Mil e Uma Noites escrita por Kate


Capítulo 6
O fundo do abismo




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Outro ataque de tosse me fez estremecer, respirei profundamente sentindo o cheiro dela me invadir. Meu corpo se contraiu de nojo. Era o cheiro de uma vadia, de uma mulher que tinha me enganado, mentido pra mim. Me feito mal.
Peguei o travesseiro e o joguei pra longe com raiva. Um grito escapou de minha boca.

– VAGABUNDA!VAGABUNDA!!EU TE ODEIO! - comecei a falar mais baixo enquanto as lágrimas desciam novamente- Eu te odeio. Eu te odeio…Eu…Jess…

Tateei as mãos nos pés da cama até achar a garrafa de uísque tombada no chão. Levei-a aos lábios sedento por álcool, mas só caíram duas gotas. Argh! Tudo conspirava contra mim hoje? Inferno! Joguei a garrafa em qualquer direção e ouvi ela se estraçalhar ao bater na parede, os cacos caindo no chão.Sentei na cama, me sentindo acabado, levei as mãos a cabeça num gesto de desespero. Porque? Eu realmente não podia entender.

Meu estômago vazio reclamou sonoramente. Era domingo a noite, faziam 3 dias que tudo tinha acontecido. O que significava que faziam 3 dias que eu não comia nada. Levantei, deixei minhas pernas me guiarem por conta própria pra fora do quarto,desci as escadas em direção á cozinha.
Deve ter algo pra comer no armários. Passei pela sala que era um cenário de desolação, depois do ataque de fúria que tive na sexta a tarde. Cacos de vidro do tampo da mesa de centro se espalhavam sobre o tapete, pedaços de porcelana dos bibelôs que enfeitavam a casa também. O console do videogame jazia partido ao meio, expondo os contatos eletrônicos num canto da sala - eu me lembro de ter arremessado ele ao longe em algum momento - , o joystick pendurado no braço do sofá, que estava virado. As poltronas também viradas e as cortinas rasgadas pelo chão. Um caos.

Fui a cozinha e achei Twinkies no armário. Peguei o pacote e ia sair quando meu olhar foi atraído por um pacote branco sobre o tampo de mármore da pia. Fui até lá. Era o pacote de cocaína que tinha conseguido, que já estava parcialmente vazio. Peguei-o e levei pra sala comigo. Era á base disso que eu estava me sustentando, era o pó que me mantivera de pé, todos esses 3 dias, o pó e o uísque. E os cigarros. Eu sei. Eu sei que tinha prometido para minha mãe que nunca mais fumaria de novo, mas…eu precisava.

Mãe… Se ao menos você tivesse aqui. Mesmo que fosse pra me puxar a orelha e dizer “Eu te avisei, Peter. Eu nunca gostei dela”. Eu queria você aqui mãe. Pra me abraçar e me dizer que tudo ia ficar bem. As lágrimas que desciam agora eram também de dor e de saudade da minha mãe… Mom…

Passei na gaveta onde tinha jogado os doze maços de cigarro que comprei. Fiz uma leve contagem, tateando a gaveta, já que a madrugada escura não me permitia ver direito. Me assustei a perceber que a quantidade de maços vazios já superava os cheios.

Eu consumi 8 maços de cigarros em 3 dias? Dei de ombros, mas fechei a gaveta sem pegar nenhum.
Passei na estante-bar e peguei mais uma garrafa de uísque. A última das 8 que tinha aqui. 5 que comprei e 3 que tinha guardadas.
Sentei no tapete da sala, num espaço em que limpei brevemente dos cacos de vidro.
Comi 3 dos bolinhos, acompanhados de uísque.
Pousei a garrafa e o pacote do meu lado e vi caído ali perto um porta-retrato. Engatinhei até ele e o peguei. Era uma foto nossa. A foto que tinhamos tirado no Grammy.

Levei os dedos ao rosto dela, como fazendo um carinho. O sorriso lindo, a mão na minha perna, nós dois…De repente senti a tristeza subir novamente como uma tsunami, me destruindo e me poluindo por completo, escapando pelos olhos. Num acesso de fúria rasguei a foto ao meio, nos separando.
Rasguei a parte onde ela estava em pedaçinhos até que não restasse nada reconhecível.
Joguei os pedaços pra longe. Me encolhi em posição fetal e deixei minhas lágrimas saírem até que me sentisse seco. Mas a tristeza não passou.
Sei o que fazer com isso.
Peguei meu caderno de letras e melodias, jogado ali por perto e coloquei na minha frente, fazendo uma superfície lisa e plana. Peguei o pacote de cocaína e abri. Fiz 2 carreiras. Pensei bem e fiz mais duas, preciso de uma dose cavalar agora. Eu sei que isso parece loucura, mas preciso. Puxei as quatro, uma atrás da outra de um shot só.
Senti meus sentidos se aguçarem e uma dor de cabeça insuportável. Senti uma animação inexplicável como se eu fosse foda. O cara mais foda de todos. Sou capaz de tudo. Eu sou o Batman. Posso fazer o que quiser. Sorri com a sensação. Eu adoro isso. Peguei a garrafa de uísque e bebi um gole enorme. Senti minha cabeça como que explodir e o mundo girar ao meu redor, e então Morfeu levou minha alma em seus braços, me dando descanso.

* * *


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