A chuva caia com fúria pelo telhado malfeito da casa. Nosso esconderijo era pacato, com rachaduras na parede e goteiras por todo o lugar. Não dava pra saber ao certo quanto tempo aquele lugar estava abandonado. Mas nada disso importava nesse momento, a única coisa que importava era manter as coisas em ordem, sem chamar atenção ou dar motivos para desconfiarem de nós.
Ao olhar em volta, via eu e meus parceiros atentos, como se esperassem para o aviso final. Eu sentia frio, mas não sabia como algo tão inútil do mundo material poderia me atingir tão bruscamente.
– Sinto frio - disse Steven. Seu olhar era mortal e ele não se movia, parecendo indignado com as próprias palavras.
– Aqui era uma igreja antes de ser construída essa casa. - Disse Lisandra, bocejando.
Igreja.
Agora tudo faz sentido.
A Igreja era a casa do Senhor, ou mais especificamente, era o lugar que nos deixava enfraquecido. Um dos lugares que um anjo caído raramente entrava era em uma igreja, ou algo que ligava à uma igreja. De certa forma, esses lugares que tinham algum vínculo com o Senhor diminuía bruscamente o nosso poder e a nossa "essência", embora esta já tenha sido danificada com a queda.
– Philip, você está bem? - Lisandra colocou a mão sob meu ombro esquerdo e fitou profundamente os meus olhos. Seu olhar era calmo e sensual, carregado de duas bilhas completamente negras. Eu não respondi, apenas continuei fitando a chuva despencar do céu - e me vi despencando de lá também. - Sei que está com frio, não é melhor se agasalhar?
Eu virei pra ela.
– Estou bem Lis, não precisa se preocupar.
Ela me ignorou desde então. Lisandra era uma mulher muito sagaz com um enorme poder dentro de si. Mas ao mesmo tempo, gostava da atenção toda pra ela.
Duas horas depois, nós já estávamos desistindo. A chuva tivera cessado, junto com a mera paciência que nos restava.
– Essa garota deve estar próxima... Sinto a essência dela... Sinto...
– Chega Eric! - Lisandra gritou. - Quero que encontrem essa menina logo! Se ela não passa por aqui, tem de haver um jeito de alguém ir até ela.
Lisandra girou sua cabeça passando os olhos em cada um dos nossos parceiros. Sua mente agia rápido, era precisa e muito eficiente. No nosso Reino, Lisandra era conhecida como a Estrategista ou "cabeça" do time. Ela sempre resolvia as situações complicadas com suavidade e maestria.
Ela parou em Zack e sorriu. O garoto tinha setenta anos, mas no mundo humano aparentava ter aproximadamente quinze a dezesseis anos. Não era muito experiente, embora tivesse algo que toda mulher humana parecia se encantar: delicadeza e cabelos loiros.
Mas de repente Zack não foi suficiente para ela. Seus olhos voltaram a circular pela sala e sua mente girava de maneira assustadora.
E então ela olhou pra mim. Eu senti uma pontada de incerteza nela, mas não era incerteza que a incomodava, era a raiva de admitir que eu tivera chamado a sua atenção.
– Zack é frágil e monótono. Embora aparente ser jovem e possuir tamanha beleza... Não possui a força suficiente que uma menina frágil e delicada necessita - ela citou as últimas palavras num tom infantil e inferior. - Phil possui todas essas características. - Ela deu uma pausa e baixou a cabeça, em seguida levantando. - Vá até ela. Encontre-a. Seduza-a. E mate-a.