Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 9
O pedestal está descendo




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O feriado passou e eu sequer saí do quarto para jantar, com medo de encontrar a Violet. No momento tinha que focar no trabalho, afinal foi por conta disso que vim para cá. Resolvi então fazer algumas apostilas para entregar na sala de aula e para corrigir mais tarde, na tentativa de me manter ocupado. Está certo que nenhum escritor jamais recomendou fugir dos problemas, mas... É o que fazem quando escrevem. Refugiam-se. E é o máximo que posso fazer no momento.

Agora, depois de ontem, eu já posso dizer que sou um criminoso. Beijei uma menina de quinze anos. Sim, quinze, e não catorze. Todos os dias o colégio faz uma oração da rádio, antes das aulas matinais terem início, e lá anunciam os aniversariantes do dia. E lá estava ela, Serena Doolitle. Ainda lembro-me de ter associado o seu nome com uma personagem da Audrey Hepburn, como uma primeira impressão. E agora estava em uma situação crítica em relação a ela.

Antes das minhas aulas do dia começarem eu resolvi caminhar pelo pátio. Enquanto caminhava via várias garotas, alunas do último ano, me cumprimentando. Elas eram mais velhas. Já deveriam ser maiores de idade. Observei atentamente a todas que passavam. Durante a época de escola tive um amigo chamado Mike O’Donnel. O Mike era simplesmente o cara, ele cortejava e beijava qualquer garota que passasse sem receber uma rejeição sequer. Já beijou, inclusive, namoradas de amigos que estariam super dispostas que trocar de parceiro. O Mike era alguém a ser estudado, e aprendi algumas coisas com ele, por exemplo: quando uma garota que está vindo no sentido contrário a você fica te observando, sorrindo, e ao passar ao seu lado te cumprimenta ou mexendo no cabelo ou acenando, ela está na sua. E a grande maioria das meninas que passou por mim fez isso. Elas andavam sempre em grupos, passavam comentando e sorrindo. Senti um pouco de orgulho, vaidade.

Como eu não havia percebido isso? É claro que a Serena não seria a única a se encantar com um homem com menos de duzentos anos freqüentando o colégio. E, convenhamos, eu não sou feio. Nem de longe. Passei a última semana vendado, olhando só para a primeira garota que conheci nesse lugar – a pior delas. Seria tudo tão mais fácil se eu começasse a gostar de uma pré-formanda ao invés de uma garotinha. Está certo que o problema não é apenas a idade, é o fato de ser minha aluna, mas com certeza eu estaria mais tranquilo, dormiria melhor à noite.

Mas justo a Serena! Uma garota jovem, com um passado e um psicológico complicados, com todo esse charme hipnotizante. Será que um dia eu supero? Ela certamente vai se formar em alguns anos e se jogar no mundo. Deve viajar muito, fazer tudo que se tem vontade – que admito ter curiosidade de saber o que é e eu continuarei aqui, preso, dando aula. Não daria certo esperar por ela de maneira alguma.

– Chuck? – saltei assustado. Era a Violet. Ela chegou por trás tocando o meu ombro e me rodeou. – Desculpe assustá-lo. – sorriu gentilmente.

– Tudo bem. – logo, sem nem perceber, estávamos andando juntos. – O que está achando?

– Até então nada, apesar de aqui haver umas garotas bem esnobes. Conheci uma ou outra, e nenhuma me tratou bem. – ela franziu o rosto, erguendo-o um pouco. Violet sempre teve a auto-estima muito forte, coisa que poderia ser bom ou ruim. Eu, particularmente, nunca me incomodei com isso, mas muitos criticavam o seu senso crítico de superioridade. – Para ser sincera, acho que estão de complô contra mim.

Eu ri.

– E por que estariam? Puxou a trança de alguma delas? – comentei.

– Muito engraçado, Charles Humphrey, mas você é inteligente. Consegue descobrir sozinho o motivo disso. – nisso ela estava certa. Eu podia imaginar. – Ah, esqueci de te pedir. Sei que pode parecer ser pedir demais, mas se importaria de me mostrar quem é a menina do refeitório?

Arregalei os olhos a encarando. A Violet não sabia quem era a Serena?

– Não me olhe assim, quando cheguei lá nem tirei os olhos de você. Só sei que é uma loira, e nada mais. – deu de ombros.

– E para que você quer saber quem ela é? Não acho necessário, afinal não há nada entre mim e ela. Eu te disse. Só a vejo nas aulas e olhe lá. – tentei de maneira frustrante convencê-la disso.

– Poupe-me disso. Eu apenas quero garantir que não vire amiguinha dela por engano, sem falar que é super saudável ter uma inimiga no emprego. – deu novamente de ombros, o que me preocupou. – E é claro que ela está comentando sobre mim com as amigas, por isso fui tão mal recebida, caso não tenha captado o recado. Por que não dar o troco, então?

Ela seguiu andando mais rápido, me deixando para trás. Foi o que eu imaginei. A Serena é muito influente em todas as séries aqui. Não apenas por ela ser uma das – ou, talvez, “a” – mais bonita de todo o Marie Curie, mas também por ter uma história, por fazer coisas que se tornam conhecidas, e por ter esse perfil mais tranquilo, por ser vista como alguém de atitude, que faz o que bem entende, que se torna autoritária e superior sem sequer perceber. Todas queriam ser Serena Doolitle. Ela era a típica musa de livros e filmes que eu tanto gosto. Ela era Frida Khalo, Edith Piaf, Jane Austen, Marilyn Monroe, Anastácia Romanov, enquanto eu não passava de um Charles Bukowski, um pobre infeliz e melancólico. Mas, por algum motivo, ela se interessou por esse coitado, e pelo visto usou e abusou de sua influência no colégio para fazer a Violet tornar-se alguém que não apresente ameaça a isso. É o que dava a entender.

Admito que fiquei decepcionado. Em minha mente Serena estava em um pedestal, invulnerável, era angelical a ponto de não precisar de terceiros pra conseguir o que quer. Quando fui dar aula em sua sala nesta manhã nem sequer olhei em seus olhos. Interagi com a maioria das garotas, mas me forcei a evitá-la. Pensei em confrontá-la para ver suas defesas quanto isso, mas desisti. Precisava manter distância para não ceder novamente. Ontem, antes de nosso beijo, eu disse a ela que queria terminar com tudo isso. E acabamos. Tivemos nossa despedida.

Estava decidido. Em minha mente estava tudo claro, mas em meu coração... Ao acabar a aula vi que ela estava vindo atrás de mim para falar algo, mas dei meu jeito de sair dali, consegui fugir. Mas a curiosidade me domina. Eu quero conhecer essa menina na mesma intensidade que quero distância, e se ela não vai me contar sobre sua vida, tem alguém que pode. Fui até ela. Bati na porta antes de entrar, e quando me responderam eu pus a cabeça para dentro.

– Diretora Wilkes? – chamei. – Posso pedir um favor?


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Notas finais do capítulo

Olá gente! Espero que tenham gostado! Desculpa não ter postado ontem, mas viajei. Estou aqui na ilha curtindo o Sol, mas prometo evitar esse acontecimento. Juro. Hoje acordei cedo para terminar esse capítulo, e agora mesmo vou começar o próximo para já deixar alguns de stand-by para jamais faltar capítulos para vocês. Um beijo! E estou muito feliz em ter vocês como leitores!