Quando acordei, Evanna estava na minha frente me fazendo cheirar  uma folha amarelada de odor forte.

Fiquei confusa e a encarei como se não a reconhecesse.

—Você apagou por uma hora, teve pesadelos?

—Eu... Não... Espera! Apaguei por uma hora?  O que aconteceu?

—Acredito que não estava acostumada com o chá de fênix... Ou a experiência deu certo!

—Heim?

—Disse um nome antes de desmaiar!

—“Socorro” ? -perguntei ironicamente.

—“Darren”!

Ela me olhava com curiosidade.

—Quem é Darren, Beatrice?

Olhei-a com incerteza, não sabia o que responder e por algum motivo tinha certeza que mentir pra ela não adiantaria.

—Não sei! -respondi.

—Já ouviu esse nome antes? Ou sonhou com ele?

—Não! -menti.

—Certo, agora me diga a verdade! Mente mal e, acredite, isso vai te atrapalhar ao longo de sua jornada!

—Certo... -suspirei. -Eu venho tendo pesadelos confusos há bastante tempo e em todos alguém grita o nome “Darren”.

—Há quanto tempo?

—Não sei exatamente. Acho que desde que fui tor... -me detive. Eu nunca mais falei do episódio terrível que passei após ser sequestrada por Tino. Nem com sr. Crepsley.  Evitei aquela lembrança por muito tempo e naquele instante vi que algo não tinha se curado em mim.

—Eu entendi!  -disse Evanna,  provavelmente notando a minha reticência. -E você não viu ou ouviu esse nome em nenhum outro lugar?

Eu sabia onde ela queria chegar. A bruxa astuta já deveria saber do livro!

—Bem... -fiquei receosa, mas não tinha para onde fugir. -Eu comprei um livro no dia do meu aniversário, e o nome do autor é Darren Shan... E o personagem principal também!

—Continue!

—Eu o li nessa madrugada e esse autor, seja ele quem for,  conhece o circo muito bem e...

—E...?

—Ele conhece sr. Crepsley também!

—Ele não substituiu os nomes... -murmurou.

—Na verdade sim! Bem, alguns... Mas a descrição é inconfundível! Eu juro que ia contar pro Larten,  é só que fiquei com medo de...

—Não conte!

—...por acaso ele ficar com raiva e... Espera,  como?

—Não conte a ninguém do livro,  Beatrice!

—Por que não?

—Ainda não está na hora! Tem que me prometer que não contará a ninguém!

—Eu prometo, mas não entendo...

—É uma coisa muito importante,  mais do que você pode imaginar! Leia todos eles primeiro,  só depois conte sobre!

—Mas, Evanna, isso está me consumindo! Preciso...

—Vai manter contato comigo!

—Como? Por celular?  -brinquei.

—O que é isso? -perguntou  intrigada.

—Ah é um aparelho que... Deixa pra lá,  Evanna,  eu não estou entendo nada!

—Vai entender tudo na hora certa!

—Você não pode me adiantar nada?-supliquei.

—Acredite, é melhor que não saiba de nada por agora!

Não gostei daquilo, mas o que eu podia fazer?

—A única coisa com que deve se preocupar é esse assunto não sair daqui até o momento correto. Você me entendeu?

—Sim... E o que eu faço com o livro?

—Esconda-o, mas mantenha sempre com você. Releia-o, é importante,  e anote tudo o que achar relevante e famíliar!

—Parece que haverá outros!

Ela sorriu, mostrando -me que sabia.

—De uma forma ou de outra todos irão parar com você!

—E por acaso essa “experiência” teve relação com esse livro?

—Sim e não! Ela teve relação com sua vida e, agora, o livro também faz parte do seu caminho! Logo...

—Entendi! Acha que essa brincadeira deu certo?

—Acho que sim! Em relação a isso não se precipite! Vai saber o que fazer, se estiver com a mente e o coração limpos no momento!

—Como assim?

—Vai reconhecer cada uma dessas etapas surgindo na sua vida, deve se lembrar da escolha que tomou hoje aqui para cada uma delas e, talvez, tenha boa sorte caso isso lhe seja necessário!

—Mas são só pedrinhas...

—Acredite,  não são!

Já era final de tarde e sr. Crepsley logo acordaria.  Saí da tenda de Evanna e quando me dirigia à tenda onde eu estava alojada encontrei Harkat e Tawer conversando.

—Eu não posso te adiantar nada, pois não sei como foi seu acordo com Des Tino, mas se ele lhe disse que Beatrice te guiará é porque é verdade!  -dizia Harkat.

—Não... sei... se... de...vo... con...fi...ar...nele...em...se tra...tan...do de... Bea...Trice!

—Está preocupado de ser uma armadilha pra ela?

—Sim!

—O que o faz pensar assim?

—O fa...to...de...le...ter mu...uito...in...te...resse nela!

—De fato o interesse de Tino em qualquer um é preocupante, e com certeza ele quer alguma coisa com isso tudo! Mas não se pode adivinhar... Nesse caso, esteja atento a tudo e, acredite, não vai querer perdê-la! Se perder Beatrice pode ser que nunca descubra quem foi!

—Eu... se...i! E eu... gos...to...mui...to...de...la!

—Eu também! Ela me lembra Felipe... -Havia certa tristeza na fala de Harkat.  Pensei em chegar perto e conversar com eles, mas desisti! Achei que deviam conversar só entre eles, afinal, era uma experiência nova para os dois!

Entrei na tenda e peguei o livro, que eu tinha deixado entre os meus pertences pessoais, resolvi deixá -lo lá mesmo,  pois não tinha onde guardar...

Sr. Crepsley acordou cedo e,  por incrível que pareça,  bem humorado!

—Nossa! -exclamei ao vê-lo tão bem -Nem parece que são seis da tarde!

—Aqui demora mais de escurecer! -disse sem notar o que eu realmente quis dizer.

—Na verdade eu falava do seu humor...

Ele me olhou, claramente não tinha prestado atenção no que eu disse novamente, quando caiu a ficha ele disse :

—Está insinuando que sou mal humorado? -perguntou com uma sobrancelha erguida.

—Não! Estou afirmando que é, e estranhando sua felicidade tão cedo!

—Que insolente! -ele deu uma risada, coisa rara de se ver.

—Uau! Me diz o que te deixou tão feliz, por favor! Vou precisar  dessa fórmula ao longo da viagem! -zombei.

—Só estava com saudade disso tudo!-disse-me -Distanciei-me do clã e de Evanna há tanto tempo que me esqueci o quanto me fazia falta!

—Parece gostar muito disso tudo! Então por que se afastou?

Por um instante ele pareceu distante e infeliz. Vi que tinha tocado num assunto mais delicado do que eu pensava e me arrependi instantaneamente.

—Não vale a pena remexer agora em assuntos há muito enterrados!  -disse finalmente.  -Você já se alimentou?

—Sim!

—Ótimo!  Provavelmente iremos partir essa noite!

—Mas já?

—É bom já estarmos preparados! Junte nossas coisas!

—Mas...

Não consegui dizer mais nada. O vampiro sumiu e me deixou falando sozinha. De repente o medo e a insegurança acerca dessa jornada pairaram sobre mim novamente! Iríamos mesmo para essa tal Montanha... Rumo à morte? Provavelmente!

Recolhi as coisas de sr. Crepsley e levei para junto das minhas.

Voltei à tenda de Evanna onde os outros estavam reunidos para saber o que seria feito daquele momento em diante.

—Lutar sem armas é o que todo vampiro devia aprender! -bradava Vancha de dentro da tenda.

O Príncipe só usava seus shurikens para lutar e nada mais. Achava que não devemos depender de armas.

—Beatrice! - disse quando eu cheguei.  -Vou ensinar como se luta de verdade!

—Vai o quê?  -perguntei meio assustada. Eu realmente não estava afim de levar uma surra de Sire Vancha, pois era o que iria acontecer se ele inventasse de me “treinar”.

—Beatrice não vai ter dificuldade alguma na Montanha com umas poucas horas comigo!

Evanna sorria com desdém.

—Você luta Evanna? -perguntei querendo mudar o foco.

—Sim,  de uma forma diferente! Mais eficiente... -disse ela.

Nesse momento Vancha caiu ao chão e estava claramente sem conseguir se mexer!

Fiquei assustadíssima, mas notei que era Evanna quem provocara aquilo.

—Nossa! Como se faz isso? -perguntei maravilhada.

—Com a mente!

—Só?

—É preciso um grau de concentração muito alto e muito treinamento!  Para mim é mais fácil por causa dos meus poderes!

—Então eu poderia aprender a fazer isso?

—Sim, mas teria que largar o clã por bastante tempo e ficar comigo treinando! O que seria ótimo visto que nenhuma das minhas assistentes jamais terminou o treinamento.

Tive vontade de perguntar o motivo,  mas no fundo eu sabia... Evanna era muito rigorosa!

—Acho que vou considerar a ideia! -falei.

Larten e Gavner chegaram, ainda não tinham voltado da caça.  Logo Tawer entrou e ficamos esperando Harkat.

Quando chegou, pensei que começaríamos, mas faltava uma pessoa! Para minha surpresa...

—Gannen chegou! -disse Harkat.

—Está sozinho? -perguntou Vancha.

—Não! -disse uma voz grave e educada.

Nesse instante entrou na tenda um homem alto e forte, vestido elegantemente, embora com roupas ultrapassadas, com um cabelo longo amarrado na nuca. Tudo estaria normal se não fosse por um detalhe: pele roxa e cabelos, olhos, lábios e unhas vermelhas.  Um vampixiita entre nós!

Pensei em perguntar o que estava acontecendo ao meu mentor, mas notei que ele não parecia surpreso! Aliás,  ninguém estava surpreso além de mim e de Tawer, que me olhava com estranheza.

—Trouxe meu novo assistente! -continuou o tal Gannen. Então atrás dele entrou um rapaz esbelto e negro, com um cabelo longo rastafari. –Lucian Evans!

—Boa noite! -disse Lucian timidamente.

—Seja bem vindo Lucian! -disse Evanna.

Nós os saudamos,  eu e Tawer continuávamos sem entender nada. Vi que Lucian devia ter sido convertido há pouco tempo ou até ser um semi-vampixiita, por não ter nenhuma característica física que deixasse claro o seu pertencimento ao clã dos nossos primos!

—Pensei que não fosse chegar! -disse Vancha a Gannen.

—Meu irmão, sabe que nunca faltamos com nossa palavra! -respomdeu Gannen.

A palavra "irmão " ficou ressoando em minha mente! Como assim?

—Acho que ainda não conheceu Larten Crepsley pessoalmente!  -prosseguiu Vancha -Larten, esse é meu irmão Gannen Harst.

Larten o cumprimentou educada e firmemente,  como era de seu feitio.

Eu observava tudo àquilo em um grau de confusão absurdo. Olhei para Tawer e ele deu de ombros.

—E sua assistente srta Angeline! -disse Vancha voltando-o para mim.

Ele me olhou com estranheza,  logo notei que por conta da minha idade,  e então me cumprimentou educadamente com um sorriso curioso e um olhar mais curioso ainda.

—É um prazer, srta Angeline! -disse, beijando minha mão. Aquilo foi o suficiente para me fazer mudar de cor umas trinta vezes!

—Igualmente!  -respondi,  mais para retribuir a cortesia do que pelo prazer em si.

—Vamos começar?  -disse Gavner cortando aquele clima super estranho. 

—Sim, não percamos tempo! -disse Harkat.

Logo vi que todos, incluindo Vancha, ficaram receosos em relação a Larten depois da atitude de Gannen.

—Sentem-se todos! Vamos começar! -disse Evanna. -Acredito que já saiba da nossa nova preocupação,  Gannen!

—Sim! São verdadeiros os boatos?  -perguntou sentando-se ao lado de Evanna.

Ela suspirou e olhando para todos nós um por um disse:

—Sim, são verdadeiros!

—Então temos uma nova profecia para nos infernizar depois da última? –perguntou Vancha.

—Sim, mas há um detalhe bom!

—E qual seria? –perguntou Gavner que estava ao lado de Tawer.

—A profecia do Senhor dos Vampixiitas tinha um final pré-definido!

—De que o clã inteiro dos vampiros cairia! –disse Sr. Crepsley.

—Mas pelo visto não era tão certo assim, já que Juan morreu e o clã ainda permanece! –apontou Gannen.

Eu estava muito intrigada com aquela situação! Notei que Lucian também não parecia acostumado com a situação. Nos encaramos por um bom tempo enquanto debatiam.

—Felipe foi muito sábio ao se deixar morrer junto com Juan! Se um dos dois estivesse vivo, um dos clãs estaria extinto hoje! Significa apenas que sempre se pode encontrar brechas nas profecias!

—E qual seria a brecha nessa? –perguntou Harkat.

—Existe uma pessoa que pode se levantar contra o final da guerra e terá poder de destruir de vez um dos clãs e a proposta de paz! Mas, há três aqui que podem impedir essa pessoa!

—Quem? –perguntou Gavner.

—Lembrem-se de que a busca se estende a todos aqui, até mesmo a Gannen e Lucian, do lado dos vampixiitas, e que o fato dessas três pessoas serem as únicas com chances reais de impedir que a profecia se cumpra, não poderão trabalhar sozinha e nem há garantias de vitória! Muito menos a certeza de quem será esse opositor e de onde ele virá! Aliás, correm ainda o risco de que esse opositor seja um dos três que indicarei.

—Disse-nos que um de nós seria a peça fundamental da equação! –disse Vancha. –E disse que poderia ser alguém que destruiria ou impediria a destruição!

—Sim! –disse Evanna.

—Mas agora há três que podem impedir a destruição? –perguntou Vancha.

—Não! Há três que podem impedir o destruidor! –apontou Evanna. –Mas cada um dos três terá uma chance real de fazê-lo. Sendo assim, até aquele que for o escolhido para impedir a destruição, se vacilar no momento, irá se tornar um agente destruidor!

—Então há uma pessoa que irá se levantar para destruir o caminho de paz que estamos tentando traçar, ou levantar-se-á para impedir essa destruição e essas três pessoas poderão impedi-la, mas dependendo de sua intenção, impedir ou não os seus planos pode nos levar à destruição! –eu disse juntando as peças, pensando que estava falando baixo, mas todos pararam e olharam para mim.

—Exatamente! –disse Evanna, radiante.

—Sério? –perguntei.

—Sim! –disse ela.

Larten me olhou com surpresa e orgulho, de maneira tão expressiva que estranhei. Dedicou-me um sorriso de lado.

—Então não temos um “vilão” prestes a se levantar, temos uma incógnita! –concluiu Gavner.

—Exato, por isso que essas três pessoas que indicarei devem tomar muito cuidado, pois terão a chance de derrubar alguém que tanto pode ser a destruição quanto a salvação dos clãs!

—Entendemos! –disse Larten.

—Pois bem, os três capazes de derrotar essa pessoa são Larten Crepsley, Gavner Purl e Gannen Harst! Vocês são a trindade do destino!