Anjo Mau escrita por annakarenina


Capítulo 35
Olhos


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é narrado por Emily Foster



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Havia mais que uma pressa dentro de mim para avançar em direção à Philip. Era o meu desespero particular e alívio ao saber que ele estava bem. Estava inteiro. Sem cortes? Machucados? Sem sangue? Ah, ufa! Philip parecia ótimo para quem acabara de voltar do inferno. Sua aparência estava reluzente como antes, brilhante, incandescente. Mas tudo isso pareceu pequeno de mais para a reação de Susan num primeiro momento. Quando ela deu de cara com Philip, seu primeiro ato não foi abraçá-lo ou comemorar o seu bem estar — ela apenas ficou o olhando, como se não tivesse acreditando em absolutamente nada do que estava vendo. Talvez Susan fosse mais pessimista do que eu em muitos aspectos, ou talvez fosse só uma péssima maneira de dar boas vindas novamente a alguém que pensamos estar morto.

— Philip?

Sua voz de incerteza quebrou o silêncio de cinco segundos ou mais depois que Philip soltou a primeira frase. Frase um tanto quanto estranha e jamais utilizada por ele…

— Sim, sou eu Susan — ele expandiu um sorriso a cada canto do seu rosto. Ele estava extremamente saudável, e eu estava extremamente bem por isso. Mas eu ainda não havia esquecido o que ele fez. Ele me enganou. Omitiu fatos extremamente importantes sobre mim ou sobre suas intenções — pelo menos num primeiro momento — comigo. Mas por incrível que pareça, essas coisas eram ínfimas, insignificante ao vê-lo agora, parado na porta, esperando uma resposta de Susan.

Ela continuava parada, sem nenhuma reação, e a concepção de realidade de Susan parecia estar mais distante do que eu imaginava.

E então eu fui em direção a ela. E quando Philip me viu, não foi como eu esperava… ele agiu como se eu não estivesse exatamente ali. Ou como se não fosse eu. E o que eu esperava como um olhar apaixonado ou feliz em me ver novamente tornou-se uma breve simpatia, como se fôssemos conhecidos ou talvez não tivéssemos nada. Mas é claro que eu não poderia ficar abalada com isso. Philip então, deu um aceno com a cabeça em seguida. E isso e certa forma… quebrou-me por dentro.

— Entre — disse Susan por fim.

Ela fechou a porta atrás dele.

— Philip! Como é bom te ver! — Ela disse, depois de um suspiro. Eu não sabia se era de alivio ou… ou não sei.

Philip abraçou Susan num gesto rápido, apressado. E então olhou para mim. Seus olhos estavam mais escuros, embora a iluminação do lugar estivesse bem iluminada. O cinza claro de antes agora parecia um opaco, quase sem vida. E seus cabelos estavam jogados de uma outra forma que eu nunca vira antes. Estava pra cima, parecendo os garotos do futebol americano lá da Stohenthill, e que achavam que tinham o mundo nas mãos. Mas talvez fosse falta de tempo de arrumar, e talvez seus olhos estivessem assim porque sua cor vivia oscilando. De qualquer forma, era Philip, e eu o amava da mesma forma.

— Foi um longo caminho! — Exclamou ele, fingindo limpar a testa de suor.

— Você estava no inferno… — Disse a médium, enlaçando as mãos e abaixando a cabeça, lamentando por ele. — Eu pensei que nunca mais o veria.

Ele deu uma risada irônica.

— Você me conhece, Susan! Eu sou bom. Eu jamais iria deixar Emily sozinha — e então ele me olhou maliciosamente, de uma forma estranhamente sexy. E estranha. Nesse momento, a sensação que ele me passou era que iria me dominar de uma forma ou de outra, e eu era apenas uma presa que deveria morrer. Eu afastei esse pensamento imediatamente quando ele sorriu novamente. Seu sorriso me deixava absurdamente melhor e mais calma.

Quando eu olhei para a médium, percebi que não era essa a resposta que ela esperava de Philip, mas depois ela relaxou e deixou passar. Philip cruzou uma perna com a outra. Eu o reparei por mais algum tempo enquanto ele Susan e ele conversavam sobre sua ida ao inferno. Eu estava atrás da poltrona de Susan, apoiando-me sob a cabeça.

O ar superior e extremamente dominador estava presente por completo em Philip. Era quase como se suas intenções eram outras, ou havia mudado. Ele estava enrijecido, suas expressões não pareciam ser espontâneas e nem seu vocabulário. Philip estava estranho, algo havia acontecido. Ele estava escondendo alguma coisa.

— … Você encontrou Lúcifer? — Perguntou Susan, despertando-me dos meus devaneios.

— Sim, fizemos um tour pelo inferno.

— Um tour?

Ele mexeu nos cabelos.

— Sim, ele me mostrou algumas coisas. Coisas do inferno.

— Você participou de um tour com o demônio? — Susan estava perplexa.

Philip assentiu, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

— Susan, ele é Lúcifer, se eu dissesse não, muito provavelmente nem estaria conversando com você.

A sua capacidade nesse momento de deixar-me de lado realmente me surpreendia. Susan parecia perceber isso também, já que toda hora parecia querer tocar em algum assunto que não conseguia, porque Philip despertava uma atenção muito maior que a necessária — ele despertava um alarme.

A verdade é que nós duas estávamos nos comunicando sem nos comunicar. Conforme eu percebia as reações de Susan, ela parecia tão incomodada quanto eu com a figura na nossa frente. Ela a todo momento buscava trazer respostas que ela já imaginava de Philip, e esse aqui definitivamente não estava agindo como deveria. A sensação mais medonha era que eu sentia que Philip queria dizer alguma coisa, revelar alguma coisa, mas algo o impedia, e tornava tudo mais difícil para nós que possuíamos milhares de perguntas. Pelo menos para Susan, que o questionava vorazmente por mim.

— Philip — ela deu uma pausa e me puxou pelo pulso até o seu lado. — Emily já sabe daquilo.

De repente, um olhar de dúvida invadiu a expressão dele, e Susan franziu o cenho, como se não entendesse sua reação.

— Qual parte? — Perguntou ele.

— Da única, Phil. Do seu pacto.

E então ele levantou um olhar de lembrança, que rapidamente transformou-se num lado sombrio.

— Desculpe-me, Emily.

Eu olhei para Susan, que séria por sua resposta, deu de ombros.

— Eu vou deixá-los sozinhos.

— Acho ótimo — disse ele, quase que instantaneamente. A sensação era que Susan estava sendo uma pedra no sapato de Philip, que enlaçou as mãos, ajeitando-se na poltrona. Mas sem tirar os olhos escurecidos de mim.

Ficar sozinha com Philip pareceu mais incomodo do que eu imaginava. Ele estava diferente, estranho posso assim dizer. Ele usava uma blusa preta de manga comprida, cobrindo todo o seu braço e uma calça jeans escura. Depois que Susan saiu, ficamos nos fitando por uns dez segundos até que alguém dissesse uma palavra, que teve que ser a minha para quebrar o silêncio.

— Por que não me contou?

Ele pareceu mais sério de repente, e fez uma dolorida expressão de tristeza.

— Desculpa, Emily. Eu pretendia contar a você, mas não naquele momento.

Uma resposta um tanto vaga, mas pelo menos, esperada por mim.

— Como você… como você pôde dar sua alma em troca de poder? Digo… isso é burrice extrema visto que com sua alma, ele o tem a qualquer momento.

Ele franziu o cenho, sentindo-se ofendido.

— Não é tão fácil assim chamar-me. Por mais que Lúcifer tenha a minha alma, ele não possuí o meu espírito.

— Isso não justifica nada!

— Emily — disse ele baixinho, exatamente como sempre fazia. Em lentos passos, ele veio se aproximando de mim, muito cuidadosamente. — Por favor, me desculpe. Eu só quero proteger você… — Ele colocou uma mão perto da minha orelha e acariciou, murmurando no meu ouvido esquerdo essas palavras. Eu me arrepiei, e mesmo que quisesse odiá-lo, a única coisa que conseguia era desejar ainda mais o seu toque.

Me afastei, quase cedendo.

— Philip… como posso saber que você ainda não quer me matar?

Ele parou de acariciar, e demorou um instante para me responder.

— Porque você está aqui, comigo e agora. Se eu a quisesse morta, simplesmente já teria feito, linda.

Sua última palavra pareceu um deboche descarado. Fiquei cinco metros de distância dele. Por algum motivo, eu estava nauseada, quase como se eu quisesse não vê-lo nunca mais.

— Por que está agindo assim?

E nesse momento, notei uma surpresa em seu rosto.

— Do que está falando?

— Eu não sei. Você não é assim. O Philip que eu conhecia jamais me trataria dessa forma.

— Emily — ele focou em mim —, sou eu. Eu te amo.

Era superficial de mais, frio de mais e falso de mais. Tudo o que eu tinha que fazer segundo minhas intenções era afastar-me o mais rápido possível. Eu estava sozinha nesse jogo. Philip não é mais o mesmo. Talvez Lúcifer tenha feito uma proposta melhor para ele e ele acabou mudando de ideia permanentemente, e agora só estava bolando um plano para me matar assim que eu baixasse guarda. Mas tudo o que eu consegui fazer no momento era concentrar-me nas minhas lágrimas para que elas não caíssem na frente dele — eu não queria me humilhar para alguém que eu já conheci antes mas agora era muito mais frio e cruel. O seu eu te amo despertaria em mim, há dez horas atrás, sensações jamais sentidas antes dentro de mim. Mas agora, era como receber um eu te amo de alguém completamente diferente.

Philip tentou se aproximar mais e mais de mim, e eu discretamente tentei afastar-me. O que estava acontecendo? Cadê o amor da minha vida que eu conhecia?

— O que fizeram com você? — Eu perguntei.

— Me perdoa — ele baixou a cabeça, parecendo arrependido. — Por favor, fica aqui.

Eu fechei os olhos, e nesse momento, as lágrimas derramaram-se instantaneamente. Eu queria morrer de tanta vergonha, mas quando abri os olhos, tinha algo a mais para me preocupar — Philip limpava as minhas lagrimas, uma por uma, bem na minha frente. Eu levantei a cabeça, buscando seus olhos profundos e misteriosos, mas tudo o que encontrei foi um cinza opaco, superficial, frio como um iceberg e perdido consigo mesmo. Eu não via a pessoa que conheci ali, eu via um estranho infinitamente diferente. O que eu sentia era que Philip mudara bruscamente, e sua ida ao inferno ou o tour com Lúcifer só despertou em sua cabeça algo que eu pensei — mesmo que por um segundo — que havia desaparecido pela sua paixão — a vontade de me matar.

— Eu não posso — eu disse, baixinho, quase não acreditando em minhas palavras. — Eu não posso perdoar a quem você se tornou. Eu só posso perdoar quem você era. Philip, você virou um babaca completo.

Ele permaneceu me encarando. Havia ódio em seus olhos. E a impressão que eu tinha era que ele iria agarrar o meu pescoço e torcê-lo ali mesmo. Mas antes que qualquer movimento pudesse ser feito, nós dois despertamos com a chegada de Susan da cozinha.

— Como vocês estão? — Perguntou ela.

— Ótimos, até você chegar — eu olhei para Philip, perplexa.

— O que você está falando, Philip? — Perguntei.

— Susan tem esse jeito de boa moça, mas sei coisas macabras dela que você mesma não acreditaria, Emily. Se eu fosse você, não confiaria nela. Ela é falsa. E eu, sou o único que pode ajudar você a evoluir os seus poderes.

— Que decepção, Philip. Você definitivamente mudou. — Disse a médium.

Ele revirou os olhos.

— Vocês só dizem isso porque nunca conheceram o meu lado.

E numa súbita mudança de humor, Susan, que antes parecia assustada e temerosa, mostrou-se um paciente mãe para com seu filho rebelde.

— Philip, está tudo bem — disse ela estranhamente, abaixando a cabeça e suspirando. — Acho que você só precisa de um ar.

Ele a encarou também.

— Certo — disse ele. — Eu vou tomar um ar. — Ele me olhou, semicerrando os olhos. — Mas Emily, ainda não terminamos de conversar.

Sua frase final tornou-se uma ameaça aparente. E o Philip que conheci no primeiro dia de aula apareceu novamente nessa situação. Por que estava tudo ficando mais assustador do que já era?

Quando Susan fechou a porta logo após que Philip saiu, eu busquei o seu olhar, que permaneceu fitando o nada por uns dois segundos até que ela despertasse. Quando o fez, olhou diretamente para mim, com os olhos esbugalhados e expressão assustada.

— Emily, não é o Philip.

Eu me atentei com a sua frase. Ela saiu um tanto… direta. Até que eu percebi que era mesmo essa a intenção.

— É Lúcifer no corpo de Philip.


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Notas finais do capítulo

Me digam o que acharam meninas!!! Espero que gostem



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