"Do sublime ao ridículo é apenas um passo."

-- Napoleão Bonaparte

________________________________________

Bem... para começar minha história, todos têm que saber uma coisa.

Ogden estava morto.

Pois é.

O nome soa familiar?

Claro que sim. Pelo menos para qualquer criatura com o mínimo de conhecimento sobre bebidas alcoólicas.

O uísque de fogo que meu avô desenvolveu, há quarenta anos atrás, foi um grande marco no ramo de bebida, alavancando a economia bruxa e adicionando mais uma opção chamativa nos pubs londrinos. Com tudo isso, o tira-gosto ardente ficou famoso e levou seu nome.

Bom.. isso foi antes deste nome me pertencer.

Meu nome é Helena Ogden. Sou neta do velho que acabei de mencionar.

Talvez tenha desviado do assunto principal.

Afinal, não é todo dia que uma garota de vinte e cinco anos, que foi criada pelo avô turrão, é intimada pela divisão de bens do Ministério da Magia para receber toda a produção e economias do velho que acabara de falecer, em meio á outra ridícula viagem de negócios.

Sendo assim, há menos de três anos, herdei uma das maiores fabricantes de uísque do mundo mágico.

Mas voltando ao fato anterior.

Meu avô Ogden tinha morrido. Eu havia visto a certidão de óbito com meus próprios olhos. E nunca duvidei, por um segundo sequer desde então, que ele estava definitivamente morto.

Se eu senti alguma coisa? Bom, não. Pelo menos, não ali. Não naquele momento.

Talvez uma alegria remoída em pensar que nunca mais teria que ser humilhada por aquele velho caduco, nem ter que ser sua empregada, comendo dos restos de sua mesa como um cachorrinho sarnento. Nunca mais ter que ser a atração de suas reuniões com colegas nojentos, em que eu não passava de um aperitivo visual para o olhar malicioso dos convidados.

O que eu senti naquele dia não foi alegria, mas uma satisfação macabra em saber que ele finalmente desaparecera daquele plano de existência.

Agora, o Destino parecia finalmente ter se vingado do velho babão.

Quem usufruiria agora de toda a pompa e dinheiro, que o sarcástico e insolente Howard Ogden havia tanto protegido dos olhares alheios, seria eu, sua única descendente desprezada, que fora jogada em Hogwarts durante sete anos, isolada e mal vista, para retornar a ser sua servinha pessoal no fim daquela longa tortura escolar.

Bom, aquilo havia acabado. Os infortúnios que Ogden me causara nunca mais iriam me incomodar.

Ou foi isso que eu pensei.

Pois bastou apenas uma semana para que tudo ficasse de cabeça para baixo em minha vida.

______________O________________

Encarei o espelho dourado na parede, estreitando os olhos para minha imagem refletida. Meus olhos pareciam duas fendas azuis em meu rosto pálido.

Estava completamente aborrecida com o incidente do dia anterior. Um mendigo abusado viera até a porta da casa, que ficava aos fundos da grande fábrica de uísque, pedindo uma esmola, insinuando que estava á procura de algo para comer no Natal. Resolvi não jogar meu crupe em cima do esfarrapado, mas aquilo já me rendera a cota de irritação que eu não queria ter adquirido naquela semana.

Após amarrar meus cabelos num coque, ajeitei meu colete e decidi descer até o escritório para avaliar como andava a produção.

Os funcionários já estavam organizando as papeladas do dia, enfurnados em meio á zona desarrumada de suas mesas.

Franzi a testa para o ruivo que escrevia febrilmente no pergaminho de faturamento.

Pigarreei, avisando-o de minha presença.

Ele arregalou os olhos, erguendo o olhar para mim.

- Senhorita Ogden! – vi-o arfar – perdão. Não a vi chegar, senhorita.

- Percebi, Weasley – bufei, apoquentada – e não estou a fim de ver novamente essa falta de atenção.

Weasley devolveu a pena ao tinteiro, assustado.

- Não vai acontecer de novo, senhorita. Desculpe-me.

- Como estão os ganhos de hoje? – decidi ignorar seu meneio tenso.

- Estou fechando os lucros do mês passado – ele mordeu o lábio, com os olhos apertados – a receita líquida terminou em noventa mil galeões até o calculo mais recente.

Percebei o olhar pensativo do secretário no pergaminho de rendimentos.

- Ótimo – murmurei, me dando por satisfeita – pode voltar ao trabalho. E quero isso pronto até hoje á noite, Weasley. Sem desculpas.

- Tudo bem, senhorita Ogden – ele fez menção de abrir a boca – mas...

- Eu disse sem desculpas! – exclamei, dando as costas para Weasley – continue!

Os demais funcionários haviam parado seus serviços, nos encarando.

- O que estão olhando? – rosnei – voltem ao trabalho! Não pago vocês para ficarem de bobeira! Ou querem passar o fim de ano na rua?

Aos poucos, as cabeças enxeridas voltaram a se abaixar, e o som do escritório retornou ao de antes.

Balancei a cabeça. Se eu pegasse leve um pouco que fosse com aqueles preguiçosos, aquela empresa iria á falência.

Se eu tinha aprendido alguma coisa com o imprestável Ogden, era saber que a última coisa que se deveria ver em um sonserino era o terrível defeito de ser fraco.