Três Formas de Amar escrita por Mi Freire


Capítulo 10
O almoço em família.




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− Nossa, eu nunca me senti tão poderosa. – Comentou Helena quando adentrávamos o tal evento.

Eu tinha ajudando na produção dela. Emprestado um dos meus vestidos e minhas sandálias de salto. Eu mesma fiz sua maquiagem e seu penteado. Não havia ninguém ali presente que não parava para admira-la. Ela estava ainda mais linda.

− Você está um arraso. – Sorri para ela.

− Nós estamos!

Era verdade. Eu tinha caprichado.

Era importante para mim impressionar.

Primeiro participamos de uma longa palestra sobre os novos produtos da marca. Depois houve uma pausa para comermos o que eles tinham preparado especialmente para os convidados. E por fim ganhamos uma sacola de brindes.

− Manu? – Alguém me chamou. Olhei imediatamente para trás. – Manu, nem acredito que é você!

A garota ruiva de sardas me abraçou forte como se fossemos velhas conhecidas.

− Manu, eu acompanho todos seus vídeos! Eu adoro seu canal. Você é ótima! Te admiro muito.

Era a primeira vez eu encontrava uma leitora.

− Posso tirar uma foto com você?

− Claro! – Digo toda sorridente.

A garota passa o celular para Helena e ela tira a nossa foto.

− Obrigada, Manu. Você é ainda mais linda pessoalmente.

Saí dali extasiada. Nem conseguia acreditar que aquilo tinha acabado de acontecer comigo: reconhecimento.

− Viu só? Todo mundo te admira. – Comentou Helena. Nós estávamos prestes a pegar um táxi e voltar para casa.

Quando cheguei casa, Lucas já tinha chegado do trabalho e estava esparrado no sofá, jogando videogame. Ou estava muito compenetrado no jogo ou ainda fazia questão de me ignorar. Mas eu tinha tanta coisa para dizer naquele momento. Precisava me abrir com alguém.

− Quer saber pra onde eu fui hoje? – Me sentei do espaço vazio do sofá. Ele nem olhou. E eu me senti tão boba por forçar a barra. Normalmente ele já perguntava sobre o meu dia.

− Sinceramente? Não. Eu estou meio ocupado aqui, Manu. Não sei se você percebeu.

Nossa, essa doeu e muito.

− O.K. Desculpe.

Me arrastei até o banheiro e tomei um bom banho longo.

Enquanto me trocava eu me senti tão sentimental. Estava prestes a chorar porque o Lucas tinha acabado de ser sido grosso comigo. E isso raramente acontecia entre a gente.

Depois de colocar o meu pijama eu tomei uma decisão. Estava cansada disso tudo e sabia que alguém precisava dar o braço a torcer. E dessa vez seria eu.

− Quer saber, Lucas? Eu estou cansada disso! – Digo, me colocando diante dele. Em frente à televisão. Impedindo que ele continuava a me ignorar com aquele jogo idiota. − Será que você podia ser um pouco menos infantil, por favor?

Ele colocou o controle de lado e me olhou com cautela.

− Você acha que essa merda é fácil para mim, Manuela? – Ele levantou-se e ficou parado diante de mim. Tão perto que senti um tremor no corpo de medo e tensão. − Porque não é. Eu me importo com você o tempo todo. Quero saber tudo sobre você. Cada detalhe do seu dia por menor que seja e não é fácil fingir o contrário. Fingir que não me importo e agir como se eu fosse imbecil, te maltratando o tempo todo.

− Então porque você faz isso? – Pergunto, sentindo as lágrimas encherem meus olhos. – Só porque eu aceitei o pedido de namoro do Kevin? Porque se for, isso não é justo, Lucas. Você deveria entender. Deveria me apoiar.

− Esse é problema. Eu não entendo! Mas não quero entender, Manuela. Você realmente gosta desse cara?

− Eu gosto! E ele me ama, Lucas. Qual é o problema nisso?

− Então ele disse que ama você? E você acreditou? – Ele riu friamente. Me senti ainda pior. – E você apenas gosta dele e mesmo assim decidiu aceitar esse relacionamento?

− Sim! Porque eu gosto dele, de verdade. Talvez eu não o ame. Não tanto quanto antes. Mas eu vou amar!

− Você tá de sacanagem comigo, Manu? – Ele desviou o olhar por um momento. – Que porra é essa de “mas ainda vou amar"? Isso não existe. Ou você ama ou você não ama!

− Tá, mas... – Deixei lágrimas escorrerem de meus olhos e rolarem por meu rosto. – E daí? O que é que você tem a ver com isso afinal?

− Você ainda não entendeu? Eu me importo! E muito. Prometi a mim mesmo que sempre cuidaria de você e jamais deixaria outro babaca qualquer te magoar daquele jeito.

− Ele não vai me magoar de novo. Como é que você pode ter tanta certeza disso? – Minha voz estava falhando.

− Porque é isso que caras como ele fazem.

− E você? Que tipo de cara é você?

Ele ficou duro feito pedra.

Acho que o atingi em cheio.

− Eu sou o tipo de cara que se importa demais. Infelizmente. Você acha que eu queria ser assim? Porque não. Eu não queria. Mas o que é que posso fazer? Você é responsável por sua própria vida e escolhas. Eu nem sei porque ainda perco meu tempo atentando ajudar.

Eu abri a boca para dizer alguma coisa. Mas eu não tinha nada a dizer. Não mais. Eu só queria chorar. Então um celular começou a tocar. E não era o meu. Era o do Lucas.

Ele passou a mão no cabelo e pegou o aparelho.

− Oi, mãe. Que bom que você ligou!

Lucas me deu as costas e foi atender sua ligação com mais privacidade dentro do seu quarto. Longe de mim.

− Nossos pais vêm almoçar aqui amanhã. – Ele avisou assim que saiu do quarto. Tinha trocado de roupa e passado um pouco de perfume. – Eu vou sair.

Ele pegou as chaves em cima da mesinha e saiu.

Nós discutimos feio e no final das contas não resolvemos nada, apenas ferimos ainda mais um ao outro.

Acordei cedo no sábado. Mas só porque o Lucas estava fazendo muito barulho na casa. Nem sei como ele conseguiu acordar cedo para cuidar das coisas para o almoço com nossos pais. Ontem ele chegou muito tarde em casa.

Antes de me levantar ligo para o Kevin, convidando-o para vir aqui em casa rever meus pais. Ele aceita.

Sem trocarmos nenhuma palavra, eu ajudo o Lucas com os últimos detalhes. Enquanto ele terminava de cozinha, eu passei vassoura na casa, limpei as superfícies dos moveis para me livrar do pó, passei o aspirador no sofá e no carpete e dei uma geral no meu quarto que estava um lixo.

A campainha tocou de repente. Por sorte eu já tinha tomado banho e me trocado. Optando por rasteirinhas e um vestidinho de verão. Lucas foi abrir a porta e eu corro para o quarto para retocar o meu batom rosado.

− Mãe! Pai! – Eu os abracei bem apertado. Fazia alguns meses que nós não nos víamos. – Que saudade!

Papai tinha engordado um pouco. Não pude deixar de notar. Fora isso, ele continuava igual. Ele sempre usava calças e camisas de botões. O cabelo preto e liso bem penteado.

Sara havia cortado o cabelo louro-escuro. Eu a elogiei e ela corou. Seus olhos verdes pareciam brilhar ainda mais a luz do dia. E para aquela ocasião ela escolheu um vestidinho floral que lhe caia muito bem acompanhado pelas sapatilhas.

− Filha, querida, você está tão magrinha. Lucas não tem feito você comer direito? Conta para mim!

Todos riram, menos eu que não pude evitar de trocar um olhar com o Lucas.

− Mãe, você sabe que eu sou o melhor cozinheiro de todos os tempos. – Disse Lucas, bem-humorado. Diferente do Lucas de ontem. O mesmo que me fez chorar. – Eu aprendi com o melhor professor. – Ele deu tapinhas nas costas do meu pai. – Como vai o consultório, Jorge?

Jorge é o nome do papai.

Lucas não o chama de pai, como eu chamo a Sara de mãe. Isso porque seu pai ainda é vivo. Diferentemente de mim que perdi a mãe muito cedo, seu pai abandonou ele e sua mãe quando ele ainda era pequeno. Desde então eles nunca tiveram nenhum tipo de contanto.

Já conversamos sobre isso tantas vezes!

Lucas diz que não se sente à vontade de chamar meu pai de pai, porque ele sabe que em algum lugar no mundo ele tem um pai. Seu pai de verdade. Mas como ele os abandonou, Lucas não quer e nunca quis contanto com ele.

E isso é totalmente compreensível.

− O consultório vai ótimo. E o seu estágio? – Pergunta meu pai. Ele e Lucas se dão muito bem.

Papai é dentista e tem seu próprio consultório.

Sara me acompanha até o meu quarto. Optamos por deixar os garotos mais à vontade na sala de estar. Aproveito a oportunidade de mostrar a ela minhas novas roupas e maquiagens. Sara adora moda tanto quanto eu. Um dia ela também já quis seguir esse caminho. Mas não teve a chance por ser humilde demais e sem qualquer apoio da família. Hoje ela se acha muito velha para isso.

Eu discordo.

− Como você está indo na faculdade? – Essa é uma pergunta difícil. Eu sei que ela espera que eu esteja indo bem assim como o Lucas. Mas esse não é o caso.

E eu não quero preocupa-la.

− Muito bem. – Minto. – Convidei uma pessoa especial para almoçar com a gente hoje. Você vai gostar!

É sempre bom mudar de assunto quando as coisas estão ficando tensas.

− Ah, é mesmo? – Seus olhos brilham de entusiasmo. – Um namoradinho, talvez?

− Hum.... Não sei. – Dou risada, deixando o mistério no ar.

Quando voltamos para a sala, Lucas levanta-se e diz que a comida está pronta e que é hora de almoçar.

Nos reunimos na bancada.

− Isso está ótimo, filho. – Sara elogia, olhando para o filho com admiração. Ela o ama muito. Sempre amou.

− Obrigado, mãe. – Lucas sorri timidamente. Ele sempre fica constrangido quando a mãe o elogia assim.

Continuamos conversando durante a refeição como se não nos víssemos há anos. O que é bom. Eu gosto de me manter atualizada sobre absolutamente tudo.

Sara e eu ficamos encarregadas de limpar a cozinha após a refeição quando a campainha toca.

Lucas e eu nos entreolhamos surpresos.

Por um momento quase me esqueço que eu tinha convidado o Kevin. Então deve ser ele. Atrasado por sinal.

− Deixa que eu atendo. – Digo animada, secando as mãos em um pano de prato antes de correr até a porta.

Dou de cara com o Yuri e meu sorriso morre na mesma hora.

− O que você está fazendo aqui?

Yuri abre a boca para dizer algo, mas é interrompido pela Sara.

− Oi. Você deve ser o convidado especial da Manu. – Ela me olha cheia de insinuações. – Entra, querido. Não precisa ficar com vergonha. Somos todos de casa.

Quero dizer a ela que isso é um engano. Mas não tenho a oportunidade, pois ela puxa o Yuri para dentro pelo braço e o que me resta é fechar porta de volta.

− Como você se chama mesmo? – Pergunta Sara, levando Yuri até o sofá.

Lucas me olha com espanto, sem entender nada.

Ao contrário do que eu esperava, Yuri não parece nenhum pouco intimidado ou sem graça. Na verdade, ele parece se divertir com toda a situação.

− Eu sou Yuri.

− Lindo nome. Tão diferente! – Ela não para de sorrir para ele, impressionada. Eu sei que ele é bonito e atraente, mas não precisamos exagerar... – Eu sou Sara, mãe do Lucas e da Manu. E esse é o Jorge, meu marido e pai da Manu.

Yuri estende a mão para o meu pai.

− Prazer.

− O prazer é todo meu. – Diz meu pai.

− Me desculpem, pessoal. – Me aproximo do Yuri e o puxo pelo braço na direção do meu quarto. – Mas preciso dar uma palavrinha com esse rapaz por alguns minutos.

Fecho a porta do quarto e encaro o Yuri com os braços cruzados.

− Cai fora daqui.

− O quê? Mas eu mal cheguei!

− Você não é bem-vindo aqui, sabia?

− Não é o que parece. – Ele sorri. – Sua mãe parece ter gostado muito de mim. Você não percebeu?

Joguei os braços para cima.

− Pelo amor de Deus, Yuri. Houve um engano aqui. Ela pensa que te convidei. Mas não convidei. Você sabe!

− Não seja cruel, Japonesa. Eu vou me comportar bem. Eu juro! Me deixa ficar, vai. Gostei de conhecer sua família!

Aquele homem grande, forte, com seus vinte e tantos anos fazendo carinha de cãozinho abandonado era uma cena cômica.

− Ta bom, você pode ficar. Mas não mais que uma hora. Ouviu bem? Depois você se manda. E a propósito, para você que não sabe diferenciar, eu sou descendente de coreanos e não japoneses. Não passe vergonha na frente do meu pai.

Ele riu.

− Entendido.

Voltamos para a sala e todos pararam para olhar para a gente como se tivéssemos acabado de...

Ah, não. Não! Não! Não!

Yuri e eu nem somos amigos! Quanto mais.... Deixa pra lá. Melhor nem pensar nisso. É nojento!

− Quem quer sobremesa? – Perguntou Lucas, provavelmente me salvando de perguntas constrangedoras.

Eu amo esse garoto!

− Vamos! Vamos atacar a sobremesa. – Brinquei.

Fiquei de lado, apenas observando com suspeitas Yuri conversar com meus pais como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.

Foi a vez do Lucas me arrastar para longe para termos uma conversinha em particular.

− Você convidou esse cara? Eu pensei que você o odiasse!

− E eu odeio. E não, eu não convidei. Ele pareceu aqui porque é um inconveniente. Na verdade, eu convidei o Kevin.

− Você convidou o Kevin? Sem nem me consultar antes?

− E qual é o problema? Ele é meu namorado, Lucas. Se esqueceu? De qualquer forma não importa. Ele não veio.

Yuri não foi embora uma hora depois. Ele ficou ali o dia todo, até a hora dos meus pais irem embora. Lá para as seis horas, para não pegarem transito nem nada.

Eu estava muito brava com o Yuri. Como ele foi capaz de passar tanto dos limites? Mas eu o poupei de uma grande discussão. Pelo menos aquela noite. Pois eu tinha algo mais importante para fazer: ligar para o Kevin.

− O que aconteceu com você? Porque você não veio? Nem se quer mandou uma mensagem!

− Putz! Me desculpe, Manu. Eu me esqueci completamente do almoço. Seus pais ainda estão aí? Posso dar uma passadinha aí rapidamente para dar um “alô”.

− Não, eles já foram embora. Mas você não respondeu a minha pergunta: O que aconteceu com você?

− Ensaio. Fiquei preso no ensaio e esqueci.

Quis xinga-lo de todos os palavrões existentes, mas apenas desliguei, totalmente decepcionada.

Era sempre a droga desse ensaio que fodia com tudo.

− Você está bem? – Perguntou o Lucas assim que entrei em casa.

− Ah, então quer dizer que agora você se interessa por isso? – Não foi bem uma pergunta, foi mais uma acusação. Eu estava muito brava para conversar sobre aquilo ou qualquer outra coisa.

Apenas entrei no meu quarto e bati a porta com força.


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Notas finais do capítulo

Kevin dando mancada mais uma vez.
Yuri o vizinho inconveniente.
E Lucas a confusão em pessoa.
O que acham? De quem vocês mais gostam?