma daria certo.
Lúcifer permaneceu o encarando.
— Ela sempre foi minha — ele se referia a mim.
— Ela NUNCA foi sua. Você que sempre a quis, mas ela jamais o quis. E em todas as vezes, ainda no céu, a guardiã escolhera o seu amado Philip.
Eu olhei para Lúcifer. E sobre a história de que nosso amor era além do destino? É claro! Era mentira! Eu sabia!
— Emily — Lúcifer me olhou —, isso é mentira.
— NÃO! Não é mentira! É por isso que... Que eu não sinto nada por você a não ser nojo!
Ele ficou mais sério que antes.
— Você. É. Burra. — Disse ele, lentamente. E então soltou uma risada.
— Emily o ama, Lúcifer, deixe-os em paz.
— Você só os uniu na Terra porque sabia que eu a amava!
— Eu os uni, porque ELES se amavam. — Respondeu Deus. — O amor deles veio desde a criação dos anjos. Foi antes mesmo de eu escrever em meu livro sobre o destino. Eles foram os únicos quem uni. O amor deles é o verdadeiro amor, Lúcifer.
— ISSO É MENTIRA! Emily nasceu para MIM! Foi por ela, a única mulher em toda minha vida que eu me apaixonei. Um anjo rebelde apaixonar-se por um anjo puro... Isso é impossível, mas ainda assim, e a amo — ele olhou para mim, seus olhos brilhavam.
— Não há amor, há possessão. O verdadeiro amor sacrifica o próprio para ver a amada feliz. Não há isso em você, Lúcifer. — Disse Deus.
— Não seja hipócrita. Prefere punir-me com mais ódio de milênios que um anjo que acabara de cair na Terra por pura rebeldia!
— Ele não caiu por rebeldia.
Lúcifer pareceu assustado, como se sua tentativa falhasse bruscamente.
— Nós dois sabemos que Philip caiu porque quis vir atrás da sua amada ao saber que ela reencarnou mais uma vez. Mas você apagou a guardiã da sua memória assim que fez o pacto.
Nesse momento meu coração disparou. Então Philip só se rebelou para... Para me encontrar na Terra? Ah meu Deus... Philip nunca foi ruim... Ele só teve a mente apagada!
— Isso é ridículo — Lúcifer riu.
— ... E então depois de tirar-me da cabeça dele, você deu-lhe a missão de me trazer para você... Para você conseguir me ter finalmente. — Eu disse, a voz falhando.
Lúcifer estava sério, enrijecido. Sua expressão era confusa, mas séria, muito séria. Ele alternava o olhar entre mim e Deus, e permaneceu assim por longos segundos.
— No que isso importa? A guardiã é minha!
— Eu não sou sua! Nunca fui! Eu nunca vou amar você! Eu jamais o amarei, Lúcifer!
— Ela está sob minha proteção — disse uma voz doce atrás de mim. Uma voz que eu poderia afirmar com toda certeza, que era a voz mais linda que eu já tivera escutado.
Eu me virei instantaneamente, e era ele. Era Philip. Ele se levantou com dificuldade, e imediatamente apressei-me em sua direção. De estava muito machucado, e seus ferimentos pareciam tão severos tanto internamente quanto externamente.
Ele sorriu pra mim, e nesse momento, atirei-me em seus braços. Eu queria protegê-lo, eu precisava protegê-lo, salvá-lo.
— Emily... — Sua voz ficou abafada quanto ele enterrou seu rosto nos meus cabelos, segurando na minha nuca. — Eu pensei que nunca mais a veria...
E quando olhei pra cima, havia um Philip com olhos cheios de lágrimas.
— Me desculpe, por favor... me desculpe.
Eu o abracei mais fortemente, assentindo em todas as vezes que ele se desculpava. É claro que eu o perdoava, eu o amava... e o amor fala mais alto que qualquer problema, qualquer dificuldade, qualquer erro.
— Eu te amo, Philip. Eu te amo muito.
Mas antes que eu pudesse dizer mais alguma palavra, as minhas lágrimas me atrapalharam, molhando a sua blusa, a qual eu estava com o rosto afundado.
Em seguida, ouvi palmas atrás de mim.
Lúcifer nos olhava com ódio nos olhos. Ele fuzilava Philip com o olhar. Não — ele nos fuzilava com o olhar.
Philip olhou para a figura ao seu lado. Philip olhou para Deus e sua boca tornou-se entreaberta, como se ele mal acreditasse no que via.
— Senhor — ele se ajoelhou imediatamente perante à Ele. — Por favor, perdoe-me pelos meus pecados. Perdoe-me...
Deus o olhava de cima com a expressão séria, mas seu olhar parecia reconfortante.
— Meu filho, levante-se — ele fez um gesto com a mão. E Philip assim o fez — Você está perdoado. Todavia, só será bem vindo ao reino dos céus se livrar-se por completo da marca que liga-o diretamente com Lúcifer. Infelizmente, fora de meu território, não posso interferir. São as leis.
Meu coração acelerou.
— O que? Não... Não há como livrar-se do pacto! Deus, por favor, por favor entenda...
— Emily — chamou-me Philip. — Ele está certo. O que ele escreveu, não pode mais ser reescrito. Está selado.
O que?
— Philip, você será um demônio para sempre se não livrar-se da marca!
Ele não me respondeu, apenas baixou a cabeça como se aceitasse.
E então, olhei para Deus mais uma vez, ele parecia mais cansado que antes — ou talvez mais desgastado. Ele me olhou de volta, e eu fiquei sem graça. Entretanto, senti olhos cruéis me fitando de longe, olhos mortais, sombrios, vindos do outro lado do salão. E eu sabia a quem pertenciam esses olhos. Era do próprio mal em pessoa.
Mas quando me virei, ele não estava lá.
Lúcifer havia desaparecido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam meninas?? Deixe seu comentário aqui e me contem!!! ^^ Beijos enormes, espero que estejam gostando! *-* ❤️



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Anjo Mau" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.