Um peso, duas medidas escrita por Miaka


Capítulo 17
Fardo


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente! ♥ Eu sempre penso em postar mais para o fim de semana, mas acaba que sempre escrevo antes e sou péssima para guardar capítulos - ainda mais assim saídos do forno! Obrigada a todos que estão acompanhando e deixam reviews lindas sempre! *__*



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Havia apenas perplexidade nos rostos dos generais que encaravam aquele que se mantinha firme, evitando encarar aqueles que estavam diante de si. Eles não diriam nada? - questionou a si mesmo, em silêncio. Sentia-se um monstro sendo alvo daqueles olhares enigmáticos.

Por que não o prendiam de uma vez? Permaneceriam ali lhe julgando?

Ele tinha plena consciência de seu crime, aliás, seus crimes.

Afinal, havia assassinado a primeira princesa do Império Kou. E por mais que alegasse o fato de ela estar possuída por aquela bruxa, aquilo certamente causaria um abalo terrível na relação da Aliança que acabara de agregar Kou.  Poderia ser uma pequena centelha que daria início a uma terrível tragédia.

Com o fortíssimo poderio militar de Kou, agora eles tinham o álibi perfeito para justificar uma invasão. E como Sinbad tentou, por anos, proteger aquele minúsculo país que estimava mais do que sua própria vida.  

Havia destruído Sindria. O país que tanto amavam, que criaram juntos.

Fora isso, o pior era admitir que Arba estava certa.

Se não interviesse, se tivesse aceitado o fato de Sinbad ter uma vida com outra mulher, certamente seu rei não estaria naquela situação tão preocupante naquele momento. Ele ficaria bem, não ficaria?

Não conseguia mais se conter. Aquela enxurrada de emoções o sufocavam.

Mordia os lábios, tendo coragem de erguer o rosto e encarar aqueles que nada diziam e foram surpreendidos pelos olhos verdes marejados.

— Por favor! - praticamente suplicando, sua voz falhou por estar prendendo o choro.

E notando que não aguentaria mais segurá-lo, Ja’far fitou o chão novamente, vendo-se ser encoberto por uma grande sombra quando Hinahoho deu um passo adiante. Aquele que sempre foi uma figura paterna. Nada mais justo do que ser repreendido por ele, assim como era, quando criança, por sua falecida esposa.

No receio ao perceber a proximidade dele, Ja’far apertou os olhos, temeroso, quando sentiu grandes braços lhe envolverem num afetuoso gesto. Firme, protetor e caloroso. Foi o suficiente para que o alvo desabasse em lágrimas que não poderia mais conter. Ele precisava tanto daquilo.

— Já acabou, Ja’far.

Hinahoho sussurrou abraçando firmemente aquele que soluçava, chorando feito uma criança acuada em seus braços.

— Não… por favor, preciso… - o alvo protestou entre soluços. - que me punam, senão Sindria vai… o Hakuryuu-sama…!!!

— Shhh! - Hinahoho afagou aquele que era muitas vezes menor que ele. - Apenas descanse.

E surpreendendo-o, Ja’far subitamente o empurrou, os olhos estreitados, tomados pela indignação.

— Como vou descansar?! Matei uma princesa! Kou vai guerrear contra Sindria! Eu destrui tudo! TUDO! Por que não fazem o correto que é ao menos me prender?!

— Já chega, Ja’far-san. - foi a vez de Masrur se aproximar. - Se tivéssemos feito algo errado, você ordenaria nossa prisão ou algum tipo de punição?

As esmeraldas piscaram atônitas. Era difícil ver o fanalis se expressar abertamente assim. E a sua afirmação o jogava contra a parede. Era claro que jamais os puniria, seria incapaz.

— Você não está entendendo… - ele tentou.

— Responda o que perguntei. - calmamente o ruivo exigiu.

Ja’far, sem encará-lo, balançou a cabeça negativamente. Então sentiu uma mão tocar seu ombro, o que o fez erguer o rosto e fitar o moreno.

— Estávamos esperando seu retorno, Ja’far-san. - Sharrkan sorriu. - Sabíamos que era o único capaz de por juízo na cabeça do Sinbad-sama e que teria coragem de enfrentar a Arba.

Sorriu de canto, tentando secar as lágrimas com as costas das mangas das vestes que mais pareciam trapos depois daquele confronto. Encarou os demais em desolação.

— Sabiam que… eu sou um assassino, apesar de tudo, e capaz disso… - o alvo encarou as próprias mãos ensanguentadas. - O que foi que eu fiz? Eu… não quero ser assim…

— Quando vai entender que é o único capaz de por juízo na cabeça do Sinbad?! - Hinahoho inquiriu de forma ríspida.

O mais jovem voltou sua atenção àquele que se aproximava novamente, desta vez com uma intenção bem menos amigável.

— Acha que ele nos ouve?! - questionou. - Acha que vamos conseguir fazer ele mudar alguma opinião?! - ele prosseguia exaltado. - O único capaz disso é você! O único que poderia tirar o Sinbad das garras daquela bruxa!

Ja’far estava sem palavras. Será que ele estava dizendo a verdade? Realmente era tão importante assim para Sinbad? Mas ele havia aceitado aquele casamento e tudo o que havia acontecido… Pensar naquilo lhe atordoava tanto!

— Até quando vai mentir para si mesmo?! - as duas mãos largas de Hinahoho seguraram seus ombros. - Sabe que Sinbad foi enfeitiçado! Sabe que ele não o odeia e fez aquelas coisas porque estava sob influência daquela bruxa! Até quando vai se culpar?! - ele sacudia o alvo cuja hesitação era nítida em seus olhos.

— Não havia nada que pudéssemos fazer… - Pisti, um tanto quanto chorosa, se manifestou. - Apesar do nosso rei confiar em nós, - ela secava as lágrimas com os punhos cerrados para abrir um doce sorriso. - o Ja’far-san é o único que pode bater de frente com ele. - concluiu.

— Pisti…

Fitou a loira e depois os demais, que nitidamente concordavam com suas palavras. Realmente era tão importante assim para Sinbad? Depois de ter se visto rejeitado e trocado por aquela mulher, sentia-se alguém tão indiferente na vida do rei de Sindria - aliás, na vida de todos ali.

Mais uma vez sentiu as lágrimas escorrerem por seu rosto, mas dessa vez, elas não exprimiam culpa ou ressentimento.

Ja’far sentia apenas alívio.

Alívio em pensar que nada havia mudado, que não havia perdido aquilo que tanto amava: seus amigos e Sinbad…

—-------xxxxx--------

A noite já tinha caído fazia tempo. As horas tinham passado bem rápido, apesar da tensão e da inquietude que lhe preenchiam. Felizmente havia dado tempo de enviar mensageiros para avisar aos convidados que a cerimônia de matrimônio entre Sinbad e Ren Hakuei havia sido cancelada devido a alguns “problemas de saúde”.

Recostado naquela poltrona, ele ainda sentia suas costas latejarem devido aos ferimentos que sofrera, mas que não haviam sido nada comparados aos de seu rei, que permanecia adormecido tranquilamente em sua cama.

Não havia voltado a si desde então e, apesar de lhe garantirem que ele estava se recuperando, Ja’far estava inquieto.

Inclinou-se para frente para observar melhor o rosto bonito do moreno que vestia um roupão branco, cujo decote permitia ver as ataduras que escondiam a grave lesão em seu peito. Os longos fios desenhavam ondas púrpuras sobre os lençóis brancos e bordados com fios dourados que o cobriam.

Uma de suas mãos escapava por baixo das cobertas e se encontrava aninhada no colo de Ja’far, que permanecia a observar o sono de Sinbad.

Aproximou-se para levar uma mão até o rosto adormecido, deslizando o polegar pela face daquele que subitamente apertou os olhos. Ele estava acordado? - Ja’far questionou a si mesmo.

— Sin? - ele chamou preocupado.

Não houve resposta.

Ja’far suspirou, chegando a conclusão de que seu rei estava sendo perturbado por um sonho ruim ao vê-lo inquieto se remexendo sob as cobertas. Foi o suficiente para que afagasse os fios púrpura para trazer conforto a Sinbad, que rapidamente voltou a dormir de forma tranquila.

O que devia estar sonhando? - perguntava-se. Parecia tão aflito... Ja’far notou ao ver as sobrancelhas franzidas, mesmo após ele ter voltado a repousar.

Um candelabro aceso era a única iluminação daquele amplo quarto, visando não incomodar o repouso do rei que convalescia. Porém, uma forte brisa que vinha das janelas que estavam abertas subitamente soprou as  chamas daquelas três velas.

A escuridão subitamente tomou o ambiente, assustando um pouco Ja’far, que rapidamente se levantou e tratou de reacendê-las. E assim que o fez, ao fitar o horizonte, viu que à costa daquela ilha atracava um grande navio que trazia as bandeiras do Império Kou.

 

Não havia enviado mensagem alguma àquele país para justificar o cancelamento do casamento. Ele tinha consciência de que o imperador daquele país precisava saber do ocorrido e Ja’far pretendia assumir a responsabilidade sobre tudo.

Havia tomado aquela decisão por si só, independente de Sinbad.

— Ja’far-san!

As portas duplas foram abruptamente abertas num estrondo, o que fez a maga que vinha acompanhada de Sharrkan arregalar os olhos, receosa ao cair em si de que podia, sem querer, ter acordado sua majestade com aquela entrada tão barulhenta.

O alvo, que se encontrava diante da janela a observar o longínquo porto, apenas se virou de frente para os generais que pareciam bastante aflitos.

— O prínci… digo, o Imperador Hakuryuu chegou! - Yamuraiha anunciou num sussurro, certificando-se de que não perturbaria o descanso de Sinbad.

— Acabei de ver. - Ja’far respondeu um tanto quanto indiferente. - Podem cuidar do Sin enquanto eu estiver cuidando de tudo?

— J-Ja’far-san! - o moreno deu um passo a frente. - Está ferido! Não pode…

— Temos que dar as notícias para o Imperador Hakuryuu. - ele foi firme. - E na ausência do Sin, eu que devo assumir as responsabilidades!

— Ja’far-san

— E se o príncipe Hakuryuu, digo, Imperador não aceitar o que aconteceu…? - Yamuraiha estava tensa.

— Ele tem todo esse direito. Afinal, eu assassinei a irmã dele. - Ja’far respondeu apático. - Se ele matasse o Sin, por exemplo, eu também o mataria…

— Ja’far-san, o que… o que está pretendendo? - Sharrkan contorcia os lábios assistindo o alvo passar ao seu lado, dirigindo-se à saída.

— Eu já volto.

Não havia mais nada o que dizer. As esmeraldas fitaram Sinbad - talvez por uma última vez.

Sharrkan e Yamuraiha, tensos, permaneceram ali a observar as portas que acabavam de ser fechadas após a saída daquele que voltava a assumir sua posição como segunda maior autoridade daquele país.

— Tsc, Sharrkan, o que está esperando para ir atrás dele?! - Yamuraiha ralhou, empurrando as costas do moreno em direção à porta.

— Mas ele mandou ficarmos aqui cuid…

— Eu fico! - ela foi categórica. - Só não podemos deixar o Ja’far-san sozinho nesse momento! Ele… - ela sorriu. - jamais nos deixaria.

—-------xxxxx--------

O clima era de tensão quando o Imperador Hakuryuu, acompanhado de seus guardas, adentrou o palácio de Sindria. Sua expressão diferia bastante dos demais.

Foi conduzido por Spartos e Masrur, algo que estranhou, já que Sinbad tinha por costume receber pessoalmente seus convidados. Mas relevou, afinal, era o dia de seu casamento. Provavelmente estava preocupado com tantos preparativos e, claro, ansioso - pensou.

Sorridente, ele parecia radiante. Como estava feliz por sua irmã! Não bastava se casar simplesmente. Ela estava se casando com o homem mais incrível que já conhecera! E temia tanto por acreditar que Hakuei fosse apaixonada por Kouen… Quem diria que estaria voltando a Sindria para testemunhar a união entre sua família e Sinbad? Só podia agradecer a essa felicidade!

Mas enquanto caminhava pelos corredores, notava que muito da decoração da cerimônia parecia incompleta, alguns servos até mesmo pareciam retirar alguns jarros de flores do caminho.

Havia se adiantado? A cerimônia não seria naquela noite? Podia jurar que estava atrasado por terem passado por uma tempestade ao entrarem na região dos mares do sul.

Os servos também não pareciam estar em um clima festivo. Muito pelo contrário, pareciam preocupados e muitos, até mesmo, entristecidos.

— Não sabia que o Sinbad-dono faria a festa de casamento em uma área mais afastada do palácio! - Hakuryuu sorriu, tentando descontrair.

Conduziram o rapaz que estava um tanto quanto desentendido à sala de reunião. Naquele momento, o ex-quarto príncipe e atual imperador já não se encontrava tão sorridente. Aquela atmosfera… Algo estava errado.

Estando extremamente desconfiado, Hakuryuu adentrou aquele lugar sem nada entender.

— O Sinbad-dono está vindo? - ele perguntou.

Ambos se entreolharam, incomodados com o fato de estar nítido que escondiam algo. Foi o momento perfeito em que Ja’far apareceu naquela porta.

— Hakuryuu-sama?

— Ja’far-san!

Abrindo um largo sorriso, o imperador se aprontou para abraçá-lo de forma carinhosa. O tempo em que havia passado em Kou havia fortalecido ainda mais o afeto que Hakuryuu sentia pelo general de Sindria.

Ja’far correspondeu aquele abraço sentindo as mãos extremamente sujas e, assim que se afastou do mais jovem, meneou a cabeça para os demais para que os deixassem a sós, mas antes que fechassem a porta, um pequeno magi apareceu por ali.

— Hakuryuu-oniisan!

— Aladdin! - os olhos azuis cresceram. - Você por aqui!

— Me desculpe ter vindo sem avisar antes… - ele levantou o rosto para encarar Ja’far. - Ja’far-oniisan, me permite participar dessa conversa?

O alvo apenas balançou a cabeça positivamente, o suficiente para Aladdin fechar a porta atrás de si, mas ele permaneceu ali mesmo, como se quisesse dar total liberdade a Ja’far.

— Ja’far-san…

— Por favor, Hakuryuu-kun, - ele usou a forma que costumava chamá-lo, carinhosamente, antes do jovem se tornar imperador. - sente-se.

O rapaz encarou de forma enigmática o general. O que estava acontecendo?

— O… O que está acontecendo, Ja’far-san? Onde está a minha irmã?! Estou… - ele tentou sorrir ao se sentar apertando as longas e pomposas vestes. Sorria apesar do nervosismo que estava sentindo por se ver numa situação tão estranha naquele momento. - bastante ansioso para vê-la se casar e… e… você sabe que ela sempre foi… uma mãe para mim!

Hakuryuu não estava ajudando.

Não mesmo.

Ja’far teve de pedir forças aos céus para se manter firme após ouvir aquilo. Como diria àquele rapaz que havia assassinado a sangue frio sua tão querida irmã mais velha que ele assumia ser sua mãe? Não importava. Estava disposto a acatar quaisquer fosse a decisão que Hakuryuu tomasse.

— Hakuryuu-kun… eu sinto muito, mas… o casamento teve de ser cancelado.

— Cancelado?! - ele arqueou uma sobrancelha. - O que aconteceu?!

— O Sin está acamado. - Ja’far respondeu rapidamente.

— Anh!? O Sinbad-dono?! - Hakuryuu se alarmou. - O que aconteceu para que ele adoecesse? Coitado! E justo no dia de seu casamento…

— Ele foi gravemente ferido. - Ja’far prosseguiu. - E… faz alguns meses que estava sob o poder de uma magia.

— Magia?! - o imperador questionou, atônito. - Quem faria algo assim contra o Sinbad-dono?! Não existe mais a Al-Thamen! - assegurou Hakuryuu, vendo a organização como única ameaça que poderia atingir o rei de Sindria.

Não houve resposta. Hakuryuu estava equivocado e Ja’far não sabia como dizer que, além de sua irmã estar morta, ele havia falhado em sua missão. Arba permanecia viva. Porém, não queria justificar suas atitudes com aquilo. O julgamento do imperador de Kou devia ser imparcial.

— O Sin está se recuperando. Não se preocupe! Ele precisa de repouso agora e, em breve, vai estar bem de novo!

— Se eu puder vê-lo, ficarei muito feliz, Ja’far-san. - Hakuryuu se levantou, nitidamente apreensivo sobre a saúde do rei de Sindria.

— Claro que sim, levarei você até ele.

— Muito obrigado! - Hakuryuu segurou uma mão do alvo. - E minha irmã, Ja’far-san? Coitada, deve estar muito triste!

Era a pergunta que Ja’far esperava. Era o empurrão que faltava para que pudesse desentalar a verdade presa em sua garganta. O silêncio permaneceu por pouco tempo, mas parecia uma eternidade para ambos.

Azuis e verdes se encontraram e Ja’far sentiu a mão de Hakuryuu segurar mais firme a sua. Um mal pressentimento tomava conta do imperador.

— Sua irmã… - ele começou. - ela está morta, Hakuryuu-kun.

Era como se um vão abrisse por baixo de seus pés. O imperador de Kou empalideceu com aquela notícia, as safiras arregaladas - a mão que não ousou soltar Ja’far. Os lábios, agora sem cor, tremiam na tentativa vã de falar algo. Mas onde estava sua voz? Onde estavam suas forças?

O pânico estampado em seu rosto se dissolveu num estranho sorriso que precedeu uma gargalhada que foi testemunhada por Aladdin e Ja’far, que assistiam atônitos à reação inesperada do rapaz.

— Q-que tipo de brincadeira é essa, Ja’far-dono? - Hakuryuu não se continha em gargalhadas. - Ai, vocês de Sindria… tem um senso de humor mesmo… Mas sobre o Sinbad-dono é verdade ao menos, não é?! Ai, ai… - ele tentava recuperar o fôlego. - Tramaram tudo para me assustar!

— Hakuryuu-oniisan...

O magi, cujos olhos estavam repleto de piedade, queria ter coragem para desmentir aquela ilusão que o jovem criara. Ele sabia muito bem que o emocional de Hakuryuu não era forte o suficiente para suportar aquilo, mas era necessário fazer com que aceitasse a realidade, por mais dura que ela fosse.

Mas Hakuryuu não parecia disposto a ouvi-los mais.

— Aposto que os dois estão escondidos por aqui!

O imperador de Kou largou a mão de Ja’far, que tentou segurá-lo ainda, mas só pôde assistir quando o sorridente rapaz seguiu pela sala de reunião até às cortinas - as quais ele revirou.

— Não estão aqui! Onde estão?

Rindo de forma divertida, Hakuryuu revirou algumas almofadas arrumadas em um canto. Onde eles estavam? - Imaginava sua bela irmã vestida de noiva a surpreendê-lo escondida ali. Tudo era para assustá-lo, tinha certeza.

Foi quando viu, sobre uma larga mesa um pouco distante da que ficava ao centro daquele ambiente, um certo volume coberto por um pano branco. Mal havia notado algumas manchas vermelhas quando, tendo certeza de que sua irmã estava ali escondida, puxou aquele lençol. E como ele desejou nunca, simplesmente nunca, ter feito aquilo.

Os olhos azuis subitamente congelaram ao se encontrarem com o par idêntico aos dele. Suas feições perderam a cor imediatamente ao ver a cabeça de sua irmã separada de seu corpo, completamente amolecido ao lado dos longos fios negros que se acumulavam.

AAneuesasama...

O suor frio desceu por seu rosto e a fraqueza tomou conta de si quando os joelhos foram ao chão. Aquele sabor ácido foi atravessando sua garganta, impossível de conter por mais que levasse as mãos até seus lábios para impedir aquilo.

— Hakuryuu-oniisan!

Aladdin correu até o jovem, preocupado com a reação repentina daquele cujas lágrimas caíam sem parar enquanto expelia o que havia em seu estômago.

— Acalme-se, por favor! - o magi tocava em seu ombro.

Ja’far, por sua vez, permaneceu impassivo. Suspirou sentindo a culpa pesada que caía de uma só vez sobre seus ombros. Como enfraquecera… Em seus tempos de assassino não se comovia assim.

— Q-quem… quem fez isso? - Hakuryuu ofegava tentando recuperar o fôlego. - Aladdin! - ele agarrou as vestes do garoto. - QUEM FEZ ISSO COM MINHA IRMÃ?! - vociferou.

Aladdin nada disse. Desviou o olhar, evitando tanto o imperador quanto Ja’far, mas esse deu um passo a frente, os braços cruzados escondidos nas longas mangas de tons pastéis.

— Fui eu que a matei, Hakuryuu-kun!

— O QUE?!

Hakuryuu estava completamente atordoado. Como isso era possível? Sua irmã, aquela que sempre o protegeu, quem ele também sempre protegeu, estava morta. Melhor, ela havia sido assassinada e… por Ja’far? Era ridículo acreditar naquilo!

— Eu… - o alvo quase sussurrava. - Eu matei Ren Hakuei. E… eu não sei como pedir desculpas e eu entendo se quiser me levar como prisioneiro de seu país, Imperador Hakuryuu - ele voltou a falar formalmente. - Mas, por favor, não faça nada a Sindria! Sin, os generais, nosso povo, eles não têm nada a ver com a atitude extrema que tomei!

— Você não seria capaz de matá-la, Ja’far-dono… - Hakuryuu soluçava. - Por que mente assim?

— Não é mentira, Hakuryuu-oniisan. - Aladdin tentou ajudar o posicionamento de Ja’far.  - Mas tem coisas que o Ja’far-san não está contando… Ele fez isso porque, na verdade, quem estava aqui não era a sua irmã. A Hakuei-oneesan era só um corpo que a Arba usava agora. Provavelmente ela não queria encontrá-lo depois que matou sua mãe justamente temendo que pudesse desconfiar.

— Não… NÃO, NÃO! - o jovem balançou a cabeça negativamente. - EU matei a Arba, aquela mulher asquerosa! - ele se levantou extremamente furioso. - Eu carreguei o peso da morte da minha mãe pra proteger a minha irmã! Eu fiz tudo aquilo PELA MINHA IRMÃ! - Hakuryuu exclamou.

— Eu… eu sinto muito, Hakuryuu-oniisan… - Aladdin abaixou a cabeça. - Mas não odeie o Ja’far-san… Ela havia tentado o matar antes e… enfeitiçou o Sinbad-ojiisan também. - prosseguiu. - A Arba tentou matar o Ja’far-san mais uma vez e feriu gravemente o Sinbad-ojiisan

— Não é possível… - Hakuryuu não conseguia aceitar. - Eu… eu pensava que minha irmã estava feliz aqui… que ia voltar a me ver como seu irmão… me perdoar pelo que fiz a nossa mãe…

— Me perdoe.

Hakuryuu ergueu os olhos para encontrar um envergonhado Ja’far que se curvava disposto a aceitar qualquer punição que o imperador exigisse. Estava pronto a assumir o peso daquela morte desde que decidira dar um fim à farsa de Arba.

— Eu… não tenho do que lhe perdoar. - Hakuryuu respondeu de forma seca.

Ja’far piscou desentendido ao ver o jovem se levantar e voltar a fitar o corpo decapitado.

— Você… tentou consertar o meu erro. - o imperador prosseguiu. - Eu fui incompetente em matar a Arba… Sendo assim matei minha mãe e minha irmã, por não ter conseguido, de fato, eliminá-la e, no final, não valeu de nada. - concluiu suspirando ao se aproximar do rosto cujos olhos sem vida lhe encaravam. - Me perdoe, aneue-sama. - ele disse, como em uma despedida, permitindo-se fechar os olhos daquela mulher. - Adeus.

Ja’far evitou encarar aquela cena. Não podia deixar de se sentir culpado, por mais que Hakuryuu tivesse lhe absolvido. Seu sofrimento era palpável e Aladdin, ao notar aquilo, tocou o braço do jovem imperador.

— Acho que é melhor ir descansar, não é, Hakuryuu-oniisan? - propôs.

— Não. - Hakuryuu respondeu seriamente. - Eu voltarei a Kou imediatamente para… garantir ao menos um funeral digno para a minha irmã. - ele tentava secar as lágrimas, voltando-se a Ja’far. - Ja’far-san… muito obrigado por ter se preocupado comigo.

— Anh? - o alvo piscou.

— Esteve em Kou. Vi que estava com seu braço machucado e, nitidamente, fragilizado. Não fui perspicaz o suficiente para perceber que estava tendo problemas aqui com minha irmã, melhor, a Arba. Resignou-se com um problema que pertencia apenas a mim para não me preocupar.

— Acho que já passou por coisas demais para ter que tolerar mais isso, Hakuryuu-kun… - Ja’far foi sincero.

— Não se preocupe e… muito obrigado. - o mais jovem se curvou. - Me perdoe por não visitar o Sinbad-dono, mas estimo que melhore logo! Por favor, me mantenha informado sobre a saúde dele.

O alvo apenas balançou a cabeça positivamente. Não era como se, com a aceitação de Hakuryuu e sua piedade que pudesse se sentir melhor. Havia matado friamente uma pessoa e isso era algo que não conseguia esquecer.

Despediram-se brevemente. E apesar de nitidamente abalado, Hakuryuu não demonstrou nenhum ressentimento sequer, tratando Ja’far com o mesmo afeto de sempre. Logo ele estaria em Kou levando o corpo da primeira princesa daquele país.

Esperou que as carruagens que conduziriam o imperador até o porto partissem e ali ficou, nos portões do palácio, encarando a escuridão de um céu que não tinha sequer uma estrela a brilhar.

Cerrou os olhos, os braços cruzados na altura do peito. Tentava buscar algo que havia perdido há tanto. Será que era possível recuperar? Paz…

— Está uma noite fria, Ja’far.

A voz grossa chamou sua atenção.

Abriu os olhos e fitou o homem robusto que se aproximava com um sorriso tenro.

— Não vai ficar com o Sinbad? Quando ele acordar, aposto que a primeira coisa que irá perguntar é onde você está.

— Hinahoho-san… - Ja’far chamou. - eu… estou pensando em viajar.

— Viajar? - o mais velho dos generais cruzou os braços.

— Sim… Eu… vi que todos puderam realizar meu trabalho enquanto estive fora, então eu acho que… posso deixar tudo nas mãos de vocês!

— O Sinbad planeja fazer você tirar férias há anos! Poderiam sair assim que ele se recuperar!

— Não. - Ja’far o interrompeu balançando a cabeça antes de encará-lo. - Eu planejo partir… para sempre.

 


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Notas finais do capítulo

Fazer esse capítulo foi um tanto quanto difícil! A reação do Hakuryuu era algo que eu queria ter trabalhado bem, espero ter conseguido passar a situação como eu imaginei - hahaha!

Acho que muitos esperavam uma atitude mais "insana" do Hakuryuu quanto a morte da Hakuei, mas preferi tomar o posicionamento dele como: "eu queria que minha irmã aceitasse que matei minha mãe POR NECESSIDADE, então eu aceito que o ja'far também mate minha irmã POR NECESSIDADE."

Uma curiosidade, é que algumas pessoas me perguntaram em Escape o porquê do "aneue-sama" do Hakuryuu quanto a Hakuei. Vocês sabem que eu amo honoríficos e o Hakuryuu não trata a Hakuei como "onee-san" e sim como aneue, que é uma maneira mais 'arcaica/formal' de falar irmã. Como mãe vira hahaue ao invés de okaasan.

Mas e agora nossa rainha inventando história! Será que é possível ter MAIS TRETA ainda? Muito obrigada por lerem e comentarem, pessoal! *__*



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