O quê Jéssica fez foi por amor? escrita por P B Souza


Capítulo 2
2º Capítulo – 56 Horas atrás.


Notas iniciais do capítulo

Segundo de cinco capítulos!
Agora é o começo mesmo da história, depois daquela bagunça toda do primeiro capítulo está na hora de conhecer os personagens, um pouquinho da história deles, e ver o por quê tudo chegou ao extremo!!!
Boa leitura! :)



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Recesso de natal.

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Harvard era legal, mas o recesso de natal me deixou mais feliz que todo o semestre no campus.

Estávamos cruzando a Memorial Road rumo à Boston, e as nossas férias… Mesmo que por aqui eles prefiram o termo “recesso”.

Quem dirigia era Elijah, meu amigo gato, Elijah Atkins.

Se eu vim estudar aqui em Harvard, é graças a ele, um verdadeiro anjo da guarda, sempre cuidando de mim – E a prova que amizades pela internet podem sim dar certo –. Ele era alto, quase um metro e noventa, ombros largos, e o peitoral trabalhado, assim como o abdômen e as coxas e os bíceps, resultado de um trabalho pesado na acadêmia de Harvard. Um jovem homem negro de vinte e dois anos dotado de uma voz forte e normalmente brincalhão. Nunca entendi porquê ele cursava direito, talvez estivesse no lugar errado porque tinha repetido o primeiro semestre duas vezes já, mas o pai dele estava bancando, e o pai de Elijah era o tipo de homem que não tinha como se contrariar, por isso era Governador de Massachusetts e se preparava para lançar sua campanha à presidência – Eu ainda me impressiono em como, por acaso, quatro anos atrás, conheci Elijah pela internet –. O pai dele costumava dizer que não aceitaria um filho com menos que um diploma de Harvard, e por isso ele cursava Direito, além disso era importante para a imagem política da família, e no futuro talvez viesse a calhar ter um familiar com um dedo em um dos poderes.

Do lado de Elijah, no banco do passageiro, estava Claire, patricinha socialite filha da apresentadora do programa “Talk show com Zoe Reese”. Claire gostava de ficar bêbada e chapada e fazer bobagens, era graças a Claire que tribunais estavam lotados com casos, fossem eles sobre escândalos e processos, ou sobre os direitos dos animais. Claire tinha se mudado para Massachusetts devido o curso de Zoologia que almejava, era vegetariana vegana, e seu passatempo, afora a bebedeira e as drogas, era processar qualquer um ou qualquer organização, empresa, estabelecimento ou comércio que fizesse algo que ferisse os direitos dos animais, ou o que ela imaginava que ferisse estes direitos.

Claire, sendo assim, gastava altas quantias com produtos caros que não eram testados em animais alguns. Até mesmo seu silicone era livre de testes em animais… Se bem que eu não sabia como silicone poderia ser testado em animais. Ela é um pouco menor que Elijah, por isso eles fazem um par bonito, além disso, ela é branca e loira – loira de verdade, nada de tintura – olhos verdes e uma voz delicada como a da mãe. Sai quase sempre em revistas, e vive já quase que independente, tem um apartamento e uma ONG mantida por doações. Só que quem paga seu curso é sua mãe, não ela própria, mas isso era comum ali… Os pais sempre trabalham para pagar a faculdade dos filhos, e ir a falência no processo… Essas coisas americanas.

Os dois eram namorados já fazia onze meses, eu não esquecia a data porque era eu quem lembrava Elijah sobre o aniversário do pai e da mãe dele, e provavelmente lembraria também as datas do aniversário de Claire e qualquer outra que viesse… Não pense que não boto fé em Claire, gosto muito dela, é uma boa moça… Mas o Elijah não é um bom moço, entende?

Mas, de toda, forma, eu não estava ali segurando vela para eles, ainda tinha Rarim e Jane no banco de trás, comigo também. Os cinco amigos.

Rarim era um imigrante indiano – Assim como eu era imigrante brasileira – Ele era baixo, menor que eu, mas Jane era menor que ele.

Rarim Singh não era como Elijah, não era obcecado com o corpo, então parecia um homem comum, tão comum como os indianos parecem – Com um destaque para a barba, única coisa que Rarim se preocupa em cuidar –… Claire gostou dele, não comia carne… De vaca pelo menos. Rarim cursava direito também, mas como transferido da Universidade de Delhi.

E Jane era de família asiática, o avô era da Coreia… Nunca lembro qual, Sul ou Norte, mas para ele ter migrado para os Estados Unidos deve ser daquela que não é ditatorial, né? Jane cursa direito também, sendo que só Claire que não faz parte do nosso grupo de estudo, mas passa mais tempo invadindo nossa sala para “fiscalizar” Elijah, do que na própria sala.

Curioso que a Jane, mesmo tendo olhos puxados, não gosta nem um pouco do oriente, seja da comida, música, governos… Ela nasceu e foi criada aqui, e adora a América – E quem pode culpar ela, certo? –.

E por fim tem eu. Não muito alta nem baixa, sempre me considerei sortuda porque passei pela puberdade sem meu rosto se deteriorar com as espinhas, bem, eu me cuidei bastante para evitar isso. Sempre soube que minha beleza poderia ser uma arma útil! Meu pai é um economista americano, ele estava no Brasil quando aconteceu o atentado de 11 de setembro, o irmão dele morreu naquele atentado, ele voltou para os Estados Unidos prestar respeito, apertou até a mão do presidente. Mas disse que não queria mais morar ali. Então se mudou para o Brasil definitivamente pouco tempo antes de minha mãe se mudar para os Estados unidos com ele. Foi uma confusão, eu bem me lembro, a mudança já tinha sido enviada e teve que retornar, acabamos que ficamos no Brasil mesmo e minha mãe parou de trabalhar para se dedicar a cuidar de mim e escrever os livros dela. E então quando eu cresci decidi fazer intercambio! E por que não em Harvard?

Eu sou bonita, inteligente, meus pais têm dinheiro… Um deles é americano! Sou quase uma nativa!

O carro de Elijah estava cheio com malas para nossa viagem à Provincetown, uma pequena cidade um tanto longe de Boston, o que a fazia ainda mais longe de Cambridge e por definição, de Harvard. Ficava na ponta de um braço de terra na Cap Code Bay, pouco mais de cem milhas da universidade.

Saímos de Harvard ainda cedo, quase nove horas, e era pra viagem levar algo em torno de duas horas e meia até três no máximo, mas ficamos pouco mais que quatro horas dentro do carro. As músicas passaram de Big Sean, pelo gosto de Elijah, para Lana Del Rey, por Claire… Mas ninguém queria cortar os pulsos e morrer, então Jane colocou Bruno Mars, que todos curtiram, mas Rarim pediu para colocar Major Lazer, que tirando Lean On, só tem música estranha!

— Não vai pedir nada? — Elijah me perguntou e eu dei de ombros, não tinha realmente músicas que eu gostasse, talvez Adele? Mas não precisava que colocassem… afinal, o carro não é meu!

O GPS deu o caminho errado e invés de “Rota 3” acabamos entrando na “Rota 3A”, e por isso demoramos mais, felizmente o celular tem um GPS melhor que o do carro, e quando passamos para a “Rota 6A” pelo GPS do carro, o celular mandou continuar pela “Rota 6”, que eram bem mais rápida. Conseguimos chegar em Provincetown depois do almoço, quase às duas da tarde.

Era dia vinte e três de dezembro, e o natal ia ser só entre amigos. Claire tinha brigado com a mãe, então não queria passar o natal com ela, e Elijah nunca passava mais de algumas horas com a família – e essas horas coincidiam com a eventos nos quais ele era obrigado a estar presente pela “imagem política da família” como seu pai fazia questão de lhe lembrá-lo –.

A família de Jane estava viajando para a Coreia esse ano, e ela, devido o curso, não pode ir, e Rarim não queria voltar para a Índia para comemorar uma data que ele nem comemorava.

E eu… Bem, Deus não é bem minha parada, nem da minha mãe, e meu pai talvez quisesse passar o natal com a família, mas teria que viajar para Nova Iorque, e o Brasil está em crise… Não dá!

A casa que tínhamos alugado não era exatamente uma mansão, mas estava longe de ser simples, pequena, mas muito bem-feita.

Provincetown, assim como Boston, tinha aquele clima de cidade velha – embora Boston estivesse bem mais moderna nos últimos tempos, mais que Cambridge pelo menos – As casas eram feitas, a grande maioria, em madeira, e as cores variavam entre branco, verde-claro, azul-claro, cinza claro… Tudo era muito leve. As ruas mais importantes eram as únicas que realmente sofriam alguma mudança nesse padrão, por possuírem comércio eram dotadas de cores mais quentes, podia-se ver fachadas vermelhas para restaurantes, tendas verde-musgo, algumas casas até ousavam uma fachada amarela ou laranja, mas eram minoria.

Provincetown é uma cidadezinha de costa, banhada pelo mar por todos os lados, ligada à terra firme por um pequeno braço de terra, portanto o lugar estava vazio, já que era natal, e inverno, e frio.

— É por isso que vamos para lá! As casas são quentes, e com o tanto de maconha que vou levar, ninguém vai sentir frio! — Elijah tinha explicado para nós quando decidiu para onde iria nos levar três dias antes do recesso.

Agora, ali na frente da casa, eu me sentia uma nostálgica em filmes de terror.

Era uma casa de dois andares com uma torre no lado direito. Tinha uma varanda na entrada, as paredes eram cobertas por madeira horizontal pintada em um tom verde-água um pouco mais escuro que o comum, os telhados eram cinza e uma chaminé saia do topo do telhado, no meio da casa. Elijah estava certo, não passaríamos frio!

— Vamos… Peguem as coisas.

— Aquele não é o carro do professor Anthony? — Jane perguntou, parando com uma mala só nas mãos, fazendo uma careta de força como se estivesse pesado demais para carregar.

— É um carro igual ao do professor, genia! — Claire respondeu em um tom de deboche, Rarim soltou uma risadinha e então voltamos todos a andar.

Eu, porém, senti uma pequena pontada no peito, e toda a preocupação despertou. O quê eu estava fazendo ali? O quê eu estava fazendo em uma casa de férias, prestes a fumar uns baseados e encher a cara, enquanto minhas notas estavam no chão? O quê? Foi só lembrar de Anthony para lembrar de tudo que estava errado.

Elijah e seus poderes de persuasão! Essa era a minha única desculpa. – Quero só ver, Jéssica, quando suas notas estiverem no chão, e cem mil dólares tiverem sido jogados fora, quem vai persuadir sua mãe! – disse a mim mesma enquanto bufava e pegava minhas duas malas, levando-as para dentro.

Com sorte, minhas notas aumentariam… Afinal, eu também tinha meus poderes de persuasão!

A casa era confortável e, ao que tudo indicava, era também quente.

— Já liguei o termostato. — Claire avisou, vindo saltitando da sala, a esquerda. — A lareira é eletrônica, ainda bem… Pensei que íamos ter que ficar sentindo cheiro de lenha queimada.

Era estranho a mim tal desgosto americano, mas era comum a eles. O cheiro de lenha queimada era incomodo, mas todos queriam lareira, as casas mais antigas, como era o caso desta, normalmente tinham lareiras movidas a lenha, mas está em especial tinha lareira movida a gás.

Eu avancei no corredor, na esquerda a cozinha com uma escada de acesso para cima e sala de jantar, a direita uma sala dois ambientes, com televisão, estante de livros e o lavabo. A casa tinha três entradas, a principal, pela varanda, onde tínhamos entrado, a lateral, na direita, no meio da sala, entre os ambientes desta, e a dos fundos, localizada atrás da escada, que ficava no corredor também. Nem precisei subir para imaginar como seria o andar de cima, as divisões, dois quartos na direita, estes separados com um banheiro no meio. Na esquerda, a suíte do casal e um pequeno escritório talvez.

Quando subimos constatei que estava correta, mas não havia escritório algum, apenas a escada de acesso da cozinha no corredor se prolongando em uma curva, fazendo péssimo uso do espaço, se tivesse um escritório ali o lugar podia valer vinte mil dólares a mais na venda!

As vezes pensava que se nada desse certo na área de direito eu poderia virar corretora, a comissão enriquecia todos os corretores! E eu sou bonita e consigo sempre o que quero, faria ótimas vendas para todo tipo de cliente, desde que fosse homem.

Depois de arrumarmos as coisas e nos ajeitarmos da maneira que pudemos eu e Jane fomos para a sala conversar um pouco, mesmo que a necessidade de estudar e o peso na consciência estivessem me matando, eu estava disposta a protelar mais um pouco.

— Tá bom, tudo arrumado. Vocês vão ou ficam? Vou ir comprar combustível! — Elijah passou por mim e Jane, na sala. Claire descia as escadas atrás dele, prendendo o cabelo, só risos.

Elijah não fala “Álcool” ou “Bebidas”, porque isso atraia imagem negativa na imprensa, e já estava tão acostumado com a máscara de bom garoto que seu pai precisava que ele usasse que era comum que, mesmo entre amigos, algumas idiossincrasias dele fossem, na verdade, as máscaras que seu pai havia ensinado-o a usar.

Uma vez a gente tinha discutido sobre isso, e eu pude ouvir o pai dele através da boca de Elijah “Acho que um homem só pode usar máscaras por um tempo até se fundir a elas”. Ele tinha dito, o triste é que é verdade, mas eu não quero que meu amigo vire as máscaras que é obrigado a usar, Elijah é tão mais que isso!

— Quer ir? — Jane me perguntou, ela não parecia querer voltar ao carro, e nem eu.

Virei o torso para trás e olhei para Elijah e Claire, onde Rarim estava?

— Podem ir! — Disse para ele, Elijah deu de ombros e saiu andando com Claire atrás dele.

Claire as vezes parecia um chiclete, dava até raiva.

— Esse clima horrível… Devia estar na Florida com minhas Avós, esse frio sempre ataca minha reniti. — Jane reclamava. As avós dela eram um casal de lésbicas que não tinham sido aceito pela filha, a mãe de Jane, no entanto Jane adorava suas duas avós.

— Aqui dentro está até que quente… Viu Rarim?

— Ele subiu, deve estar se masturbando, nojento.

— Foi uma vez só. — Eu dei risada, mas o fato havia sido traumático.

Claire havia dado uma festa tempos atrás, e Elijah arrumou de Rarim ficar com Jane, mas Rarim havia sumido. Ouvimos sons estranhos no banheiro, como de alguém vomitando, a porta não estava trancada, pensamos então que ele estivesse passando mal devido a bebida, e abrimos… Mas lá estava Rarim, com as calças no tornozelo, sentado na privada, se masturbando com uma foto de Jane em seu celular. Jane não viu nada, Elijah e eu que vimos, mas a história chegou até ela de mesmo jeito – na verdade, acho que foi Elijah, bêbado, quem abriu o bico – Desde então Jane tem sido muito severa com Rarim, mas ela gosta dele, todos sabem… É só frescura, como se ela nunca se masturbasse!

Me levantei e deixei Jane na sala, subi as escadas e fui no quarto onde Rarim ficaria, ele dormiria sozinho, Jane e eu dividiríamos um quarto, Elijah e Claire ficaram com a suíte.

— Me esperem… Vou junto! — Ouvi Jane gritando, lá fora. O carro ainda não tinha saído, então era provável que Claire e Elijah tivessem parado para se amassarem no capô gelado.

Bati à porta e abri em seguida, um costume antigo, nunca esperei as pessoas responderem “Entra”.

— Rarim… — Olhei para a cama, e lá estava ele, deitado, coberto, as pernas dobradas, e o celular na mão. Desejei que não fosse nada demais. — Quer estudar?

Perguntei de forma natural, ele também não estava com as melhores notas então poderia ser uma boa.

Sendo assim nós dois fomos para o quarto meu e de Jane, apenas eu tinha trazido livros e cadernos, já que apenas eu tinha peso na consciência.

Começamos revendo os conceitos que determinavam a culpabilidade de um acusado de agressão, e que fatores poderiam, em corte, corroborar tal afirmação… Conteúdo em si, chato. Eu queria focar nos direitos trabalhistas, mas teria que, para isso, passar primeiro pelos outros temas todos. São tantos módulos que as vezes até penso em desistir e voltar para o Brasil e ser corretora, mas assim como Elijah, eu tenho uma família que anceia pelo meu diploma mais que eu mesma anseio – E isso é apenas triste, não? –.

Continuamos estudando pelo que parecia uma eternidade, as leis, os números, quem as criou, quando, o tempo de pena que cada uma poderia implicar… Medicina talvez fosse mais fácil!

Elijah simplesmente não retornava… Tipo, nunca mesmo!

Depois de esvaziar a terceira garrafa de Honkers Ale, Rarim me olhava de esgoela enquanto sentava em cima das pernas, mudava de posição, se ajeitava… Até que encarou e disse;

— Vou ao banheiro. — Seu sotaque era forte e eu sempre achava engraçado, mas fiz meu melhor para não rir.

Tínhamos trazido algumas bebidas, mas não muito, era difícil manter álcool no campus, já que não participávamos de nenhuma fraternidade… E as inspeções meio que ignoram as fraternidades, mas não os alunos comuns.

Rarim parecia demorar lá no banheiro, então desci e fui até a varanda, impressionada com o fato de Elijah, Claire e Jane ainda não terem voltado, mas quando olhei para o celular vi que tinha se passado só quarenta minutos… Que poderia, sem dúvidas, ser tempo o bastante, mas Elijah era enrolado, e talvez eles tivessem parado para comprar pizza, tinha ouvido-o falar sobre querer pizza.

Desci da varanda da casa e andei pelo quintal até a frente, algo que sempre me fascinou nas casas americanas é a inexistência de portões e muros altos… Soa tão surreal mesmo eu estando aqui já há um ano.

A casa ao lado estava vazia, ao que parecia, fui até a calçada e olhei-a, tudo apagado, sem cortinas nas janelas, uma placa dizia “For Sale” ao lado da caixa de correio. Eu percebia que já estava começando a pensar em inglês, aos poucos simplesmente esquecia o português, até para falar comigo mesma falava em inglês.

Me virei, meus braços em volta um do outro, me abraçando, não nevava, mas estava frio, acho que uns 49 Fahrenheit, o que devia dar uns 9 Celsius, eu acho… Até temperatura e distância eu já pensava em fahrenheit e milhas, e não Celsius e Quilômetros.

A casa no lado oposto, porém, estava com as luzes acesas, pisca-pisca iluminando os contornos das janelas, e um papai noel pendurado ao lado da chaminé, que soltava fumaça – provavelmente queimando madeira de verdade – Lancei um rápido olhar para a nossa chaminé, um filete quase inexistente de fumaça saia por ela.

Então quando olhei novamente para a casa iluminada um homem estava na sacada.

Normalmente eu teria desviado o olhar, não gosto que me vejam encarando, soa rude demais, no entanto mais cedo o carro na frente da casa iluminada era um carro semelhante ao do professor… Então o homem na sacada me olhou, mesmo de longe, a barba, os olhos, ele inclinou a cabeça um pouco para o lado e eu vi um pequeno sorriso surgindo.

Professor Anthony? – Era ele, mas como podia?

Ele levantou a mão fazendo sinal para que eu esperasse, então entrou no quarto. Eu olhei ao redor, girando nos calcanhares, perdida… O que fazer?

Era quase certo que ele estava vindo me ver, mas e se Elijah chegasse, ou Rarim saísse a minha procura?

Estava sendo boba, claro, o que eles poderiam presumir além do óbvio… Por algum motivo o nosso professor estava na casa ao lado, e, ao me ver, veio falar comigo, como teria feito com qualquer um deles… Será que pensariam isso? Ou será que pensariam algo a mais?

É incrível como quem tem culpa se expõem involuntariamente… Claro que se alguém me visse nesse exato momento saberia que eu escondo algo, mas a culpa disso era minha, por estar cada vez mais afobada e desesperada. Percebi como isso seria ruim em uma corte.

Respirei fundo, falando “se recomponha” para mim mesma.

Enquanto isso surgiu, pela cerca de madeira que dividia os terrenos, o professor Anthony. Eu olhei para ele como quem não quer nada, afinal, eu não queria nada… O que eu precisava eu já tinha feito o possível para obter, o resto era a parte dele da barganha, não minha.

— Jéssica, tu fica ainda mais bonita sob o pôr do sol. — Ele elogiou, se aproximando rapidamente de forma despudorada. Então recuei um passo como sinal para que ele parasse, e ele assim fez. — O que faz em Provincetown, no natal? Família? — Perguntou, lançando um rápido olhar para a casa, então voltou a me olhar nos olhos… Ah, esses olhos.

— Posso perguntar o mesmo, professor, o que o Senhor faz aqui. — Nossos jogos de palavras.

— Presumo que seja nada menos que justo. — Anthony disse, mas então, coçando a barba no maxilar, ele respondeu; — E por favor, não estamos em Harvard, pode me chamar de Anthony, ou Toni, se preferir, preferiu Toni… — Sorriu, como sorriu naquele dia no escritório.

Eu sorri de volta, involuntariamente, e abaixei a cabeça para esconder, os braços ainda cruzados. Ele então riu e se aproximou um pouco. Eu estava baixando a guarda involuntariamente.

— Não esconda essa risada perfeita — Encostou os dedos no eu queixo erguendo meu rosto até que nossos olhos se encontrassem, mas então eu forcei minha risada a desaparecer. — Não foi feita para ser escondida, Jéssica. E respondendo a sua pergunta, a casa é minha… De minha esposa, digo. A mãe dela mora aqui perto, muito religiosa sabe, e então viemos passar o natal aqui, já que o ano novo será em Harvard mesmo.

— Tadinho do professor oprimido. — Eu disse em tom de deboche, e ele pareceu gostar.

— Sua vez, o que faz aqui? Não deveria estar… Estudando?

— No natal? — Eu retruquei. — Ora, que tirania, Toni. — Disse me aproveitando da deixar para não usar o “professor”. Depois de descontraída eu soltei os braços e fiquei mais à vontade, quase me esquecendo de Elijah por chegar ou Rarim podendo vir me procurar, o que por sua vez é bom, assim aparento menos culpa — Viemos eu, Rarim, Jane, Claire e Elijah passar o recesso entre amigos, nenhum de nós é exatamente religioso então pensamos… — Não sabia bem como explicar.

— Em beber e fumar um pouco. — Anthony completou. Aparente ele sabia exatamente como completar, afinal, ele era professor já fazia anos, conhecia os jovens.

— Eu trouxe os livros… Na verdade, eu e Rarim estávamos estudando agora mesmo.

Anthony me encarou por alguns instantes, eu não sabia mais o que falar, só podia me manter quieta e esperar a resposta. Ele ajeitou o casaco que usava cobrindo aquele peitoral coberto por pelos curtos e lisos, me lembrei de como ele se movimentava, de como suspirava, das mãos fortes e os hábeis dedos… Então me respondeu.

— Está bem, Jéssica. — Com um sorriso naquela boca cercada pela barba desenhada ele se virou e saiu andando, então aquela voz sarcástica. — Tomará que estudar seja o bastante, não?

Eu pensei em correr até ele e segurá-lo pelo braço, mas Anthony queria isso, esperava por isso, eu podia ver nele, aquela coçadinha na barba, ele sabia como eu gostava da barba dele, os olhares… Anthony é um aproveitador, mas ele diria o mesmo de mim.

— Feliz natal, professor. — Respondi em despedida, me virei para a varanda da casa e comecei a andar.

— Feliz natal, aluna. — Ele nem mesmo olhou para trás, isso me deixou com raiva, mas sabia que não ia durar.

***

Elijah conseguiu chegar duas horas e meia depois de terem saído, inaceitável.

Mas com ele vinha duas garrafas de vodca, uma de uísque, uma de absinto e três engradados de cerveja. Talvez aquilo fosse o suficiente, por hoje!

Claire estava com as pizzas e a maconha, ela tinha licença para comprar a medicinal, e o sobrenome certo para comprar um pouco a mais que o prescrito na licença. Elijah não ousava comprar um pouco a mais, ou um pouco que fosse, sabia que se seu nome aparecesse no jornal associado a nada menos que um ato heroico, seu pai cortaria sua mesada, seus carros, suas regalias, e tudo que ele tivesse que exigisse dinheiro do cofre pessoal dos Atkins. No entanto, ele comprava um pouco de pó em Harvard, mas era um contato seguro… Todo o campus, inclusive alguns professores, compravam desse contato, que era alguém de dentro da universidade… Não que isso surpreendesse, há corrupção em qualquer lugar!

Bebemos e fumamos e brincamos, e rimos… O tempo finalmente passou rápido. Rápido demais, porque era meia-noite e ninguém notou.

Foi quando Claire foi desafiada por Jane a sair só de roupas íntimas no frio e ficar girando por um minuto, depois voltar. Acho que passou trinta segundos, se não foi menos, ninguém foi fiscalizar.

Mas quando Claire voltou para a sala, ela estava rindo, como todos nós, mas a risada dela era um misto de vergonha e excitação – Rarim, à vela, cuspiu uma das azeitonas e começou a rir –.

— To tão loucona que vi o professor gato na casa ao lado. — Ela afirmou, e começou a rir.

Elijah olhou para mim – Ele sabe? – me perguntei. Provavelmente, Elijah sabia tudo sobre mim. Rarim e Jane começaram a rir.

— Anthony está ali, a casa é dele e da mulher. Vieram passar o natal. — Busquei cada pedaço integro que restava para falar aquilo sem dar risada ou parecer zoação. Tudo balançava, e ondulava, e eu sentia como se deslizasse, a mesma sensação de areia de praia sob os pés quando a onda vem e vai, sabe?

Elijah riu um pouco, acho que mais pela maconha que por rir mesmo, me olhou por um tempo.

— Como descobriu? — Perguntou, não muito indulgente.

Percebi que se quisesse eu poderia simplesmente ignorar a pergunta e ele nem notaria… Nem ninguém ali, e então tudo ficaria bem, mas ao invés disso eu respondi.

— Eu fui falar com ele! — Disse rindo, escondendo o rosto nas mãos.

— Você foi falar com o professor gato? — Claire fez cara de escândalo, como se fosse algo surreal, como se não nos falássemos quase todo dia nas aulas.

O pior que eu reagi como se fosse algo surreal digno de atenção.

— Fui! — Disse como uma criança que tinha acabado de conversar com um ídolo.

— Até aqui, Jéssica? — Elijah quem falou, ele parecia desdenhoso. — Sério? Não dá pra… — Ele esticou as pernas e colocou a mão em cima do volume que ficou no moletom, então fechou as pernas, cruzando-as como uma menininha — Fechar as pernas!

— O quê? — Eu olhei para ele, indignada.

Rarim riu baixinho como se pressentisse a briga. Eu realmente devia não ter respondido.

— Elijah, calma ai. — Jane quem falou, mas ele ignorou ela, todo mundo ignorava a Jane.

— Todo mundo sabe que vocês dois andaram… — Ele levantou as sobrancelhas. — Por qual outra razão você ia estar aqui fumando umas e não estudando, se as notas não estivessem garantidas?

Esse era o tipo de coisa que eu esperava ouvir de Elijah… Só não ali, no meio dos outros. Eu sequer teria ficado brava, na verdade, ele estava certo. Completamente certo!

Eu só tinha ido até ali porque acreditava que minhas notas estavam seguras graças… ao que fiz. Mas estavam?

No entanto, Elijah não podia ter falado aquilo ali, na frente de Claire, Jane e Rarim. Então eu precisei agir. Agarrei o copo de vodca de Rarim e joguei o conteúdo contra o rosto de Elijah que começou a rir enquanto lâmbia os lábios.

Não fiquei para ver o resto, me levantei incapaz de debater e fui para as escadas, tropecei no primeiro degrau e cai, as mãos de apoio no degrau impediu que eu desse de cara no chão, Rarim surgiu do nada atrás de mim.

— Quer aju…

— Me deixa. — Empurrei ele para trás, não devia ter feito isso, foi insensível da minha parte, e então voltei a subir.

Rarim é um cara legal, só queria ajudar. É uma droga quando a gente tá errada, mas não quer dar o braço a torcer. Que droga.

Entrei no quarto e não me dei ao trabalho de tirar a roupa suja que estava usando, me joguei na cama e preparei para fechar os olhos. Quinze horas tinham se passado desde a saída de Harvard para Provincetown, em quinze horas eu ferrei com tudo.

Só bem depois, quando estava prestes a fechar os olhos que notei, aquela era a cama de jane, não a minha.

E dai? Dormi.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do capítulo e que a narrativa tenha melhorado aqui =)
O mapa é o caminho de Boston até Provincetown pelas vias principais. Harvard fica pertinho de Boston, 20 minutos de carro... então nem puxei o mapa de Cambridge até lá, só de Boston mesmo.
Obrigado por ler, e se puderem comentar eu vou agradecer muito!!!
Até o próximo, gente bonita!



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