Deixei meu olhar percorrer todo aquele lugar. Fisicamente, não havia muito que se dizer. Árvores secas de troncos grossos e escuros eram envoltas por névoa dificultando a visão. Qualquer um que se aventurar por ali pode acabar morto, era fácil se perder. Mas para mim não.

Eu já sabia bem para onde ir. Seguia em frente desviando dos pedregulhos e troncos caídos deixando a intuição me guiar.

E em meio à quase visibilidade zero a névoa se tornou menos densa à medida que me aproximava do meu destino.

Já era possível ver o símbolo de guerra do antigo reino a muito esquecido. Duas espadas cruzadas na diagonal formando um x e no meio dele o rosto conhecido de um tigre gigante extinto pouco depois da decadência do reino dos rostos listrados, em homenagem ao animal símbolo de força, beleza e poder.

Os destroços espalhados não eram surpresa para mim. Eu os vejo o tempo todo. Sempre venho aqui quando posso. Basicamente é preciso atravessar a floresta pra chegar, mas existem atalhos seguros. A floresta dos cantos é conhecida como ceifeira dos perdidos, pois tem a fama de levar a alma de todo aquele que adentra suas fronteiras. É evitada pelas pessoas por uma boa razão. Os níveis de magnetismo confundem as bússolas. Não há nada vivo lá e o silêncio perturba a mente dos intitulados "corajosos". Nunca se deve passar pelo meio.

No entanto, atravessar aquele pesadelo não é, nem de longe, o fim. Antes de chegar às construções destruídas do velho reino é preciso atravessar o lago das lágrimas. Foi chamado assim porque, segundo a lenda, foi criado através das lágrimas dos cidadãos antes de perder a vida durante a invasão do povo rival muito tempo atrás.

Não há como descrever a aura daquele lugar. Os aspectos físicos são claros. A névoa que esconde parcialmente a águas também se intercala às árvores e pedras. É sombrio.

No entanto, há algo mais lá. Uma energia negativa e a constante sensação de estar sendo observado. Como se alguém estivesse o olhando bem de perto, mas que não é possível ser visto ou tocado. Algo que sorri sarcasticamente da sua ousadia por estar ali, e que espera pacientemente por uma chance de te ver se afogar tentando atravessar as águas traiçoeiras.

Os poucos barulhos são o que dão jus ao nome da floresta. Os ventos atravessam os juncos brincando na superfície da água criando a chamada canção das sereias. Porém, independente de ser imaginativo ou não, se prestar atenção é possível ouvir os lamentosos gemidos das almas esquecidas por entre as pedras e galhos.

Imagino que há essa hora já enteja curioso pra saber o que faço aqui. Afinal, o que poderia haver de tão atrativo em um lugar como este?

Bem, digamos apenas que o ofício do meu pai foi herdado. Dentro do castelo, no quarto das serviçais, uma pessoa me esperava. Seus olhos marejados evidenciavam o medo que sentia sem poder gritar por causa da fita na boca. Ela já sabia o que iria acontecer. Os corpos de seus companheiros estavam cuidadosamente colocados ao lado da cama onde ela se encontrava amarrada.

Remexeu-se em um esforço tentando se soltar enquanto eu deixava que o machado falasse por mim.

Seus últimos sussurros eram abafados pelo sangue na garganta que escorria pela boca.

Segurei seu corpo já sem vida e o deixei descansar ao lado dos outros.

E antes de sair do quarto, dei um último olhar para aquelas pessoas. Lacrei a porta e fui para o cômodo ao lado para prepará-lo. Logo pela manhã, sairia em busca dos novos pseudo corajosos. Aqueles jovens em busca de diversão inconsequente ou apenas de um lugar para pensar. Mas em sua grande maioria, aqueles que colocavam à prova a lenda da floresta dos cantos. A lenda de um ceifeiro dos perdidos. A lenda que começou com meu pai.