17 de novembro, 2015.

O dia começara bastante quieto em Ambuera, com um céu tão branco, que doía os olhos claros de quem o fitasse por mais de 3 segundos, e um clima puxado por uma fina rajada de vento frio. Em uma manhã de domingo, como era de se esperar, não havia movimento algum pelas vielas. Contudo, isso não significava que todos os moradores ainda dormissem.

***

— Mãe, já chega! — Paul gritava aflito, se levantando da mesa empanturrada de comida e dirigindo-se até a porta com certa afobação. Ele usava uma camiseta branca sem qualquer bordado ou estampa, calça jeans e tênis, vestimentas que todos os jovens que se alistariam deviam portar.

— Tem certeza que não quer mais? Ainda tem muita torrada e...

— Dona Alyson, não quero explodir no meio do caminho. — Ironizou de forma carinhosa, se virando para a mulher que visivelmente estava preocupada e abrindo um sorriso. — Sei que devem estar ótimas as torradas, a pipoca e o bolo, mas quanto mais meu estômago estiver vazio, melhor será! Dizem que precisa fazer uma “porrada de exercícios físicos” antes da apresentação, por isso eu não quero passar vexame vomitando na frente dos meus amigos.

— Tudo bem, então.

Paul abriu a porta e, antes de sair, observou uma última vez sua mãe, escorada no armário da cozinha, o olhando temerosa. Ela tentava sorrir para ele em vão, já que sua expressão cinza entregava as lágrimas que corriam por seu interior.

— Não fique assim, mãe. Dará tudo certo!

Alyson colocou as mãos perante a boca, emocionada.

— Até ontem, eu era quem te acalmava... E hoje, olha só, a sua velha mãe está quase tendo um ataque de nervos...

— Não precisa se preocupar, está tudo bem. — Paul indagou com um sorriso animador. — Durante essa noite, eu tive muito tempo para pensar sobre essa coisa de “Programa” e tals, e sabe, percebi que tudo isso é algo “bobo demais” pra ficar esquentando a minha cabeça. E mais, ser sorteada uma vez foi uma sorte tão demasiadamente grande, que eu acho que Ambuera nunca mais terá... Portanto, é besteira pensar nisso!

— Paul...

— A senhora pode preparar muita batata frita para o almoço, porque, daqui a pouco, estarei de volta e com muita fome!

— Certo. — Alyson finalmente se acalmou, sorrindo. — Se encontrar as garotas, diga a elas que mando um abraço!

— Pode deixar.

Dito isso, o jovem saiu da casa e fechou a porta.

Tudo o que a mulher mais queria era prosseguir animada, com seu pensamento positivo, porém seu coração batia de forma inquietante, ela sentia uma sensação gelada no peito. Mesmo desejando fortemente para tudo dar certo, sua preocupação com o filho a sufocava cada vez mais. Nunca queria sequer imaginar Paul sendo submetido ao Exame, matando seus amigos ou morrendo nas mãos deles...

— Pare de pensar nisso, Alyson. É bobeira! — Falou a si mesma, buscando algum alivio nos alimentos que jaziam sobre a mesa e que precisavam ser devidamente guardados.

***

Com os ombros encolhidos e as mãos no bolso da calça, Paul caminhava rapidamente para o campo militar fora da cidade. Enquanto sentia todos os pelos de seu corpo se içarem porque da friagem, ele observava ao redor e não via sequer outro estudante se dirigindo para o mesmo ponto.

“Será que esqueceram? Não, quem é louco o suficiente para esquecer de algo como o Alistamento?! Devo estar atrasado, muito atrasado, isso sim! Aposto que todos já estarão lá quando eu chegar!”.

Logo, ele voltou sua atenção para o céu e o observou. Estava claro, seus olhos verdes doeram de imediato com o intenso horizonte branco. Nenhuma nuvem cinza aparecia, no entanto, como assistira na tarde anterior, a probabilidade de uma chuva repentina era alta.

Distraído, Paul tropeçou brutalmente em uma pedra mais elevada e foi trazido de volta para o real. “Ai!”. Ele parou e mexeu com o pé esquerdo durante algum tempo para tentar amenizar o ardor.

— Nunca agradeci tanto por estar de tênis! — Foi irônico.

A dor foi logo adormecendo e Paul pôde retomar sua atenção para o local onde estava, percebendo se encontrar perante a grade de ferro que cercava o campo militar. Passou os olhos pelo ambiente e compreendeu que ninguém havia chegado ainda, nem os oficiais que iriam conceber o alistamento.

Buscou por alguma calçada e se sentou, pretendia não ficar cansado antes da hora. Entrelaçou suas mãos por cima dos joelhos e limitou seu olhar para os próprios tênis. Agora, seria questão de tempo.

***

Alyson acabara de limpar a mesa. Como os pesadelos do Programa ainda a assombravam, ela decidiu ir para o sofá e assistir a alguma coisa distrativa. Sentou-se bem acomodada num dos ombros largos da mobília fofa e ligou o aparelho assim que achou o controle, dando uma risada instantânea junto a alguns bufos.

“Não seja boba, Alyson, pense positivamente! Paul acredita que não irá, então tente pensar como...”.

— Exatamente como todos acabarão de ouvir! — Entonava a repórter de notícias locais, surpresa e extremamente sorridente. — O Colégio São Florêncio, de Ambuera, foi sorteado pela segunda vez para o Exame Final!

Alyson nem sentiu quando seus olhos se sobressaltaram e suas mãos, bambas, deixaram o controle cair. Ficou completamente sem reação.

— Desta vez, serão os 11 rapazes do 3° ano 3 do ano passado que irão se enfrentar numa sangrenta batalha que só terá fim quando 10 deles estiverem mortos! — Concluiu a jornalista. — Já recebemos a informação de que os aplicadores do teste se encaminham, nesse momento, para Ambuera. Resta agora esperar sair a lista oficial dos estudantes!

— M-mas... — Os lábios da mulher tremiam como se ela estivesse sendo eletrocutada. Todo o seu corpo começava a tremer. Algumas lágrimas já escapavam por seus olhos apavorados, enquanto Alyson ainda parecia uma estátua. — 3° a-ano 3... E-essa era a... a tu-turma do Paul!