Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 13
Capítulo 13




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Já é noite e eu resolvo caminhar sozinha pelo palácio, sinto meu coração bater fortemente. A noite me amedronta, sinto medo ao andar sozinha pelo palácio e perceber que não há ninguém pelos corredores. Resolvo então ir até a sala do trono e me assusto ainda mais ao ver que a guarda real não estava na porta, temo em entrar. Todavia, enfrento o meu medo e entro na sala do trono sozinha.

—Mãe? —Ouço alguém me chamar. Vou até o trono e percebo que Ramsés não está onde deve estar, rapidamente vejo que estou com vestes brancas e não da cor azul. O que está acontecendo comigo? —Mãe! —A voz surgiu novamente. Me virei rapidamente e vi um egípcio com de costas para mim.

—Djoser? —Indago assustada e curiosa. A pouca luz não me permite ver o meu filho.

—Eu voltei, mãe. —Moisés fala ao ficar de frente para mim.

—Moisés! —Exclamo estridente e caminho até ele. —Como chegou até aqui?

—Mãe. —Djoser me chama do alto do trono. Me assusto ao ver Djoser com a coroa de Ramsés em sua cabeça e Anippe com uma coroa de pedras azuis que mais parecia ter sido feita por Hur, seu pai. —Vai nos abandonar?

—Mãe... —Anippe sussurra assustada. Minha filha está mais bela que o de costume, mas parecer ser uma deusa.

—Venha comigo, minha mãe. —Moisés pede e segura a minha mão com delicadeza.

—Mãe... —Djoser se levanta do trono e desce um único degrau como se quisesse me separar de Moisés.

—Mãe. —Moisés me chama mais uma vez me fazendo ter dúvidas sobre com quem ir ou com quem ficar.

Quando despertei, também percebi que tudo era apenas um sonho. Tudo foi um sonho que me fez tirar o fôlego, um sonho tão real que faz com que minhas mãos não se contenham e passem a tremer freneticamente. Há tantos anos eu não sonho com Moisés, e agora sinto que ele está cada vez mais perto de mim, o que é impossível...

—O que foi, meu amor? —Hur pergunta preocupado ao me ver nervosa. Mostro as minha mãos para ele, e o mesmo fica assustado.

—Tive um sonho... —Falo e sinto minha garganta ficar seca. —C-com Moisés. —Gagueijo por conta do susto que levei no meu sonho.

—Meu amor... —Hur fala e me abraça tentando me confortar. —Eu sinto muito.

—Por Moisés ter sido separado de mim? —A minha própria pergunta me faz chorar.

Talvez eu esteja impressionada com a forma rude que Anippe se comporta diante dos hebreus, talvez eu tenha sonhado com Moisés por causa disso. Meu primeiro filho, o filho que me foi tirado por causa do ódio de meu pai.

—Eu tenho tanto medo, Hur. —Falo com a voz trêmula. —Medo de também perder Djoser e Anippe...

—Nossos filhos nunca vão nos deixar, Henutmire. —Ele fala agora olhando nos meus olhos. —Nada e ninguém vai fazer com que Anippe e Djoser nos abandone, para onde eles iriam?

—Eu não sei...

—Ainda bem que você não sabe. —Ele me faz rir. —Você está nervosa e não é por pouca coisa... —Hur fala olhando para as minhas mãos trêmulas. Por um momento pensei em falar sobre Anippe, mas Hur não merece se preocupar com o preconceito de Anippe.

—Já disse... —Desconverso. —Consequência do sonho.

—Você precisa se distrair mais. Por quê não volta a passear com Anippe? —Hur pergunta me deixando desconfiada. Será que ele já percebeu a forma rude que Anippe trata os hebreus? —Faz tanto tempo que não vejo as duas dançando.

—Anippe precisava aprender a dançar, agora que já sabe, não precisa mais de mim. —Falo me lembrando de todos os dias em que Anippe me tomava o tempo nas aulas de dança.

—Talvez ele esteja precisando de você agora... —Hur fala com uma certa ironia. —Afinal, ela está se tornando uma mulher.

—Com quinze anos de existência, Anippe ainda não é uma mulher, Hur. —Falo brava, talvez pelo o fato de não gostar de ouvir Hur falar que Anippe está virando uma mulher.

—Eu quis dizer que...

—Anippe se sente sozinha? —Pergunto sugestiva.

—Exatamente. —Hur concorda. —Anippe não tem irmãs, só tem você, Nefertari e Leila como companhia.

—Não acho que Nefertari seja uma companhia para Anippe. —Falo. —As duas se enfrentaram durante o treinamento de Djoser e Amenhotep.

—Anippe teve coragem de enfrentar a grande esposa real? —Hur pergunta assustado. —Se não fosse noite, eu iria agora mesmo conversar com Anippe.

—Ela é muito teimosa... —Paro de falar ao ouvir leves batidas na porta. Eu e Hur fazemos silêncio esperando pelas batidas na porta novamente, e é exatamente o que acontece.

—Aconteceu alguma coisa. —Hur fala ao pular da cama e atender a porta. Djoser e Uri entram nos meus aposentos eufóricos e preocupados.

—Anippe fugiu. —Djoser revela. Hur olha em minha direção e rapidamente me lembro da conversa que tive com Leila sobre Anippe. Minha filha estava fazendo muitas perguntas sobre Miriã, talvez ela tenha ido até a vila.

—Para onde ela pode ter ido? —Hur pergunta.

—Eu não sei, pai. Ela apenas deixou um aviso escrito em um papiro para Djoser e sumiu. —Uri fala nervoso ao ver o papiro nas mãos de Djoser. Eu mesma me sirvo com uma taça de vinho para tentar me acalmar, mas isso não surte efeito.

—Ela disse que iria procurar por uma mulher chamada Miriã. —Minha taça de vinho escorregou de minhas mãos ao ouvir Djoser falar sobre Miriã.

—Eu posso explicar... —Uri fala ao ver Hur enfurecido. —Eu tentei esconder Miriã de Djoser.

—Quem é Miriã? —Djoser pergunta confuso.

—Irmã de Moisés. —Falo antes que Hur fale qualquer outra coisa.

—Seja lá o que for que fez Anippe ir atrás de Miriã, eu vou trazer minha irmã para cá agora mesmo. —Djoser fala, mas é impedido de sair por Hur. —Pai, Anippe saiu sem a proteção dos deuses! Eu preciso trazer ela de volta!

—Eu mesmo irei trazer sua irmã para o palácio, Djoser. —Hur dá a sua palavra final.

—Então me acompanhe, por quê eu trarei Anippe pela orelha...

(...)

—Não é arriscado a senhora sair do palácio? —Uri pergunta preocupado. —Pode estar se arriscando muito. —Uri segue tentando me convencer a deixar Hur ir sozinho até a vila. —Uma princesa na vila já é um escândalo, duas já é quase uma abominação.

—É melhor eu ir, mãe. A senhora espera por mim e pelo papai. —Djoser sugere.

—Também acho uma boa ideia. —Leila auxilia Uri e Djoser.

—Eu sou a mãe dela, eu quem devo ir. —Minhas palavras fizeram Hur se assustar e se pronunciar pela primeira vez.

—Anippe foi acompanhada? —Ele pergunta me fazendo pensar. —Como ela vai saber onde Miriã mora?

—Ótimo! —Djoser exclama em um misto de raiva e ironia.

—Agora mais uma... —Uri fala incrédulo. —Minha irmã perdida na vila.

—Onde Bezalel está? —Pergunto em voz alta e todos se olham.

—Bezalel levou a tia para um passeio na vila... —Djoser fala com ironia novamente. —Não sei quem está mais louco. Se é Anippe, ou Bezalel!

—De qualquer forma você fica. —Falo para Djoser. —Leila irá me levar até a vila.

—Você quem deve ficar. —Hur insiste.

—Eu vou. —Sou mais insistente que Hur.

—Vão os dois. Talvez os dois encontrem Anippe mais rápido. —Uri fala preocupado. —Tragam Anippe e Bezalel de volta...

—Mãe. —Djoser fala ao segurar minha mão. —Traga a minha irmã de volta. —Ele pede assustado.

—Vamos? —Leila pergunta enquanto Hur coloca a capa sobre minha cabeça. Nos olhamos por alguns instantes antes de nos afastarmos pouco a pouco do portal principal do palácio. Hur sabe o que Miriã significa para mim, e agora que Anippe pode estar perto dela...

(...)

Fizemos um longo percurso até chegarmos na casa da família hebréia de Moisés. Hur e Leila olharam para mim assim que nos deparamos com a casa simples e humilde, eles sabiam o que significava para mim estar aqui. Ouvimos vozes femininas a nossa esquerda, uma delas me era familiar.

—Meu pai não teria coragem... —Era Anippe falando. Certamente ela já havia encontrado Miriã. Hur me olhou desesperado ao ouvir Anippe falar, ele parecia estar a beira do colapso.

Fui sozinha até onde as vozes alteradas surgiam, fui guiada por um choro seguido de soluços fortes e repetitivos. Não era Anippe quem chorava, era Miriã. Eu conseguia ver as duas conversar, mas ela não conseguiam me ver, estão tão concentradas uma na outra que não consegue se quer notar a minha presença.

—Eu pensava que eu seria feliz ao lado de Hur, princesa! —Miriã exclama plena de cólera. —Mas então sua mãe ficou viúva... —Miriã fala um pouco mais calma. —O general Disebek morreu, a sua mãe deu uma chance para Hur e o faraó aceitou a relação dos dois... —A voz de Miriã está trêmula, porém calma. —Depois da princesa Henutmire sair do luto, o rei mandou anunciar o casamento dela com Hur. Foi dada uma grande festa, aliados dos reinos vizinhos vieram para o Egito e eu... —Miriã para de falar e olha para Anippe. E ela viveu na imensa tristeza, é o que eu imagino.—Eu vi o faraó esbanjar a sua irmã que acabava de se casar no cortejo...

—O cortejo após o casamento dos meus pais? —Anippe pergunta assustada. Eu lembro do cortejo vagamente, eu tinha olhos somente para Hur. Não era necessário um cortejo, mas Ramsés realmente fez questão de mostrar para o Egito que eu estava casada novamente. Me lembro que algumas pessoas perguntavam a causa da morte de Disebek, e com suspeitas, chegavam a falar que o general havia sido assassinado, já que sua esposa mal tinha saído de um luto e já estava noiva de um nobre.

—Também vi a princesa quase dar a luz ao seu irmão em um cortejo... —Miriã sofria ao se lembrar de cada vez que me viu feliz ao lado de Hur. Ela estava presente em todos os cortejos, ela viu a felicidade da família real por quase vinte anos e sentiu a sua infelicidade. —E com pouco tempo, enquanto andava próxima ao palácio, ouvi um oficial anunciar que a princesa estava grávida novamente. Era você que se acomodava no ventre de sua mãe, que crescia a cada dia dentro dela. —Miriã se aproximou de Anippe, mas minha filha se afastou. —A cada vez que eu te via , você e Djoser com Hur , mesmo que de longe, nas margens do rio Nilo, ou até mesmo com a princesa, eu me sentia péssima. —Ela fala levando as mãos á cabeça. Anippe chorava, mas seu choro não era maior e mais sofrido que o de Miriã. —Eu hoje sou a mulher mais infeliz da terra...

—Por ter sido trocada pela princesa do Egito? —Anippe pergunta soluçando.

—E por ela ter sido capaz de dar dois filhos para ele. A princesa quem se preocupou com Hur todas as vezes que ele ficava enfermo, foi ela quem deu filhos para ele e recebeu todo o amor de Hur. —A voz de Miriã falhou ao terminar sua fala, tropeço em alguns cestos e acabo fazendo barulho. Anippe e Miriã passam a me olhar com imensa supresa, eu havia acabado de atrapalhar a conversa entre as duas.

—Mãe? —Anippe pergunta assustada.

—Eu ainda faço Hur feliz, Miriã. Todos os dias. —Falo com calma, sem deixar que elas notem minha raiva. —Eu sinto muito pela sua infelicidade, mas eu não poderia seguir com o meu sofrimento. Eu espero que entenda... —Falo me aproximando dela. —Espero que entenda que Hur me ama assim como eu o amo.

—Eu tento entender. —Miriã fala enxugando as lágrimas. Sinto uma ânsia monstruosa ao saber que Miriã tenta entender todos os fatos. —Mas a senhora roubou os meus sonhos sem saber. A senhora teve filhos enquanto eu... —Miriã para de falar me fazendo relembrar a conversa que Hur e Uri tiveram sobre uma criança que possívelmente poderia ser filho de Miriã. Eu não acredito que estou prestes a saber a verdade, se bem que eu acreditei na palavra de Hur, ele me afirmou que não teve nenhum filho com Miriã. —Enquanto eu nunca tive um filho.

Então Hur e Miriã nunca tiveram um filho como um dia eu pensei. Hur não cometeu o mesmo erro que Disebek, ele não teve um filho com Miriã, e isso me deixa aliviada mesmo que essa minha suspeita estivesse mais do que esquecida. Após ter a absoluta certeza de que Hur não mentiu para mim, juro para mim mesma que nunca irei duvidar de Hur novamente.

—Eu sempre vou ver vocês felizes, de longe, mais irei...

—É assim que deve ser. —Falo friamente. Me arrependo amargamente ao ver Miriã voltar a chorar novamente pela maneira como falei.

—A senhora mudou tanto. Me lembro de quando nos conhecemos...

—Foi por causa de Moisés. —Falo me lembrando do dia em que encontrei Moisés. —Muita coisa..

—Mudou. —Miriã fala rapidamente. —Naquela época a senhora tinha acabado de se casar com o general.

—E agora sou casada com Hur. —Falo fazendo com que ela sofra ainda mais. —Acho que você encontrou a resposta que queria, Anippe. —Falo olhando para a minha filha. —Agora vamos voltar... —Volto minhas atenções para Miriã, a mulher que chora ao me ver ao lado de minha filha. —Agora você pode ver o quanto os hebreus sofrem, Anippe? —Pergunto ao olhar o quanto a vila é simples, nada comparado ao luxo do palácio. —Eles são digno de pena, e não de desprezo.

—O desprezo é o mesmo que a pena, mãe. —Anippe enxuga as lágrimas ao me enfrentar. —Se eu não fosse sua filha, talvez eu fosse filha de Miriã...

—Anippe! —Repreendo a minha filha, mas ela não para de falar.

—E talvez eu estivesse vivendo como uma escrava. Então, não venha me pedir para olhar para este lugar imundo com outros olhos, mãe. —Anippe fala passando por mim e ficando frente a frente com Miriã. —Por que este não é o meu lugar. Eu não nasci para servir, nasci para ser servida. —Suas palavras foram de total desprezo para com Miriã, eu senti todo o seu desprezo, senti que minha filha queria ferir Miriã.

Anippe se retirou do local soberana e ignorando o mal que fez para Miriã. Quando me deparei com os olhos lacrimejantes de Miriã, senti uma necessidade enorme de pedir perdão por toda a sua infelicidade, de certa forma sou responsável por ela. Pensei em abraçar Miriã, a vi como irmã de Moisés, vi ela como a menina que apareceu disposta a me ajudar quando achei Moisés, faminto, no Nilo. Mas ao mesmo tempo vi Miriã como a mulher que ama Hur, e então ela passou a ser um perigo para mim.
O que eu posso fazer se estou tão confusa? Não sei como me comportar diante de Miriã, não consigo machucar ela como deveria fazer.

Mas eu nada falei para a irmã de Moisés, eu apenas me lembrei do dia em que arranquei Moisés dos braços de Joquebede no jardim do palácio. Eu estava indo contra os meus conceitos, mas meu instinto maternal junto com meu despeito por não ter tido um filho falaram mais alto. Joquebede tentou, tentou até não poder mais. Mas quem era Joquebede diante da filha do faraó? E agora? Quem é Miriã diante da princesa do Egito?
Eu dei as costas para Miriã e segui o meu caminho.

—Você me assustou! —Hur fala abraçado à Anippe.

—Onde está Bezalel? —Leila pergunta preocupada.

—Ele foi para a casa da sua irmã. —Anippe responde e volta suas atenções para Hur. —Temos muita coisa para conversar, papai.

—Eu sei, minha filha. —Hur segurava o rosto de Anippe com suas mãos. —Eu vou te contar tudo o que você precisa saber.

—Aqui não é o lugar adequado. —Leila fala ao ver o meu incômodo. Eu não sei o que falar quando eu e Hur nos olhamos, eu apenas tento não me irritar com o passado de Hur e Miriã.

(...)

Hur repousou nos aposentos de Anippe, a conversa dos dois foi longa o suficiente para que ele passasse o resto da noite com nossa filha. Por sorte não encontrei Djoser acordado, talvez ele me pedisse explicações sobre Anippe. Sei que mais cedo ou mais tarde terei que explicar tudo para Djoser, ele vai me pedir a verdade até conseguir.

—Princesa? —Leila me chama ao entrar em meus aposentos. —Dormiu bem?

—Tentei. —Falo ao repousar minha cabeça na almofada. —Não consigo acreditar que Anippe foi para a vila conhecer Miriã...

—Ela estava curiosa, senhora. É normal... —Leila fala tentando defender Anippe. Eu acabo fechando meus olhos para tentar impedir o choro, mas acabo chorando de todo jeito. —Não chore, por favor. Eu não sei o que falar ou fazer quando vejo uma pessoa chorando...

—Eu preciso chorar, ou do contrário ficarei deprimida pelo resto do dia.

—A senhora precisa ser forte para o quem vem por aí... —Leila fala me fazendo lembrar que Gab irá voltar para o Egito. —O príncipe Gab vem nos visitar, lembra?

—Eu gostaria de não falar sobre isso. Não sei se vou aguentar a presença de Gab neste palácio.

—Ele não ficará por muito tempo como da última vez, princesa. —Leila fala aliviada. —Ainda bem.

—Primeiro enfrento Miriã, Leila. Agora vou ter que suportar Gab no palácio? O que ou quem mais falta me atormentar?

—Tudo isso é apenas uma aprovação dos deuses. —Leila me faz rir com suas palavras. —E a senhora deve se sair bem nesta aprovação.

—Eu não sei se estou fazendo o certo, Leila. Eu apenas sinto que algo de muito grande está por vir e eu não vou aguentar...

—Ainda não está pronta para o cortejo... —Leila fala e me faz lembrar que iremos para Abul Simbel. —Não se sente disposta, não é mesmo?

—Não tenho ânimo. Mas eu sou quase obrigada a ir... —Falo, por fim, me levantando. —Viu Djoser? —Minha pergunta faz Leila rir, mas eu não sei por qual motivo.

—Eu o vi no jardim lendo um papiro em voz alta. —Leila fala com uma expressão desconhecida no rosto. Talvez seja o mesmo papiro que ele e Hur falavam, aquele que ele não teve coragem de me entregar...

(...)

Faltava muito pouco para chegarmos em Abul Simbel. Desta vez eu e Hur seguimos lado a lado enquanto nossos filhos nos seguiam, Djoser dava mais atenção para Anippe do que o de costume. Todas as vezes que Djoser falava, Anippe sorria. Não sei qual o assunto da conversa entre os dois, mas pelo o que vejo é sobre algo muito engraçado, até por quê Anippe não parava de rir.

—Anippe me pergunto sobre Gab. —Hur fala pausadamente. —Foi depois de falar sobre Miriã.

—Se não estivéssemos na mesma liteira, talvez eu pedisse para os escravos me carregarem com mais velocidade para não falarmos sobre este assunto. —Falo rispidamente. —E o que você disse?

—A mesma coisa que disse para Djoser. —Senti meu corpo enfraquecer ao saber que Djoser também procurou saber sobre Gab. —Disse que Gab é um príncipe da Núbia.

—Mas eles sabem que Gab tentou , por várias vezes, me... —Paro de falar ao ver a maneira que Hur me observa. Por pouco não falo para o meu marido que outro homem tentou me seduzir. Se Hur soubesse que eu usei Gab para lhe fazer ciúmes depois que eu ouvi Uri falar sobre Miriã... —Que Gab se insinuava...

—Djoser já imaginou tudo isso, Henutmire. Quando se trata de você, nosso filho trabalha com todas as hipóteses possíveis. —Hur fala e segura a minha mão com delicadeza. —Por que acha que Anippe e Djoser conversam animadamente? —Hur pergunta e eu volto a olhar os nossos filhos. —Eles achavam que Miriã e Gab eram perigosos o suficiente para nos separar.

—Miriã é certo que não...—Falo preocupada. —Mas Gab...

—E o que você vai fazer? Gab vai nos infernizar...

—Eu sei. —Falo e percebo que chegamos em Abul Simbel. —Pelos deuses, Hur. —Falo deslumbrada com a obra faraônica erguida em homenagem á Nefertari. —O que é aquilo? —Pergunto orgulhosa.

—Aquilo é a loucura que o amor fez com o faraó. —Hur fala deslumbrado ao ver que o faraó foi capaz de demonstrar seu amor pela grande esposa real como nenhum outro faraó foi capaz. —Isso deve ser de família...

—Você acha? —Pergunto com ironia.

—O que você me deu é muito maior e valioso que o templo erguido para a rainha Nefertari. —Hur fala me deixando envergonhada.

—Mas o que o faraó fez para a esposa... —Falo e dirijo meu olhar para Nefertari e Ramsés. — É algo inusitado.

—As estátuas das rainhas nunca podem ser do mesmo tamanho que a dos faraós. —Hur fala enquanto os escravos abaixam a liteira.

—Mas deveriam. —Djoser fala surgindo de surpresa e me acompanha. —Até por que o homem, mesmo sendo o mais poderoso de todos, nasceu de uma mulher.

—Talvez Nefertari tenha deixado isso bem claro. —Falo e observo Anippe acompanhar Hur.

—A senhora não vai me falar o que aconteceu ontem? —Djoser pergunta curioso. —Por que Anippe foi até a vila?

—Ela não lhe contou? —Pergunto.

—Ela me disse apenas que estava confusa...

—Ela ainda está. —Respondo rapidamente e volto minhas atenções para a aglomeração de nobres. —Você não precisa se preocupar com Anippe ou com qualquer outra coisa, Djoser. —Falo, agora, olhando nos olhos dele. Eu não quero que Djoser também procure por Miriã, ou por qualquer outra pessoa que tenha feito parte do meu passado com Hur.

Já basta Djoser sempre me perguntar sobre Yunet e Disebek, não quero que ele comece a me interrogar por causa do que aconteceu com Hur e Miriã. E agora que Gab está vindo visitar o Egito, temo pelo comportamento dele e da reação que Hur terá ao ver Gab perto de mim.
Com certeza o príncipe Gab irá me convidar para visitar a Núbia como da última vez, e eu não irei novamente. Não sei qual desculpa darei para ele, mas preciso me preparar para aturar seu sarcasmo e seus cortejos.
Mas talvez, depois de tantos anos, Gab deve ter se casado ou pelo menos ter deixado de ser tão cínico como ele foi.

(...)

A volta para o palácio está sendo ainda mais cansativa, apesar de sorrir ao ser cortejada pelos súditos, ainda assim, me sinto incomodada e cansada. Vi uma grande aglomeração de egípcios e hebreus enquanto estou na liteira, agora, acompanhada por Anippe. Hur e Djoser resolveram seguir juntos, para incômodo de Anippe. Sinto que estou ficando distante da minha filha a cada dia que se passa, sinto que estou sendo uma estranha para Anippe.

—Eu não queria preocupar a senhora quando fui até a vila. —Anippe começa a falar sem me olhar nos olhos. —Sei que foi antiquado, mas foi mais forte que eu... —Anippe para de falar assim que a nossa liteira para bruscamente.

—Como ousa não se curvar á mim? —Ouvimos Ramsés perguntar bravo. Ao olhar para o horizonte, noto um hebreu, ainda muito jovem, de pé e diante de Ramsés.

—Abaixem. —Ordeno aos servos e eles obedecem.

—O que a senhora vai fazer? —Anippe pergunta preocupada ao ver o hebreu sendo chicoteado cruelmente. Eu me vou até Nefertari pedir ajuda, talvez ela faça com que o jovem hebreu não seja morto na mão do feitor.

—Nefertari, faça alguma coisa. O rapaz está levando uma surra diante dos nossos olhos. —Falo olhando para Nefertari.

—Ele não pode desafiar o soberano na frente de todos, Henutmire. Ele deve ser castigado. —Nefertari fala me deixando aterrorizada. Eu olho para o hebreu sendo chicoteado pelo feitor, e me lembro que salvei Moisés da escravidão quando ele ainda era pequeno.

—A senhora não precisa olhar para isso. —Leila fala por trás de mim. —É aterrorizante eu sei, mas...

—É vergonhoso, Leila. —Falo assustada ao ver o chicote ferir a pele do jovem rapaz.

—Mãe. —Anippe me chama assustada e olha para o hebreu. —Eu não me sinto bem...

—O que você sente? —Pergunto assustada. Ao colocar minha mão no rosto de Anippe, noto o quanto minha filha está febril. A atenções de todos em tão passar a ser dada para outra coisa, nem para Anippe que está com febre, muito menos o hebreu que estava sendo chicoteado pelo feitor.

Uma figura mendiga surgiu da aglomeração de súditos e se atirou próximo a liteira onde Nefertari e Amenhotep estavam. A princípio, me admirei com a frieza inescrupulosa de Nefertari ao ver Yunet vestida em farrapos na sua frente, e fingir que ela é apenas mais uma em meio a multidão. A assassina dos meus filhos e de Maya agora passa fome e frio nas ruas do Egito.

—Pelos deuses. —Falo assustada ao ver Yunet gritar e se debater diante de Nefertari.

—Quem é? —Anippe pergunta exausta por conta da febre. Aliás, por qual motivo Anippe está com tanta febre?

—Volte para a liteira. —Falo para Anippe ao ver Yunet olhar para nós. —Agora. —Falo empurrando Anippe para que ela não olhe para Yunet, mas a mendiga clama por mim e acaba fazendo com que todos me olhem.

—Minha senhora... Quanto tempo! —Yunet fala fingindo simpatia. Rapidamente Anippe me olha com curiosidade, e Leila me olha com repreensão. —Por todos esses anos eu pedi aos deuses para que protegessem a senhora de todo o mal. —Yunet fala plena de cinismo, com um sorriso falso no rosto e um olhar que reflete exatamente todo o mal que existe dentro dela.

Olhei assustada para Hur, quase como se estivesse pedindo ajuda, talvez socorro. A mulher que quase matou todos os meus filhos, menos Djoser e Anippe, está bem na minha frente me vendo ao lado de minha filha mais nova.
Observei Yunet por alguns segundos, notei o quanto ela estava maltratada pelos anos que vaga nas ruas do Egito enquanto eu me farto do conforto do palácio.

—Tirem essa mulher daqui, agora! —Anippe fala plena de ódio ao ver Yunet ser cínica. Minha filha que antes parecia estar doente, agora menospreza Yunet. —Quem ela pensa que é para falar com tanta intimidade com a princesa do Egito? —Minha filha pergunta com o tom de voz autoritário. Yunet sorriu debochadamente para Anippe, mas minha filha não se deixou levar pela provocação da adúltera assassina. Os guardas retiraram Yunet, usando da força, e de longe ainda consegui ouvir os gritos neuróticos dela. Mas rapidamente voltei para a liteira, notei que muitas pessoas me olhavam com curiosidade, e isso me deixa constrangida.

(...)

Eu não fui para meus aposentos após o cortejo, muito menos tive coragem de falar com Nefertari ou qualquer outra pessoa que seja. Nem mesmo com Leila eu falo o que sinto, não falo por quê sei que ninguém terá a capacidade de me entender.
Eu olho para o Nilo como se ele pudesse me dar todas as respostas para as minhas perguntas, me levanto, pois de tanto sentada estar, me sinto cansada.

—Deseja algo, princesa? —Leila pergunta ao me ver levantar. Ao cruzar os braços, giro meu corpo franzino e respondo a pergunta de Leila.

—Me deixe sozinha, Leila. —Falo pensativa. —Não preciso de seus serviços. —Falo. Leila não insiste em fazer companhia para mim, ela se vai, e quando vejo que estou definitivamente sozinha, respiro fundo tentando afagar minhas dores. Me sento novamente e fico se frente para o Nilo, talvez agora eu me sinta mais a vontade.

Penso estar sozinha com meus pensamentos perturbantes, com as lembranças que me torturam e com tudo o que venho vivendo. Mas não estou sozinha, eu pensava estar, mas não estou.
Enquanto eu olhava para o Nilo com atenção, algo vendou meus olhos e me impediu de ver o rio. Alguém havia vendado meus olhos com algum tipo de lenço, e parecia se divertir com isso.

—Quem é? —Pergunto assustada e tento tirar a venda, mas um par de mãos me impede. As mesmas mãos começavam a massagear os meus ombros e então, noto que Hur está fazendo mais uma de suas surpresas. —Eu preciso ficar só... —Falo levando minha mãos até a venda mas novamente ele me impede e suas mãos percorrem pelos meus braços.

Quando senti Hur me abraçar e, consequentemente me impedir de mover os meus braços, também senti seu rosto próximo ao meu. Eu não posso ver o quanto nossos rostos estão distantes, mas posso imaginar que seus lábios estão ansiando pelos meus. Mal sabe ele que o mesmo desejo almeja meus sentidos, mas eu resolvo esperar por ele, mas seus lábios não vem de encontro aos meus. É então que a venda cai e eu não vejo Hur, mas vejo Gab.

—Como se atreve?! —Pergunto indignada e tento sair dos braços de Gab. Esse maldito já chegou, e chegou sem demonstrar respeito.

—Eu senti a sua falta, princesa...


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Notas finais do capítulo

Chamem a SupperNanny para a Anippe, a carrocinha para a Yunet e a polícia para o Gab



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