O Cupido escrita por Mits


Capítulo 16
Fiesta


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de avisar a todos que fugi do cativeiro.



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Parte I 

Pedro nunca foi muito bom com as palavras, ele era o tipo de cara que dizia a primeira merda que vinha na cabeça. Como, por exemplo, aos doze anos, quando sua prima de segundo grau foi fazer uma visita aos seus pais e Pedro a chamou de gostosa. Sua prima não era gostosa, pelo contrário, ela estava iniciando a puberdade tanto quanto ele, seios pequenos e quadril começando a ficar grande. Nos dias atuais, Pedro até poderia dizer que sua prima estava gostosa, mas não conseguiria fazer isso sem ter que ignorar a vontade de vomitar. Pouco depois de ele ter descoberto o poder das palavras, ele não se limitou em dizer besteiras absurdas até completar catorze anos, idade em que sua mãe finalmente tomou coragem e deu uma chinelada em sua boca. Depois disso, Pedro dizia besteira apenas com os amigos.  

E mesmo sendo o rei da lorota, naquele sábado fatídico, Pedro não estava conseguindo usar as palavras corretamente. Ele e seus amigos tinham acabado de chegar ao boliche quando Ethan os encontrou na porta, estava usando um suéter horrível que provavelmente a mãe bordou para ele, seus olhos tinham olheiras mais profundas do que na última vez que Pedro o vira, uma fumaça cinza saia de seu nariz. Ethan sorriu para eles e Pedro teve vontade de sair correndo dali. Os amigos o cumprimentaram animadamente, rindo de alguma idiotice. Pedro permaneceu calado, com as mãos no bolso do jeans e uma vontade louca de fumar, mesmo tendo recusado todas as ofertas de maconha dos amigos quando estava indo ao boliche.

Seus olhos e de Ethan se encontraram rapidamente antes de Pedro desviar o olhar e se enfiar no Boliche do Bob. Ele não sabia exatamente porque estava ali, talvez por puro medo ou covardia, mas tinha a única e real certeza de que iria embora bem antes da noite terminar. Ethan o tinha visto, então não poderia tirar satisfações depois. Com Will ele tiraria, ah, sim, sem dúvidas. Mesmo depois do acontecido, William teve coragem de faltar em um evento idiota que Ethan inventou para não se sentir sozinho aos sábados.

Will era um cara…

— Doido, é isso que ele é – disse Will segurando o volante com tanta força que seus nós das mãos estavam brancos. – Filho da puta maldito.

Peter estava com aquela sua expressão natural de do que você está falando, velho? Will normalmente zoava aquela expressão, mas aquele não era um dos seus melhores dias. – Filho da puta! Bastardo! Eu vou acabar com ele, esse miserável – praguejava ele socando o volante.

— Ei, calma, cara. O carro da sua mãe não tem nada a ver com isso. Respira, abre os vidros do carro, aqui dentro está fedendo a cigarro e peido – disse Pedro puxando a alavanca embaixo da janela, a brisa abafada do dia encheu o carro rapidamente. – Meu Deus, você está muito puto, respira. O que aconteceu? O que o Ethan fez?

— Eu preciso de outro cigarro – Will começou a enfiar as mãos nos bolsos de maneira desesperada, Pedro o olhava, surpreso e assustado. Quando ele percebeu que não havia cigarro no bolso, começou a procurar pelo carro.

— Não sabia que você fumava cigarro – Peter falou enquanto Will afastava sua perna e procurava um cigarro embaixo do banco.

— Minha mãe deve ter perdido um por aqui...

 Sem sucesso com a busca, ele esmurrou mais uma vez o volante, que chiou com a buzina alta. Wil jogou a cabeça no assento de couro, de repente se sentindo extremamente cansado. – Droga.

Peter ficou parado, com um dos braços pendurados pela janela, o vento quente batendo em seu cangote. Ele esperava que Will explicasse o que estava acontecendo, ou tive outra crise de raiva.

— Ele entrou na minha casa – Will disse sem olhá-lo. – Esse arrombado invadiu a minha casa.

— O que... Quem? – Peter arregalou os olhos levemente e se aproximou, o braço ainda pendurado pela janela.

Eles estavam parados no estacionamento da escola, que naquele horário já estava quase vazio. Peter havia saído da escola, segurando as bolas e choramingando por causa da dor. Hannah poderia ser bonita, mas é impossível amar a mulher que machucou sua área sagrada. Peter esperava uma conversa animada, feliz, que provavelmente envolvesse maconha. Mas lá estava Will, puto da cara, defumando o carro com cigarro de mulher velha.

— Ethan, Pedro, caramba! Você é idiota?

— Não precisa me ofender, seu babaca, não te fiz nada.

Will passou a mão no rosto e coçou o queixo, percebendo que precisava fazer a barba. – Foi mal, eu estou muito puto. Você não tem noção.

— Você estava fumando cigarro, então, sim, eu sei. Agora me fala logo o que aconteceu, de maneira completa. Não um ele foi à minha casa – Peter fez uma voz feminina e nada charmosa, com uma careta para acompanhar. – Não tem como eu adivinhar o que você está falando. Explica logo.

— Eu disse que não participaria mais dessa aposta ridícula, então foi isso que eu fiz. Eu liguei para o Ethan e falei que era uma invenção idiota, e que nós dois não queríamos mais fazer nada isso, para deixar as meninas em paz e, sei lá, inventar outra brincadeira, com outra pessoa. Ele deu uma risada esquisita e tentou me convencer de que a aposta era legal, era divertida. Eu disse que não queria mesmo, e que não participaria disso. Ele deu aquela risada esquisita de novo e disse que estava tudo bem. – Will respirou fundo e
mordiscou o nó do dedão. – Mas não estava bem, claro que não. Meu Deus – ele riu sem humor. Peter absorvia tudo, como se estivesse vendo um filme, boca levemente aberta, olhos atentos. – A gente não se falou mais depois disso, não encontrei ele na escola, nem na praça, nem em lugar nenhum. Fui idiota de acreditar nele. No outro dia, eu passei em casa para pegar minha chuteira para ir jogar bola, minha mãe estava em casa com a Emília. Parecia um filme de terror, eu juro. Minha mãe estava terminando o almoço e a Emília estava no quarto com um amigo, um amigo meu, eu estranhei na hora. Nunca deixaria nenhum amigo meu chegar perto da Emília, você sabe. Eu fui até o quarto dela, quase correndo pela casa. Minha mãe disse que ele era um dos meus melhores amigos, era uma pessoa confiável, que eu não deveria me preocupar. Quando eu cheguei lá... Caramba, Pedro, que vontade de arrancar a cabeça dele com um taco de basebol. Ele estava descalço, sentado na cama dela, com as porcarias das pernas cruzadas que nem um índio. Emília estava com ele, ainda com a roupa do balé. Eles estavam estudando geografia. – Will finalmente o encarou. – Ela me disse que ele tinha se oferecido para ajudá-la com as questões difíceis de geografia. Aquele babaca não sabe nem onde fica o Texas. Ela aceitou a ajuda, porque Emília não sabe dizer não. Ela disse também, nossa, só piora – riu outra vez. – Ela disse que outros amigos meus estavam oferecendo ajuda, seja levá-la para casa depois da escola, ou passear com o cachorro.

Ele balançou a cabeça e esmurrou o volante repetidas vezes. Quando parou, já ofegante, Pedro deu um soco no volante também.

— Ele almoçou na minha casa, ajudou minha mãe com a louça e foi embora, sorrindo como um otário. Emília agradeceu a ajuda e eu quis matá-lo naquela mesma hora.

— Ele falou com você na escola? – Peter finalmente teve coragem de perguntar algo. Uma pontada fria de medo crescia em seu peito.

— Sim, ele veio atrás de mim. Vamos continuar com a aposta, Will. Foi tudo que ele disse e eu sabia que se não continuasse, ele machucaria a Emília. Eu tenho certeza disso. Ethan é um doente, ele já fez isso no passado.

— Com a Emília?

— Não, com outra garota. Enfim, ele ferrou com a vida dela.

— Quem é a garota?

— Pedro, isso não importa agora. O que importa é que o Ethan vai querer que a gente leve isso até o fim.

— Que medo desse cara.

— Odeio admitir, mas também estou com medo. Depois disso eu busco a Emília na escola todos os dias, disse para ela não aceitar mais ajuda dos meus amigos. Eu acho que me culparia para sempre se ele a machucasse. E ele machucaria, não tenha dúvidas.

— Acho que... – Pedro fechou os vidros, sentindo frio de repente. A situação era bem mais séria do que parecia, e ele se pegou pensando o que Ethan faria com ele caso não quisesse mais fazer parte da aposta. – Acho que ele fez isso com você porque sabe que você é o mais corajoso do grupo, o que sempre enfrenta ele. Acho que ele fez isso por medo.

Will não respondeu de imediato, o sol estava quase no seu horário de ir embora, e se eles não saíssem do estacionamento logo, ficariam um tempo presos ali dentro. Ou levariam uma bronca. – Essa foi a coisa mais inteligente que você já disse.

— Valeu... Eu acho.

— Mesmo assim, não quero arriscar. Eu posso até dar medo nele, mas todos os outros caras tem medo dele, então ele controla todos. Não posso proteger a Emília de todos.

— Tem razão. Você vai continuar?

— Sim.

— Então eu também vou.

— E a gente tem escolha?

 

                                                     x

 

 

Era dez e quarenta e nove quando Dona Falange ligou para o síndico do prédio e reclamou do barulho no apartamento ao lado, ele informou que, por ser sábado o horário ainda não tinha excedido então os donos do apartamento não poderiam ser multados. Depois das onze, talvez. Dona Falange desligou o telefone, irritadiça, calçou suas pantufas, vestiu seu roupão amarelo com flores na barra, e foi até sua varanda no térreo, onde podia ver as meninas que infernizavam sua noite. Havia uma mesa de besteiras no meio da varanda ao lado, com salgadinhos, doces, chocolates, garrafas de refrigerante, energético e uma bebida que Falange achava ser uísque; puffs coloridos estavam espalhados pelo chão, com algumas almofadas e travesseiros em cima. Ao lado de um vaso de planta vazio, o motivo da irritação de Falange tocava uma música alta com letras estranhas e uma batida mais estranha ainda: uma caixa de som azul com luzes piscando pelos buracos que ela jurava ser de onde a música saia. Era um rádio moderno extremamente estranho, na sua época, as músicas só eram ouvidas no bar e olhe lá. Meninas decentes não ficavam escutando música alta em casa, incomodando os vizinhos.

Dona Falange percebeu o quanto a iluminação daquela casa era boa e se perguntou onde eles compravam luzes tão boas. Percebeu, também, que a varanda deles era bem mais espaçosa do que a dela, que era abastecida por plantas, um varal e a caixa de areia da Lili, sua gata de cara achatada. A senhora se aproximou da extremidade das varandas, separadas por um minúsculo e magricelo corredor de plantinhas, e chamou por Amanda, a filha irresponsável do casal simpático.

— Amanda! – ela chamou pela segunda vez, percebendo que sua garganta já não estava tão boa. Rogério tinha razão, ela deveria passar no médico. – Amanda, minha querida.

Na entrada do prédio, Amanda ajeitava o cabelo e esperava por suas amigas. Ela sabia que não precisava ter ser arrumado tanto, e mesmo assim saiu mais cedo para comprar um vestido novo de renda e seda cor-de-uva, deixou os cabelos hidratados e escovados, depois percebeu que liso era muito sem graça e fez alguns cachos na parte de trás. Aposto que a Jen esquisitona não precisa fazer isso, disse ao tentar enrolar um amontoado de fios rebeldes que insistiam em continuar liso. Colocou a melhor maquiagem que tinha, incluindo um batom vermelho que a mãe usava em eventos especiais. Ela não se sentia linda, mas sabia que todas as outras diriam que ela estava bonita, então valeria a pena.

Ela tinha marcado dez e meia, mas aquelas mesquinhas nunca chegavam no horário. A não ser por Naomi, essa era incrivelmente pontual, às vezes chegava alguns minutos antes. Mas não naquele dia, e aquilo incomodou Amanda terrivelmente, trazendo de volta a preocupação de que talvez ninguém fosse aparecer. Nem Megan, sua prima, nem Mony, uma bajuladora útil, nem Naomi, a asiática tímida um pouco estranha, nem Hannah com aquele nariz ridículo inchado, nem Jen, a garota que todos diziam ser bonita, mas Amanda discordava, e nem mesmo Hayley, aquela insuportável que estava se engraçando com Alex.

Quem ela pensava que era? Simplesmente começar a dar em cima do cara mais bonito da escola e achar que todas as outras garotas iriam aceitar! Até parece, nunca. As outras mesquinhas poderiam desistir dele, mas ela não, nem pensar. Foram muitos meses tentando ser notada para simplesmente desistir dele. Ela sempre se lembraria dos dias que acordara mais cedo só para ter tempo de passar maquiagem e fazer chapinha, foram dias difíceis, mas deveria ter uma recompensa no fim. Por favor, tenha uma recompensa no fim.

— É bom ter a droga de uma recompensa – ela disse em voz alta, estava começando a ficar irritada.

— Pois não? – disse o porteiro atrás do vidro.

— Estava falando sozinha – respondeu sem a menor educação que sua mãe havia dado. – Que saco, cadê todo mundo?

— Elas ainda não chegaram? – o porteiro continuou com a mesa simpatia, deixando Amanda um pouco mal pela grosseria.

— Não, eu marquei dez e meia e elas ainda não chegaram. Saco – disse entre os dentes. Ela sentiu uma vontade louca de roer as unhas. – Saco, saco.

— Fica tranquila, daqui a pouco elas chegam. Ninguém nunca chega no horário nas festas – o porteiro riu levemente e voltou a se enfiar em sua cabine escura. Amanda deu graças a Deus mentalmente por ele deixá-la sozinha.

A festa do pijama era importante, blablablá, claro que era. Mas ainda mais importante do que isso era ir ao boliche dos rapazes e finalmente ter uma conversa decente com Alex. Ela poderia ter feito isso durante as aulas, mas era quase impossível encontrá-lo sozinho ou simplesmente encontrá-lo. Fora da escola, por sua vez, era bem pior. Ela sabia que ele trabalhava e cuidava da irmã/filha/ela-não-sabia, só não sabia exatamente onde essas coisas irmã e trabalho ficavam. Talvez ela não tivesse coragem o suficiente para falar com ele sozinha e precisava inventar uma festa do pijama patética só para usar de pretexto, que nem funcionava assim tão bem, e ir com todas as meninas ao encontro de Alex para ver se assim tinha coragem suficiente de falar com ele e ignorar o medo de que talvez ele fosse mais perfeito na cabeça dela do que na vida real?

Sim, era exatamente isso. Se tudo desse errado, pelo menos ela tinha comprado várias besteiras que serviriam de consolo.

As primeiras pessoas a chegarem foram duas irmãs gêmeas que Amanda não fazia a menor ideia de quem eram e nem se ela as tinha convidado, mas ficou alivia de alguém ter aparecido. As duas garotas se aproximaram do portão do prédio, sorrindo e acenando para Amanda.

— Elas vieram para a festa – Amanda disse para o porteiro com alegria e alívio.

Logo atrás delas, Megan, Naomi e Mony traziam sacolas de supermercado e riam de alguma piada que Megan havia contado. Amanda quis perguntar de Hayley, mas elas ainda nem tinham chegado ao portão ainda. Megan estava muito menos arrumada que Amanda e ela se sentiu bem imediatamente.

Não que ela achasse Megan mais bonita do que ela, não era isso.

Não era nada disso.

— Que demora – reclamou enquanto as cumprimentava com um beijo e um abraço. Na vez de Megan, as duas apenas acenaram uma para a outra.

— A gente passou no mercado, como você pode ver – responde Megan levantando as sacolas para Amanda.

Ela se lembrava de como era ser amiga de Megan. As duas poderiam ter dominado a escola, se quisessem. Megan sempre entendia seu senso de humor e suas manias, estava presente nos momentos bons ou ruins, era a irmã que Amanda nunca teve. Isso até Hayley aparecer e transformar Megan numa vadia presunçosa e arrogante que sempre tinha uma resposta para tudo na ponta da língua. Megan nunca percebeu, mas ela se tornou extremamente parecida com Hayley.

Amanda agora detestava as duas, apesar de ainda ter saudades da antiga irmã.

— E Hayley? – perguntou desejando que a garota tivesse sido atropelada por um trem, apesar de não ter trem na cidade. Deus dava seu jeito.

Megan olhou para a garrafa, incomodada e indiferente. Sua voz saiu fria quando ela respondeu. – Ela não vem.

— Por quê? – Amanda continuou dessa vez curiosa e, bem no fundo, lá no fundo mesmo, torcendo para que a amizade delas tivesse acabado e Megan voltasse a ser legal de novo.

— Como se você se importasse – foi tudo que Megan disse, entregando a garrafa de vinho que havia comprado e entrando no prédio, sem esperar as demais.

— Hayley enviou uma mensagem dizendo que não viria – Naomi disse com inocência.

— E disse que sairia com um amigo – Mony completou com tom de fofoca.

— Crises no paraíso – uma das gêmeas disse e Amanda gostou dela naquele momento, apesar de não saber seu nome.

— Ué, achei que Hayley não saísse com meninos – a outra gêmea disse.

Naomi deu os ombros. – Ela anda com o Alex agora.

— Pois é. As pessoas mudam, meninas – Amanda olhou para o caminho que Megan havia feito. – Às vezes para melhor.

 

X

 

Todas estavam na sala quando Helena chegou. A chuva havia começado sem avisos, então elas tiveram que correr com as coisas e enfiar na sala espaçosa de Amanda. Elas afastaram os sofás, jogaram as comidas e os puffs no chão e sentaram em um círculo mal feito. Megan estava jogada em um puff rosa, com um saco de batatas em uma mão e um copo grande de refrigerante misturado com vinho na outra. Naomi e Mony dividiam um copo de uísque e comiam bombom. As gêmeas que Amanda ainda não sabia o nome comiam salgadinhos e riam de alguma coisa no celular. Amanda estava comendo uma bolacha que achou no meio da bagunça de doces, suas costas estavam apoiadas na parede de vidro que dava visão para a forte chuva inesperada do lado de fora. Ela olhava para o celular, esperando alguma mensagem de um dos amigos de Ethan avisando se Alex estava lá ou não.


Helena estava com o uniforme da doceira em que trabalhava e o cabelo platinado preso no topo da cabeça. Seus olhos escuros marcados por delineador observavam a sala, aparentemente procurando alguém. – Oi, meninas.

— Oi, Lena – disse Naomi e Mony.

— Oi – Megan disse de boca cheia.

As gêmeas a cumprimentaram e deram espaço para ela sentar ao lado delas.  – E então, quais são os planos? – ela perguntou pegando um punhado de salgadinho e enfiando na boca.

Amanda olhou para o relógio mais uma vez antes de responder. – Ah, o de sempre, comer, ver um filme, contar segredos sórdidos – as garotas riram com ela, menos Megan, que continuava mordendo as batatas como se estivesse tentando machucá-las. – E eu também queria passar no boliche dos meninos para dar um oi.

— Sério – Helena franziu a testa. – Com essa chuva? – apontou para a janela com a mão laranja por causa do salgadinho.

— Não está tão ruim – ela respondeu esperando um segundo trovão para acompanhar seu comentário.  Amanda balançou os ombros – Só queria dar um oi.

— Ai tem coisa – uma das gêmeas disse.

— Conta para elas, amiga – pediu Mony cutucando Naomi para que ela concordasse.

— Conta, elas vão entender.

Amanda endireitou as costas e sorriu como uma criança feliz. Megan se afundou ainda mais no puff, se perguntando como seria estar ali com Hayley. Elas provavelmente teriam terminado a garrafa de uísque e estariam dançando just dance enquanto Amanda reclamava do barulho.

— Ok, vou contar. Estou gostando de um cara e…

— E ele está no boliche, sim, percebemos – Helena disse e olhou de relance para Megan. Ela lembrava Hayley. – E quem é?

Amanda olhou em volta, um pouco desconcertada. Ela já tinha feito todo o discurso em sua cabeça de como contar para as meninas, como se fosse uma grande descoberta. Provavelmente todas ali já sabiam quem era. – Alex.

Todas menos Megan, que parou a batata no ar e encarou Amanda.

— A gente já sabia! – disse a gêmea mais bonita de acordo com Amanda.

— Dã – retrucou Mony. – Ela não conseguia ser mais óbvia.

As meninas riram outra vez, Megan continuava encarando a prima.

Megan já sabia disso, ou pelo menos imaginava. Mas ouvir diretamente de Amanda era bem mais estranho. E ela também havia dito que queria ir ao boliche, era tudo tão óbvio. Mesmo assim, por que ela estava surpresa?

— O que você acha, Meg? – Helena perguntou a encarando como uma leoa. Ela definitivamente lembrava Hayley.

— Eu não acho nada – disse voltando a comer o salgadinho. – Boa sorte.

Amanda virou-se em sua direção com um olhar irritado. – Caramba, você poderia ao menos fingir.

— Como todo mundo está fazendo?

As garotas se entreolharam e Helena teve vontade de rir.

— Você sabe mesmo estragar o clima de qualquer lugar – a voz de Amanda estava começando a ficar fina, com se ela fosse chorar.

Ninguém diria em voz alta, mas todas queriam vê-la chorar e borrar toda a maquiagem.

— Não é minha culpa se você não aceita a verdade – Megan soltou o saco de batatas e deu um gole demorado no refrigerante, pronta para a segunda briga do dia.

— Se você me contasse que esta apaixonada por alguém, eu tentaria ser, no mínimo, educada.

— Isso porque você gosta de ser falsa, e eu não.

— Gente, sem briga – disse Mony e as outras me meninas concordaram. – Deixa pra lá, Mandy.

— Se você detesta tanto estar aqui, por que veio? Por que não foi sair com a sua amiga esquisita?

Megan ficou em silêncio e voltou a comer a batata. – Continuem a festa e finjam que não estou aqui. Depois que a chuva passar eu vou embora.

— Você já foi mais legal – Amanda continuou, ainda encarando a loira. – Bem mais legal.

— Ok – Megan deu um grito e todas ficaram em um silêncio mortal. Ela jogou a batata no chão, o saco caiu e as batatas rolaram para fora do saco. – Quer uma opinião sincera? Eu vou dar, só não sei se você vai gostar – Mony tentou impedir, mas estava curiosa para saber o que viria a seguir. Todas estavam. Nada como uma briga entre duas primas que antes eram amigas e agora se detestavam para fazer uma verdadeira festa do pijama.  – Na minha opinião, você não tem chance nenhuma com ele. Alex é um cara engraçado e inteligente, e você não tem nenhuma dessas qualidades. É desmiolada e superficial, acha mesmo que ele iria querer algo com alguém assim? Claro que não, então vê se acorda, Amanda, e para de agir como uma princesinha. Oh, meninas, eu vou dar uma festa do pijama ridícula só para usar como desculpa de obrigar todas vocês a irem comigo no boliche encontrar com o amor da minha vida que provavelmente vai me rejeitar então eu preciso que alguém me console depois. Como você é original, ual. Mesmo sabendo de tudo isso, eu fiquei surpresa – ela parou para respirar, ignorando os olhos vermelhos e cheios de lágrimas de Amanda. – E, além disso, Alex é gay, então a não ser que você tenha um pênis, você não vai conseguir ficar com ele. Essa foi a minha opinião sincera, pode lidar com ela ou vai ir chorar no banheiro como você sempre faz quando não sabe lidar com uma briga?

Quando Megan terminou, todas na sala esqueceram o que era respirar. Ela acertou em tantos pontos que Amanda não soube o que sentir de imediato, a não ser vergonha e raiva. Depois apenas raiva, em seguida raiva e orgulho.

Ele é gay?

Helena parecia maravilhada e, internamente, satisfeita. Megan estava vermelha e ofegante, seu coração batia forte todas as vezes em que ela brigava com alguém. Ela não estava arrependida como na briga com Hayley, porque nesta ela estava certa.  

Amanda abriu a boca para falar quando a porta da sala foi aberta bruscamente. Ninguém viu quando uma lágrima de raiva caiu, porque todas olhavam para quem estava na porta. Ninguém além de Helena viu.

Hannah e Jennifer estavam na porta, com as botas e as barras das calças escuras por causa da água. O hematoma de Hannah estava quase desaparecendo, uma mancha verde com pontinhos amarelos ainda rodeava a parte externa do nariz, enquanto próximo aos olhos ela tinha marcas vermelhas. Nada que uma boa maquiagem não escondesse. Jen estava com os cachos presos no alto da cabeça, as mexas caiam até o começo de seus ombros. As duas estavam risonhas e encolhidas nas próprias roupas por causa do frio que fazia lá fora, totalmente alheias ao que estava acontecendo.

Hannah bateu as botas no tapete e colocou sua bolsa ao lado da porta, Jen fez o mesmo e sacudiu o guarda-chuva do lado de fora antes de escorá-lo na parede. Todas as meninas olhavam fixamente para elas, algumas chateadas por elas terem atrapalhado a briga, e outras aliviadas. Amanda se levantou e as cumprimentou, limpando as lagrimas no braço e forçando um sorriso, ninguém poderia dizer que ela estava prestes a explodir. Megan foi para a cozinha, levando o saco de batatas e o vinho.

— Desculpa chegar sem avisar – Jen começou. – O porteiro deixou a gente entrar por causa da chuva.

— Ele foi bem legal – Hannah completou esfregando os braços.

— Sem problemas – Amanda respondeu com uma serenidade assustadora. – A gente estava esperando vocês.

Naomi percebeu naquele momento o que tinha acontecido. Amanda não poderia descontar sua raiva em Megan, então escolheu outra pessoa para fazer isso. Naomi a tinha visto fazer isso vária e várias vezes, inclusive com ela. Ela se lembrou do vídeo de Hannah.

— Vem, comam alguma coisa – Amanda sentou e abriu espaço para Hannah sentar-se ao seu lado.

Hannah olhou para Jen com um pedido silencioso de socorro. Amanda estava segurando sua mão.

Jen a olhou como se dissesse a ideia de vir aqui foi sua.

— Jen, pega mais copo pra gente na cozinha. Eles estão no armário – Amanda pediu segurando uma mecha ruiva do cabelo de Hannah e entregou um saco de salgadinhos para ela.

— Ok.

Quando Jen entrou na cozinha bem iluminada de Amanda, encontrou Megan lavando a mão na pia de mármore. O ambiente estreito era todo azulejado nas cores branco e preto, o fogão preto e a geladeira com ímãs de frutas prendendo os avisos da semana ficavam nas duas extremidades da cozinha, e entre elas estava a pia. Do lado oposto havia uma mesinha de vidro e um armário de madeira escura que cobria a parede inteira. Megan estava com os cotovelos apoiados na borda da pia e as mãos enfiadas debaixo da torneira, seu quadril quase tocava o armário do outro lado. Sua franja projetava uma sombra que cobria seus olhos escuros.

— Oi, Meg – Jen disse calmamente e Megan a encarou, um pouco surpresa. Sua boca formava uma linha curvada e seus olhos estavam agitados.

Megan fechou a torneira e enxugou as mãos no jeans. – Oi.

— Tudo bem? – a morena se aproximou e abriu o armário. Os copos estavam atrás de uma pilha de pratos antigos e feios.

Jen viu algo pingar na pia, depois no chão. Megan fungou baixinho, seu ombro tremia, o cabelo curto e loiro cobria seu rosto. – Estou bem – disse com a voz engasgada.

Jen soltou os copos de plástico no fogão e segurou Megan pelo ombro. A loira continuou olhando para o lado, com o cabelo grudado no rosto e lágrimas escorrendo no queixo. Ela soluçou antes de falar. – Que saco.

— O que aconteceu?

— Eu briguei com a Hayley, depois briguei com a Amanda. Hoje foi um dia horrível – ela se afastou e limpou o rosto com as mãos. – Mas está tudo bem. Eu e a Hay vamos nos falar normalmente, e a Amanda que se dane.

—Por que vocês brigaram?

— Por besteira, deixa pra lá.

— Se fosse besteira você não estaria chorando.

— Nem vem, não estava chorando – ela riu, esfregando o nariz e respirando fundo. Sua pele estava vermelha. – Foi impressão sua.

Jen levantou uma sobrancelha, encheu um copo de água e entregou para Megan. – Vocês vão voltar a se falar, não se preocupe. Vocês são inseparáveis.

— Eu sei, é só que... Sei lá, Jen, tem essa sensação de culpa que não vai embora.

— Eu te entendo, me sinto assim também quando brigo com alguém.  Mas passa, fica tranquila.

— Obrigada.

Jen abalançou os ombros. – Disponha. Vai ficar aqui ou vai voltar?

— Vamos voltar para aquela merda. Quando a chuva passar eu vou embora.

— Ok. Até lá, sem brigas.

— Não prometo nada.

As duas entraram na sala e roubaram um novo saco de salgadinho sabor pimenta e um pouco de Whisky, Hannah conversava com uma das gêmeas agora e Amanda procurava algo no celular, ao lado da outra gêmea. Naomi e Mony cantavam uma música brega que estava tocando na caixa de som atrás delas. Helena tirou os sapatos e deitou no chão, com a cabeça e os pés apoiados em puffs. Seu pé balançava ao ritmo da musica enquanto ela digitava uma mensagem.

Quando o efeito do álcool começou a bater, elas já estavam rindo e esquecendo os problemas. Amanda se lembrou do vídeo de Hannah e pensou que aquilo poderia ser humilhante, mas quando a própria Hannah viu o vídeo começou a rir descontroladamente. Jen e Megan se juntaram a ela, assim como todas as meninas. Elas rolavam no chão, puxando o ar e voltando a rir, Amanda se viu rindo também.

Era onze e quarenta quando dois celulares tocaram ao mesmo tempo, o de Hannah e de Amanda. Duas mensagens.

Pai:

Pelo amor de Deus, volta pra casa.

Não sei o nome:

Eles estão aqui, mas não acho uma boa ideia você vir não.

Hannah olhou para Jen, que ainda ria. Amanda franziu a testa.

Hannah/Amanda:

Por quê?

Pai:

Sua mãe está desconfiada.

Não sei o nome:

Acho que vai ter uma briga.

Hannah:

Fala que eu estou dormindo, pai. Daqui a pouco eu chego.

Amanda:

Quem tá brigando?

Pai:

Ela disse que vai ver se você está dormindo ou não. Volta pra casa, pelo amor de Deus, AGORA.

Não sei o nome:

Alex e Ethan.

Amanda e Hannah levantaram em um pulo.

— A gente precisa ir ao boliche agora

— Eu preciso ir embora agora.

— Por quê? – Jen perguntou para Hannah, mas Amanda respondeu achando que fosse para ela.

— Alex e Ethan estão brigando – Amanda disse afobada, Megan endireitou a coluna, as gêmeas se olharam assustadas. Naomi começou a se mexer, ansiosa. Mony se levantou e começou a pegar suas coisas.

— Meu pai disse que minha mãe acha que eu saí. Se eu não for para casa agora, ela vai descobrir – Hannah ajudou Jen a ficar em pé. – E se ela descobrir, eu nunca mais vou sair de casa na vida. 

— Eu te levo – Jen disse indo calçar seus sapatos.

— Jen, não! – Megan interveio agarrando o braço da amiga. – Você é a única que tem carro para levar a gente ao boliche.

— Sim, Jen – disse Amanda como uma suplica.

As outras garotas começaram a falar todas juntas, sobre ir ao boliche de Uber, ou pegar um ônibus, até mesmo ir a pé. Helena cruzou os braços em volta dos seios e esperou para ver o que elas decidiriam, seus olhos bisbilhotavam o celular por uma nova mensagem. Ethan não respondia fazia algum tempo.

 – Me leva para casa e depois você leva as meninas ao boliche – disse Hannah por cima das vozes.

Helena sentiu seu celular vibrar em sua mão e percebeu que tinha recebido uma nova mensagem de um dos amigos de Ethan. Era uma foto. Uma foto da suposta briga. Na foto, Ethan estava no chão, com as mãos protegendo o rosto, enquanto Alex estava em cima dele com a mão no ar, pronta para dar mais um soco. Havia sangue na camisa de Ethan que parecia ser dele mesmo. Atrás dos dois, uma garota que Amanda não conhecia cobria a boca com uma mão, e segurava uma menininha fofa com a outra. A menininha estava chorando e com a boca aberta, provavelmente gritando. Ao lado delas, Dan corria na direção dos dois.

No fundo da foto, em um canto desfocado, Helena viu uma garota de costas indo na direção oposta dos dois. Helena não sabia dizer se ela estava andando rápido, correndo, ou apenas andando. Mas ela certamente estava fugindo.

Hayley estava fugindo.

 


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