It's gotta get easier, oh easier somehow

Cause I'm falling, I'm falling

Oh easier and easier somehow

But not today

Not Today— Imagine Dragons

(...)

Apertei com força o botão off do despertador.

Seis da manhã.

Eu estava acordada há horas. Não pelo meu hábito de sempre levantar cedo, na verdade, não dormi um minuto sequer. Lembranças da noite anterior voltavam em flashbacks enquanto a garrafa de vinho continuava cheia perto da banheira. Por quê minha cabeça estava de ressaca?

Foi apenas sexo, repetia mentalmente.

Levantei silenciosamente da cama tentando não acordar Adam, que dormia a minha esquerda. Muitas vezes tive essa mesma visão ao longo dos anos e homens que conheci, mas nenhuma se comparava a essa. O lençol cobria parcialmente seu corpo, expondo seu tronco. Contive meu impulso de acariciar suas mãos. Sorri sozinha lembrando de como elas me tocaram carinhosamente horas atrás. Eu precisava sair dessa cama ou corria o risco de nunca mais levantar.

Vesti minhas roupas parecendo uma fugitiva. Usando a desculpa de comprar o café da manhã, saí do quarto. Eu não era mais uma criança envergonhada, mas a noite ao lado de Adam não foi simplesmente uma transa. Eu não estava preparada para isso, precisava de tempo para digerir tudo e pensar sobre.

Minha bolsa estava na sala, e ao tentar pega-la derrubei as chaves no chão, fazendo barulho.

— Claire? - segui a voz. Mesmo com a escuridão notei Helen deitada no sofá - Você já está indo para o escritório?

— Não, preciso dar uma saída agora, mas volto logo. - ela franziu o cenho.

— Saindo cedo assim - ela fitou a tela do celular - está parecendo uma criminosa.

— Há há. - levantou uma sobrancelha.

— Ele já foi embora? - fiz cara de paisagem - Qual é, Claire. Eu sei que o Adam está aqui. - continuei em silêncio - Vocês não se preocuparam com o barulho ontem a noite..

— Helen, eu continuo sendo sua chefe. - disse séria - Se você quiser manter o seu emprego é melhor não falar sobre isso de novo. - ela riu, levantando os braços em rendição - Não vou demorar.

Assim que fechei a porta me vi congelando no corredor. Resolvi pegar as escadas para me aquecer, meu casaco era fino e o amanhecer estava frio demais.

Diferente de São Francisco, seis horas da manhã em Madison já é horário de pico. Por ser interior, os fazendeiros trazem a mercadoria fresca para o café, e as chances do pão ser novo é muito maior do que na Frazzi’s, padaria que costumo frequentar todas as manhãs. O café deles é maravilhoso, mas o pão tem gosto de velho. Nunca reclamo, tenho medo que cuspam no meu sanduíche e não tenho paciência para encontrar outro lugar para comer.

— Não existe lugar melhor do que nosso lar, não é verdade? - sorri me dirigindo a Ruelle.

— A saudade era mesmo grande.. - Sra. Hilson me cumprimentou na entrada - Bom dia, Claire.

Assenti sem falar nada, estava frio demais e eu estava tremendo o queixo. Peguei uma cestinha na entrada observando as prateleiras recheadas. Perto da bancada as atendentes continuavam repondo os salgados que saíam. A fila para o café estava grande, então fui em direção a comida, me dando conta de eu que não fazia ideia do que pegar. Eu não conheço Adam bem o suficiente para saber se ele prefere doce ou salgado, se gosta de café puro ou com leite, se ele toma café, simplesmente não faço ideia.

— Moça, você está atrasando a fila. - percebi que estava parada em frente a bancada. Virei para me desculpar encarando um garoto de 10, 11 anos, talvez. Ele riu.

— Perdão. - me afastei um pouco deixando as outras pessoas passarem.

— Você está perdida? - o garoto continuou falando. Parei para observa-lo melhor.

— Pode-se dizer que sim. -  sorri, ele fazendo o mesmo e as bochechas tomando cor. Seus cabelos eram claros e os olhos de um verde brilhante.

— Bom, sempre que eu venho aqui, sem que minha mãe saiba, claro - disse como se contasse um segredo - Ela não gosta que eu coma todo dia isso, sabe? Gosto de pegar o folhado de brócolis, é um dos melhores daqui.

— Então você me recomenda o folhado? - ele assentiu - E doce? O que você sugere?

— Não gosto muito de doce, só se for pudim, e a receita da minha avó, aí sim, é o melhor do mundo - franzi o cenho. Eu já ouvi isso antes. - Está tudo bem?

— Como você se chama?

— Connor! - ele se virou para encarar quem o chamava, assim como eu.

Kim.

— Mãe, eu não estava comprando nada, tá legal? Só estava ajudando essa moça.. - ele me fitou - Eu não sei seu nome, desculpa..

— Claire. - sorri para ele, a mãe ainda me encarando - Como vai, Kim?

— Vocês se conhecem? - disse surpreso - Eu nunca te vi por aqui antes, você parece de fora. - um misto de vergonha e medo me atingiram. Nunca tive nada com Nate, mas Kim pode não saber disso.

— Querido, vá pegar um café para mim. - sorriu para o filho.

— Mãe, você está segurando ele. - ela riu fraca, balançando o copo em mãos.

— Fiz uma confusão e pedi errado, acredita? Faça isso para mim, querido. - Connor assentiu.

— Tchau, Claire. Nos vemos por aí.

— Tchau. - sorri encantada.

— Ele se parece muito com o James, não é? - assenti em silêncio, me aproximando dela - Agradeço todas as noites por ele ter puxado ao tio, e não ao pai.

— Kim.. - fitei o chão.

— Eu não tenho raiva de você por ter dormido com o Nate, Claire. - disse seca - Mas você era namorada do meu irmão, você traiu James. - demorei para processar o que ela estava dizendo, sentindo o peso das palavras segundos depois. Dizem que isso acontece quando você leva um tiro.

Do que adiantava a verdade agora?

— Eu sinto muito, por tudo isso. Sei que você gostava muito dele, nunca foi minha intenção magoar você. - ela riu fraca.

— Nate era um idiota, ele foi embora assim que descobriu que eu estava grávida. Você só me ajudou a enxergar o cretino que ele era. Obrigada por isso. - sorriu irônica.

— Eu..

— Não, Claire. Não fala nada. - seu olhar era frio - Eu não sei por que você voltou, mas, por favor, vá embora. Eu não quero assistir você destruí-lo mais uma vez. Meu filho e meu irmão são as pessoas mais importantes da minha vida, não vou deixar você fazer isso. - ela se aproximou.

Seu rosto tinha envelhecido alguns anos, mas para quem teve um filho ela estava muito bem, seu corpo era definido e seu cabelo caía em cachos pelas costas. Continuava a mesma garota de 10 anos atrás, só que o medo em seu olhar não existia mais.

— Ele nunca se recuperou, Claire. Nunca. - mordi a bochecha, o gosto de sangue inundando minha boca - James vai se casar, sabia? Ele finalmente vai poder seguir em frente e esquecer você. - me fitou - Todos nós vamos.

E foi embora, me deixando a sós com essa culpa sem fundamento. Eu nunca traí James, mas ele não sabe, Kim não sabe, ninguém sabe. Droga.

Peguei um salgado no balcão e fui pedir o café.

— Dois puros e um com leite, por favor.

— Claro.

Connor não me saía da cabeça. Era como se eu tivesse viajado no tempo e me encontrado com o James de 20 anos atrás. O mesmo jeito, o mesmo sorriso.

— Moça.. - fitei a atendente - seu café.

— Ah, claro. - sorri.

Paguei a ela a conta e saí de lá bebendo o café para me esquentar do frio. Minhas bochechas estavam pegando fogo, o que acontece a todo momento, seja quando estou com raiva ou com vergonha. Mesmo assim não era isso o que me preocupava. Os olhos dele continuavam em meu pensamento, ou seriam os de James?

*****

Encaixei a chave na fechadura enquanto escutava a conversa do outro lado da porta. Ótimo.

— Aqui está ela. - Helen veio ao meu encontro na sala.

— Comprei seu café com leite. - estendi a ela.

— Obrigada, mas essa tarefa é minha. - se aproximou - Você sabe que eu teria ido comprar, era só pedir.

— Eu sei. - sussurrei - Eu precisava sair.

— Você demorou bastante, aconteceu alguma coisa? - balancei a cabeça.

— Ele está na cozinha? - ela assentiu - Vestido pelo menos?

— Infelizmente, sim. - sorriu.

— Lembre-me de escrever sua carta de demissão hoje a tarde. - andei até a cozinha. Adam estava de costas usando o fogão.

— Oi. - ele virou para me encarar.

— Sempre achei que era o cara quem fugia no meio da noite, mas pelo visto me enganei.

— Eu trouxe café. - entreguei em mãos - Não nos conhecemos tão bem assim, então pedi o que eu sempre tomo. - continuou em silêncio.

— Obrigado. - se aproximou - Vamos voltar duas casas?

— Não. - sussurrei o beijando de leve.

— Agora sim, bom dia. - sorriu.

— Idiota. - abri a sacola colocando tudo em cima da mesa - O que você está fazendo?

— Omelete. - continuou no fogão - Só tinham ovos na geladeira e eu imaginei que você estivesse com fome depois de.. você sabe.. - revirei os olhos.

— Vai perguntar também se foi bom pra mim?

— Não preciso perguntar, seu corpo falou por você. - Droga.

— Eu não precisava ter escutado isso. - Helen sentou na mesa.

— Nem eu.. - peguei o folhado de brócolis. Era mesmo bom.

— Eu não sei se você gosta de omelete ou não, mas espero que esteja bom. - trouxe a frigideira depositando no meu prato.

— Ela gosta. - Helen respondeu - Tudo que você precisar saber sobre a Claire é só perguntar para mim.

— Bom saber.. - Adam sorriu, se sentando.

Enquanto tomava café da manhã observei a cena. Adam sentado a minha frente, Helen ao meu lado, como se fossemos íntimos. Eu não tinha esse tipo de intimidade com ninguém há tempos.

— Então, Helen, você acha que a Claire vai sair comigo de novo ou vai me mandar embora com a desculpa de que “não é você, sou eu”? - fitei-o.

— Se eu quisesse te mandar embora já o teria feito, não acha? - ele sorriu.

— Eu sei, só queria ter uma testemunha de que você mesma disse isso. Não adianta mais negar, Claire. Você está apaixonada por mim. - balancei a cabeça, Helen rindo.

— Não ria, você está o incentivando a continuar inflando esse ego gigantesco que ele tem.

— Desculpe, mas acho que o poder está nas velas. - encarei-a.

— É um complô conta mim, ótimo. - levantei da mesa - Tenho que chegar no escritório antes das oito, Helen, faça companhia ao convencido aí.

— Claire.. - segurou meu pulso.

— Eu preciso trabalhar, Adam. - ele sorriu - Aproveite esse tempo para escrever o seu próximo livro. Ah, tenho uma ideia! Que tal sobre um cara que se acha o tal, mas que na verdade está caidinho por uma mulher que não dá a mínima para ele? - ele riu.

— Que não dava a mínima para ele. - me corrigiu - Não adianta negar, Claire. Agora somos Cladam.

— O quê? - levantei uma sobrancelha.

— É a junção dos nomes de vocês, Claire e Adam. - Helen continuou fitando seu café.

— Você está passando tempo demais com ele. - encarei-o - Obrigada por ontem, Adam.

— Você está falando sobre.. - sorriu malicioso.

— O soco, você me defendendo, tudo. - afaguei seu rosto, minha mão cheia de cicatrizes dos cacos.

— Não some, tá bem? - balancei a cabeça.

— Nem que eu quisesse. - sorri - Você já sabe aonde eu moro e virou amiguinho da minha assistente. - ele riu - Tenho que ir.

Passei no quarto para trocar de roupa, me arrumando rapidamente. Coloquei um casaco mais apropriado e salto alto. Apesar do episódio com Kim, a noite com a Adam deixou o dia melhor. Eu estava consideravelmente feliz, o que não acontecia com tanta frequência.

— Eu quero, eu posso, eu consigo. - disse ao meu reflexo no espelho. Seria um dia complicado no escritório de Jenn, mas sei que tudo está bem organizado, vou pegar fácil. Ela é viginiana.

Procurei minha agenda no celular enquanto corria para sala pegar minha bolsa.

— Ei.. - Adam me puxou pela cintura - Eu vi você me olhando hoje de manhã. - pegou minhas mãos e colocou ao redor de seu pescoço - É tudo seu, Claire.

Ri fraca.

— Helen, te espero em uma hora! Vá ao mercado e faça compras, você sabe do que eu gosto. - gritei.

— Você é muito mandona, né? - se aproximou, nossos lábios ficando centímetros longe um do outro.

— Sou uma líder nata, meu signo é touro. - sorri.

— Então estou bem pegado, além de ser a teimosia em pessoa você é ciumenta.

— Você entende de signos? - ele balançou a cabeça, seu olhar passando dos meus olhos a minha boca.

— Eu entendo disso. - e me beijou - Se você quiser podemos repetir a dose todos os dias pela manhã - sussurrou quando o ar foi necessário. Peguei minhas chaves na bolsa e abri a porta.

— Tchau.

E fugi, como sempre faço.

****

Fui de carro até o escritório seguindo as instruções que Taylor passou por mensagem. A chave estaria escondida em alguma das plantas, era só destrancar e pronto. Os casos importantes estariam em uma pilha na mesa de Jenn, enquanto os possíveis novos casos na mesa de Sam.

O lugar era simples, mas aconchegante. Os tons de marrom na parede eram mais atrativos que o cinza do meu escritório. Dois computadores, um em cada mesa, poltronas para os clientes e um sofá preto com almofadas vermelhas. A cara da Jenn. Procurei uma tomada, deixei meu celular carregando e liguei um dos computadores. Sentei na mesa com a maior pilha de processos. Um porta retrato de madeira colocado na ponta da mesa revelava uma foto do casal sorrindo.

Disquei o número de Taylor, conversando com ela os procedimentos que deveriam ser tomados em cada caso.

— Eu não posso acreditar que você ainda está aqui e, pior, mexendo com a minha família.. - os olhos dele estavam em chamas.

— Taylor, preciso desligar. Nos falamos depois, até breve. - coloquei o telefone fixo na base - Oi, James.

— Por que você ainda não foi embora de Madison, Claire?

— Não que seja da sua conta, mas eu estou dando uma força para Jenn enquanto ela aproveita a lua de mel com o marido. - ele balançou a cabeça.

— Você não sabe como foi ouvir minha irmã contando que deu de cara com você hoje, depois de tudo que aconteceu, ela não merece isso. E o Connor não ajudou muito, ele não para de falar sobre a moça que conversou na padaria.

Levantei da cadeira, ficando - quase - da sua altura.

— Eu não sabia que ele era filho da Kim, James. Connor veio falar comigo e foi tão simpático, - sorri - só me dei conta de quem ele era quando disse que só gosta do pudim da avó, o melhor do mundo. - franziu o cenho - Você sempre dizia isso. Depois reparei melhor nos olhos, o rosto, as bochechas coradas quando ri.. ele é a sua cara. - ele continuou em silêncio - Eu nunca quis machucar ninguém.

— Não foi o que pareceu quando você acusou meu pai. - seu tom mudou de novo.

— Eu não vou me martirizar por falar a verdade! Você não é mais um garoto, James. Fiquei quieta tempo demais tentando te proteger de quem ele realmente era.

— Se você me amava tanto como diz, por que não me contou? - senti meus joelhos tremerem.

Amava.

Ninguém deixar de amar uma pessoa.

— Por isso mesmo, porque eu te amava. - encarei-o - James, eu não queria destruir você. Não queria sentir o peso de acabar com a vida de alguém como seu pai fez com o meu. A culpa de tudo que aconteceu foi de Bruce, você não tem nada a ver com isso.

— Olha o que você está falando.. - riu fraco - Meu pai não era esse monstro, Claire. Será que é tão difícil para você entender que o seu pai se perdeu no caminho sozinho? Que ele chegou ao fundo do poço por vontade própria?

— Não abra a boca para falar do meu pai! - senti minhas bochechas arderem - Você não tem esse direito sendo filho de quem é! - eu estava avançando contra ele, chegando cada vez mais perto.

— Vai me dar um tapa de novo? - ele sustentou o olhar - Você está fora de si, Claire. Todos esses anos não serviram para nada, você não sabe seguir em frente, deixar o passado no passado.

— E você, James? Sabe? - conseguia sentir sua respiração ofegante - Você consegue dormir a noite sem lembrar de tudo que aconteceu? Você nunca se perguntou o que teria acontecido se ainda estivéssemos juntos? - havia uma mecha de cabelo em seu rosto, mas eu conseguia ver bem seus olhos verdes.

— Que cena mais comovente. - virei para a porta. Ótimo, mais uma visita e logo no primeiro dia.

— O que faz aqui, Mike? - James perguntou antes que eu o fizesse.

— Bom te ver também, James, mas preciso falar uma palavrinha com a Claire. - me encarou - Onde está a minha mulher?