Marionete. escrita por Secret


Capítulo 3
Marionetes quebradas e coisas açucaradas.


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo!
A música é essa:

https://www.youtube.com/watch?v=G9JPFpM0yaQ

A tradução literal de "Pumpkin Spice Dummy" seria algo como "Marionete de Tempero de Abóbora". Não consegui adaptar a história, então modifiquei completamente o título para "marionetes quebradas e coisas açucaradas".

Me atrasei bastante com esse. O plano original era postar dia 25/11.
Desculpe. Me responsabilizo. Minha vida não está exatamente calma no momento!
Espero que o tamanho compense a demora!
E que não seja muito cansativo. Eu extrapolei um pouco na hora de escrever!

Sem mais "blá blá blá", o capítulo:



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/659006/chapter/3

Ezekiel corria o mais rápido que podia através da rua estreita e sinuosa, fugindo sem rumo. Ele já corria há horas, mas não estava cansado. Uma marionete não se cansa. Já havia se passado cinco meses desde que Oliver o sequestrou e o transformou numa espécie de fantoche. Ele se lembrava bem da sensação horrível de ter seu corpo decomposto enquanto estava, tecnicamente, vivo. Agora sua pele e articulações eram de madeira, seus cabelos de algum material sintético e suas feições haviam sido esculpidas.

Após alguns minutos ele decidiu parar próximo a um lago para decidir o que fazer. Já devia estar longe o bastante para que Oliver não o encontrasse, certo? Seus pensamentos foram cortados quando viu seu reflexo nas águas. Zek nunca se acostumava com aquilo. Ele sabia que era tudo falso. A pele, o cabelo, os traços... Tudo foi feito por Oliver, reconstruído. Então por que parecia tão real? Ele levou os dedos ao rosto e sentiu cada feição e detalhe. Seu rosto era idêntico ao original, cada detalhe copiado perfeitamente. Mas ele ainda sentia que algo estava errado.

— O que estou fazendo? — Ezekiel murmurou para si mesmo. — Não tenho tempo para me preocupar com aparência. Preciso de um lugar para me esconder! Pense, Ezekiel, para onde você pode ir? — Perguntou em voz alta.

— Falando sozinho? Isso me lembra de alguém. — Uma voz feminina e irônica comentou. O garoto se virou bruscamente e quase caiu na água.

Apoiada numa rocha com a cauda balançando preguiçosamente na água estava a sereia. Ela sorria para Zek, mas não um sorriso amigável.

— Qual é o problema, garoto? — Ela prosseguiu. — Até parece que estava fazendo algo errado. — Zombou.

— Ah... É só que... — Ele tentou inventar uma desculpa.

— Eu adoraria ficar aqui vendo você tropeçando nas palavras. — Ela riu. — Mas você sabe que preciso te devolver para o Oliver. — O sorriso sumiu quase instantaneamente e uma expressão séria tomou seu lugar.

— O quê? Não! — O garoto levantou-se e estava pronto para voltar a correr quando ela o interrompeu:

— Fuja. Vá em frente. — Disse em tom preguiçoso. — Eu não ligo. Você pode correr o quanto quiser, mas não vai conseguir escapar. Cada criatura aqui sabe que, se te encontrar, deve te devolver imediatamente para “seu mestre”. — Fez aspas com os dedos. — Oliver deixou isso bem claro e, acredite, ninguém aqui seria louco o bastante para desobedecê-lo.

Ezekiel suspirou desanimado e fez menção de correr, mas algo o incomodou:

— Você vai apenas me deixar fugir? — A sereia assentiu manhosamente. — Mas se você me deixar fugir estará desobedecendo, não? — Perguntou confuso, mas não ouviu a resposta; pois foi jogado no chão abruptamente por alguém e imobilizado.

— Ora, pivete, nunca te disseram para não cair no papo das sereias? — Uma voz masculina e grave caçoou. Zek olhou para cima e viu o lobisomem prendendo-o contra o chão.

— Não leve para o lado pessoal. — A sereia comentou. — Apenas seguimos as regras. Acredite, nós não te queríamos aqui. Mas, se está aqui, temos que mantê-lo. — Deu de ombros. — Chamei o lobisomem assim que te vi. Depois foi apenas te enrolar até que ele chegasse.

O garoto suspirou frustrado. Como não se tocou antes? Foi tão estúpido! O lobisomem o jogou nas costas e começou a andar em direção à mansão das marionetes. Durante o percurso, Ezekiel recordava o dia em que Oliver o apresentou para todos os seus “amigos”:

“— Atenção, atenção! — Oliver gritou. Seu salão estava cheio, ele havia chamado os mais diversos seres daquele mundo para visitá-lo. E deixou bem claro que era um convite irrecusável. — Eu tenho um anúncio a fazer!

— Diga logo, idiota. — O lobisomem rosnou. — O que quer? Não é sobre seu fantoche idiota de Halloween, é? Não foi culpa nossa! E isso foi há dois meses!

— Bem, sim, é sobre isso que eu quero falar. — O loiro sorriu e pôs a mão no ombro do colega, retirando-a antes que fosse mordida. — Lembram-se dos coleguinhas humanos que arrumaram?

— Sim. — A sereia concordou frustrada por ter que sair do lago para falar de um assunto tão estúpido. — Nos chamou só por isso? Não é nossa culpa se seu precioso fantoche foi degolado! Não pode nos culpar! — Ela tentou dar um passo a frente, mas tropeçou e teve que se apoiar. Ela odiava trocar a cauda por pernas. Era tão esquisito.

— Ah, não, tolinha. Não é sobre isso que eu quero falar. Ninguém aqui será punido. — A maioria dos seres ali presentes ficou aliviada com essa frase. — Apenas quero apresentar minha mais nova marionete.

— O quê? Chamou todos apenas para isso? — O lobisomem exclamou, mas, ao lembrar que não podia atacar Oliver, apenas se resignou. — Tudo bem, mostre logo para que possamos ir embora.

— Ótimo!— O outro comemorou e estalou os dedos. — Tragam Ezekiel para cá. Agora. — Ordenou a seus manequins.

Em questão de segundos, o garoto foi levado à força até o salão. Ele se debatia e tentava atingir as marionetes, mas em vão. Assim que viu os convidados de Oliver, ficou estático.

— Muito bem, pessoal, esse é o Ezekiel. — Ele chegou mais perto do garoto e o puxou para o meio da multidão. — Minha mais nova marionete.

— Espere, ele não é...? — Um dos seres começou a falar, mas, assim que Oliver o encarou, ele se calou.

— Humano? — O mestre das marionetes se aproximou lentamente de seu convidado. — Era isso que ia dizer, não era? — Sorriu. O outro assentiu debilmente e fechou os olhos, já esperando pelo pior; mas Oliver apenas riu e voltou para perto de Zek antes de continuar seu discurso:

— Sim, está certo. Ele era humano. Eu o peguei durante o passeio de Halloween e o trouxe para cá. Agora ele é meu. — Admitiu. — Alguém tem algum problema com isso? — Seu sorriso morreu e ele olhou seriamente para seus convidados. A maioria negou e olhou para o chão em submissão, mas o lobisomem se exaltou:

— Sim! Há um problema! Isso é completamente contra as regras! — Rosnou. — Você não tinha o direito de fazer isso!

— Por que eu sabia que diria algo assim? — Oliver suspirou. — Bem, concordo, eu quebrei completamente essa regra. Mas foi só dessa vez, eu juro! — Brincou.

— Para de falar como se fosse brincadeira! Isso é sério! Você trouxe um ser humano aqui! Um ser humano! Não podemos mantê-lo aqui.

— Errado. — Ele sorriu presunçoso. — Pensei em tudo. Não se preocupe tanto, Senhor Lobisomem. Sim, eu trouxe um ser humano aqui. Mas ele não é mais humano. Não tem mais carne ou sangue. Todo o corpo dele foi feito por mim, ele é imortal. Resumindo, agora ele é uma das minhas marionetes. E, sendo assim, não podemos devolvê-lo, podemos?

— Certo. — O outro rosnou. — Se já tem tudo sob controle, por que nos chamou? Não é como se pudéssemos fazer algo além de aceitar isso.

— Oh, apenas quero dar um aviso. — Oliver sorriu amável. — Se vocês avistarem Ezekiel andando por aí, façam a gentileza de devolvê-lo, sim?

— Já está preocupado com sua própria marionete fugindo? Uau, ninguém gosta de você mesmo! — A sereia zombou.

— E, se eu descobrir que algum de vocês o deixou fugir de mim, a punição será a mais cruel, lenta e dolorosa possível. — Ele concluiu, ainda sorrindo docemente. — Entenderam?Agora podem ir.

Todos os convidados concordaram rapidamente, preocupados com sua segurança, e saíram apressados daquela mansão.”

Lembrando-se desse dia, Ezekiel não pôde deixar de sorrir. Não um sorriso alegre, mas um sorriso irônico. Naquela época ele mal sabia o que o esperava. Ele lembrava também como todos pareciam temer Oliver, com exceção, talvez, do lobisomem. De certa forma, achava isso engraçado; ao contrário do que temia no início, o loiro nunca tentou machucá-lo realmente.

— Chegamos, pivete. — O lobisomem anunciou e o jogou no chão sem gentileza.

Ezekiel levantou-se e olhou para a mansão. Ele voltou ao ponto de partida. Frustrante. A sua frente estava Oliver, tomando um gole de algo estranho e comendo uma torta laranja. Ele andava lentamente de um lado para o outro e observava a rua tortuosa, quase como se imaginasse qual caminho Zek tomou quando fugiu.

— Estava procurando isso? — O lobisomem sorriu sarcástico.

— Na verdade, sim. Agradeço. — O loiro sorriu inocentemente. — Gostaria de entrar para comer algo? Essa noite, temos cheesecake de caramelo recheado com amendoins explosivos! Uma delícia!

— Não.— Ele foi direto. — Divirta-se com seu brinquedinho fujão. — Ao dizer isso, ele foi embora.

Oliver se despediu, agarrou a mão de Zek e o arrastou para dentro, trancando a porta logo em seguida.

— Sabe, eu andei por boa parte das ruas procurando por você. — O aperto de sua mão aumentou. — Não é muito educado fugir da única pessoa que não te quer morto nesse mundo. — Completou.

Ezekiel ficou surpreso com essa frase. Ele queria saber mais sobre isso, mas não perguntaria; ele detestava conversar com Oliver, pois sabia que isso era exatamente o que o loiro queria.

— Sério? Vai continuar com o voto de silêncio? — Oliver parecia desapontado. — Tudo bem, vou contar mesmo assim. Quando um humano, por ventura, vem parar aqui, a primeira reação de quase todos os seres é matá-lo. Alguns pela carne deliciosa, mas a maioria pela simples diversão. Você pode até não ser exatamente humano, mas matá-lo ainda é uma espécie de princípio entre os seres daqui, questão de honra. Podemos dizer que a maioria apenas te tolera por medo.

Zek não sabia ao certo como devia se sentir com essa informação. Oliver disse que outros humanos já foram mortos e devorados como se não fosse nada! Ele era, ao mesmo tempo, aquele que o matou e o que o mantinha vivo naquele lugar! Quando percebeu, Oliver o havia levado para uma sala vazia.

— Deite-se. — Oliver ordenou.

— O quê? — Ezekiel reagiu, esquecendo-se de sua ideia de permanecer calado.

— Você ouviu. — O outro sorriu e o empurrou. — Fique no chão, sim? Não precisamos complicar isso. Será pior para você.

O garoto ficou parado, ainda tentando entender o que acontecia ali. Ele estava encrencado, não estava? Logo Oliver voltou com uma tesoura gigante e dois garfos, também enormes. Antes que Zek tivesse tempo de pensar, ele fincou a tesoura no chão, prendendo os pés do garoto entre as lâminas. Fez o mesmo com os garfos para imobilizar os braços de Ezekiel.

— Considere que está de castigo pela fuga. — O loiro explicou. — Vai ficar preso aí para pensar no que fez. Não tente sair, eu volto logo. — E, com essa frase, o mestre das marionetes saiu da sala, deixando o garoto sozinho.

Quando teve certeza de que Oliver estava longe, Ezekiel começou a se contorcer para tentar escapar daquele “castigo”. Logo soltou um gemido de dor, a lâmina da tesoura cortou sua perna. Provavelmente foi profundo, pois Zek não sentia dor com arranhões superficiais. Na verdade, ele não sentia quase nada na superfície de sua nova “pele”.

Ele ignorou a dor e continuou tentando se libertar. Estava quase conseguindo quando Oliver voltou:

— Que coisa feia. — Sorriu malicioso. — Eu não gosto de marionetes desobedientes. Só por isso devia te deixar sangrando aí. — Comentou enquanto tocava o corte na perna de Zek, lambendo os dedos logo em seguida. — Delicioso.

Sangue. Ezekiel se lembrava de quando seu corpo ficou sem sangue. Foi logo na primeira noite com Oliver, quando foi sequestrado. Ao transformá-lo em marionete, Oliver substituiu seu sangue por algum xarope muito doce, melado ou algo assim. O garoto não lembrava ao certo. Ele só recordava a sensação estranha de ter, literalmente, açúcar correndo nas veias. Ele demorou a se acostumar.

— Você devaneia demais. — Constatou Oliver enquanto examinava o estado de sua marionete. — Em que pensa? Sua vida humana? Sua vida comigo? Sua próxima tentativa de fuga? — Ele foi ignorado. — Que chato. Quando te transformei em marionete, pensei que finalmente teria alguém para conversar. — Desabafou.

— Apenas me deixe em paz. — O garoto foi direto.

— Não é uma conversa, mas já é um começo! — Sorriu. — Então, tudo que você quer é que eu deixe você descansar em paz? Ora, isso não é fácil? — Foi, claramente, uma pergunta retórica. — Mas e depois?

— Depois o quê? — Ezekiel já havia desistido de seu voto de silêncio. Apenas não valia a pena. E, se ele continuasse sem contato com ninguém, acabaria enlouquecendo! Já estava até falando sozinho! Quase como Oliver, ele pensava amargamente.

— Nossa, que evolução. — O loiro comentou. — Mais de duas palavras num único dia. Bem, digamos que eu te deixe em paz. O que você faria? Vagaria na floresta rodeado por criaturas que te detestam? Se trancaria num quarto da casa para sempre? Esperaria o próximo Halloween para voltar para casa e, depois de um tempo, lembrar que não é mais humano? Aceite, o mundo humano não é mais lugar para você. Você é um “monstro” como eu.

Ao dizer isso, Oliver tocou levemente seu próprio rosto. De madeira. Ele também era uma marionete viva. Ezekiel lembrava bem de quando descobriu isso, alguns dias depois de ser levado àquela mansão, a pele branca de seu “anfitrião”apenas começou a descascar e se soltar. Oliver a arrancou rapidamente e revelou sua verdadeira face, pele de madeira e feições perfeitamente esculpidas. “O que foi? Nunca viu uma marionete? Espero que tenha gostado, pois ficará assim também.” Foi o que ele disse quando Zek o observou assombrado.

— Uma moeda pelos seus pensamentos. — Brincou Oliver. — Você bem que podia viver um pouco o presente. Eu perguntei como conseguiu se arranhar tanto em tão pouco tempo. — Repetiu enquanto tocava o rosto de Zek.

— Não senti.

— Claro que não. — Ele revirou os olhos. — E quanto ao corte na sua perna? Sentiu?

Ezekiel hesitou. Uma coisa que ele aprendeu com todo esse tempo de convivência é que Oliver era muito... Instável. Seu humor oscilava muito subitamente. E Zek não queria irritar Oliver, afinal, estavam tendo uma conversa até que boa. Ao menos, sem ameaças veladas.

— Vou considerar isso um “sim”. — O loiro concluiu. — Bem, não se acanhe; foi por isso mesmo que eu reconectei seus nervos. Ao menos, o que sobrou deles. Imaginei que a dor o faria tentar... Não se ferir? Mas acho que me enganei. Você não tem instinto de autopreservação, tem? — Ao dizer isso, ele cutucou o corte profundamente, fazendo o garoto gemer de dor.

— Para com isso. — Ele pediu. Oliver o encarou impaciente e enterrou os dedos ainda mais na ferida. — Por favor? — Zek praticamente implorou. Oliver sorriu satisfeito e parou a provocação.

— Viu como é fácil ser educado? Agora vamos dar um jeito em você. — Ele pegou uma maleta com materiais estranhos e começou a consertar Ezekiel, usando uma substância esquisita para fechar os cortes. Assim que ela secou, ficou indissociável da madeira.

— Eu usei a madeira mais leve e maleável desse mundo para fazer sua pele. — Oliver Comentou. — Achei que, assim, ela ficaria mais parecida com a original. Além de permitir expressões faciais e movimentação fácil. Mas, caso continue se quebrando, eu vou acabar precisando substituí-la por uma mais resistente e menos flexível. Não seria agradável para você.

— Apenas vá embora e me deixe em paz. — Suspirou.

— Não entendo porque não gosta de mim. — Oliver sorriu triste. — Eu já tentei ser mais parecido com você. Já fiz de tudo para agradá-lo. Você bem que podia fazer alguma coisa também. Já desisti de muitas coisas, de toda a minha ganância e cobiça, apenas por você. Mas acho que você não se importa, estou certo?

O garoto se manteve quieto. Ele não sabia o que responder. Seu primeiro pensamento foi que odiava o outro e, portanto, não dava à mínima; mas, pensando nisso agora, parecia apenas um discurso ensaiado, falso. O que ele sentia por Oliver? Zek detestava não saber o que fazer, odiava ficar tão vulnerável, e decidiu descontar esse ódio:

— Eu odeio você. — Disse ríspido. — Me deixe em paz! Você é apenas uma marionete estúpida, como eu poderia gostar de você?

— Tenho que acabar de fazer os reparos. Depois te deixo. — Oliver parecia realmente triste. — Sinto muito. Sem truques, doces ou travessuras, eu juro. Peço desculpas de verdade, e eu acho que sabe que é verdade.

Ezekiel se sentiu um pouco culpado, nunca viu Oliver falar tão diretamente. Mas a culpa logo foi superada por raiva. Ele não sabia o motivo, mas, de repente, não suportava mais sequer olhar para o outro.

— Esqueça isso! Apenas vá embora!

— Descanse em paz. — Ele declarou após pensar um pouco, então apenas saiu e fechou a porta.

Zek ficou completamente sozinho.

Alguns dias depois Oliver retornou com um sorriso e uma bandeja de doces.

— Bom dia. — Cantarolou. — Eu trouxe comida!

O garoto apenas grunhiu em resposta. Ele realmente não estava de bom humor para aguentar mais monólogos de Oliver.

— Vá embora! — Praticamente rosnou. — Eu ainda te odeio. Marionete idiota.

— Eu sou uma marionete, e qual é o problema? O que isso faz a você? Afinal, você também é! — Ante o silêncio, ele continuou. — É sério, diga-me qual é o problema. Eu só... Não sei o que fazer! — Admitiu. O sorriso sumindo de seu rosto. — Além do mais, você não me odeia. Até quando continuará com essa mentira? Já é hora de parar com esse jogo e seguir em frente!

— Jogo? Isso é tudo um jogo para você, não é? Eu sou só mais um boneco estúpido para você se divertir! — Explodiu, abrindo a boca para continuar os protestos; porém, assim que o fez, vermes saíram de sua boca. Ele gritou.

Oliver apenas ignorou o garoto e o forçou a comer doces, bolos e cerejas.

— É isso que acontece quando você não me deixa te consertar. Vermes gostam de coisas doces, e sob sua pele há muito disso. Eles devem ter rastejado por dentro de você até agora. — Disse como se fosse algo trivial. — Sente-se melhor? — Perguntou após alguns minutos.

— Por que fez isso? — Zek ainda estava chocado. E um pouco assustado,mas não admitiria.

— Achei que comer algo doce te acalma-se. Não come há dias. Não que isso seja ruim, marionetes geralmente não precisam comer. Mas você perdeu muito... Sangue, diremos assim, na sua fuga inútil. — Provocou. — Achei melhor repor o açúcar. Melhor agora? Além do mais, assim que seu corpo voltar a funcionar direito deve expulsar qualquer coisa que entrou aí. E Você não é muito amável com fome.

— Eu sou só um brinquedo para você, não sou? — Repetiu. Agora mais triste que irritado. Ele não fazia ideia do que estava acontecendo com sua vida, ou com seu corpo, para falar a verdade.

— Claro que não. Você é especial. — Sorriu.

— Mentira. Eu sou só mais uma das suas marionetes. — Provocou. Ezekiel não aceitava que Oliver realmente podia amá-lo. Ele não queria acreditar. Seria tão mais fácil apenas negar isso.

— Não acredita em mim? Tudo bem, então provarei. — Ao dizer isso estalou os dedos, chamando todas as suas marionetes vivas para o quarto.

Ele ordenou que elas se enfileirassem e, uma a uma, matou-as. Quebrou seus membros e as partiu em pedaços, deixando, pelo chão, pernas retorcidas, braços quebrados e cabeças de madeira decepadas.

— Agora você é minha única marionete. — Concluiu. — Especial o bastante?

Ezekiel observava aquilo em choque. Oliver simplesmente massacrou todos os manequins? Ele os matou por um capricho de Zek? Agora o garoto entendia por que os outros seres temiam tanto Oliver, ele podia ser bem frio quando queria.

— Ainda sem simpatia por mim? — Disse em tom de birra, como uma criança chateada. — Às vezes parece que você quer acabar com minha sanidade. Bem, isso é muito fácil! — Sorriu.

— Você... Matou todos? — O garoto ainda tentava assimilar aquilo.

— Não posso matar o que nunca esteve vivo. — Deu de ombros. — A principal diferença entre você e eles é que, diferente deles, você tem alma. Pode escolher, pensar, conversar, sentir, amar... Eles eram apenas animados com meus fios para se moverem com minhas ordens.

— Isso foi tão... — Zek tentava achar uma palavra adequada. — Cruel.

Oliver teve uma reação inesperada. Ele subitamente retirou tudo o que prendia Ezekiel e entregou-lhe a grande tesoura afiada que antes imobilizava suas pernas.

— Vingue-se. Vá em frente. Corte-me, solte meus intestinos, faça-me em pedaços. Afinal, você me odeia. Eu sou aquele que te trouxe para cá e te transformou nisso. — Ele tinha um brilho assustador nos olhos. — Você me quer longe, então me mate. Não que eu possa ir para o céu ou inferno... Mas você se livraria de mim.

Ezekiel ficou estático. Aquela era a última coisa que esperava! Ele odiava Oliver, certo? Agora era sua chance de acabar com tudo aquilo! De se vingar! Então... Por que ele não conseguia? Ele apenas... Não conseguia matar Oliver. Parecia errado.

— Então, agora que vimos que não me odeia tanto, podemos começar outro jogo? — Sorriu inocentemente.

— Você... O que...? Mas... Você é louco! — Zek concluiu, sem saber ao certo o que dizer.

— Somos todos loucos aqui. — O loiro deu de ombros. — Até você! Mas, se tudo o que quer é recuperar sua sanidade, isso também é muito fácil! — Exclamou.

— E como seria? — Perguntou incrédulo.

— Aceite.

— Aceitar o quê?!

— Você não vai voltar. — Explicou ríspido. — Agora essa é sua casa. Você é uma marionete imortal e eu sou a única pessoa com que vai conviver pelo resto da eternidade. Então, por que não se conforma e me aceita como seu companheiro? Nós já machucamos um ao outro o bastante. Nós dois já sofremos e sentimos dor; é um jogo sem vencedor, então devíamos apenas mudá-lo e tentar de novo. — Finalizou com um sorriso.

Ezekiel não sabia o que fazer. Isso acontecia com mais frequência do que ele gostaria quando se tratava de Oliver.

— Seu silêncio é perturbador. — Comentou casualmente. — Já passei noites e noites em claro pensando em como te fazer se abrir mais comigo. Caramelos, marshmallows, creme brùlée... Devorei milhares de doces para me manter alerta enquanto pensava. Açúcar é a melhor coisa já feita, não acha? — Antes que o outro pudesse responder, ele continuou. Oliver realmente mudava rápido de assunto. — Às vezes eu penso que você diz me odiar pelo meu próprio bem, porque o amor machuca. Mas não pode me perdoar e tentar me amar?

— Eu... Eu não sei. — O garoto admitiu. Ele estava perdido, sem nenhuma noção do que fazer.

— Bem, já é um começo. — O mestre das marionetes comemorou. — Bem melhor que um “vá embora, eu te odeio”. E, se você não consegue me perdoar por si mesmo, eu lutarei por isso. Mas você será meu, e gostará disso. — Sorriu predatoriamente.

— Por que isso é tão importante para você? — Indagou curioso Zek. Ele não entendia. Se Oliver podia apenas amarrá-lo ou obrigá-lo a ficar, por que tentava tanto ser... Amigável?

— Ah, meu pequeno querido e amado marionete, você é tão tolo. — Constatou Oliver. — Não consegue ver? Eu não te quero apenas como uma marionete, quero que seja meu amigo, companheiro, amante... Meu.

— O quê? Isso é impossível. Você é apenas um monstro, não pode amar!

—Claro, repita isso até se convencer. Palavras machucam, sabia? E eu sou um monstro tanto quanto você, não sou? Posso sentir tanto quanto você. Então a pergunta é: Você pode amar? — Ezekiel permaneceu calado, então ele continuou. Oliver não suportava o silêncio. — Sabe, você me tira a sanidade. Eu almejo por seu toque, seu sabor... Por você. Talvez eu seja o culpado por toda essa bagunça, talvez a responsabilidade seja toda minha... Mas, quer saber? Deixa para lá. Para uma marionete isso não pode ser verdade. — Completou misteriosamente. Ezekiel queria saber mais sobre isso, mas Oliver o cortou:

— Estou cansado dessa sala, você não? É deprimente ver todos os meus fantoches quebrados. Apesar de não me arrepender, você vale a pena. — Completou sorrindo. — O que acha de dar uma volta comigo lá fora?

— Sério? — A proposta parecia boa demais.

— Claro, apenas prometa que não vai fugir. Se você se comportar eu te levo para o mundo dos humanos no ano que vem no Dia das Bruxas. — Ofereceu. — Como eu disse, já é hora de superarmos isso. Acho que tenho que confiar um pouco mais em você, querido. — Completou com um sorriso zombeteiro e estendeu a mão para Ezekiel.

O garoto encarou aquela cena. Talvez Oliver estivesse certo, ele não poderia voltar; então por que não aceitar aquilo e dar uma chance àquele novo mundo? Não é como se Oliver fosse a pior pessoa do mundo para se estar preso. Ele, ao menos, tentava ser gentil e conquistar Zek.

— Tudo bem. — Ele sorriu de volta e segurou a mão de Oliver. — Eu prometo. Agora vamos.

Oliver sorria largamente, um sorriso quase grande demais para seu rosto. Ele guiou animadamente Ezekiel pelas ruas tortuosas. Era a primeira vez que passearia acompanhado. Em sua animação, ele aproximou seu rosto do garoto e fez menção de beijá-lo, mas desistiu antes.

— Ah, desculpe. Acho que fui rápido demais. — Sorriu sem graça.

— Tudo bem. — Ezekiel estava tão sem jeito quanto Oliver. Depois de alguns minutos num silêncio desconfortável, ele o chamou. — Ei, Oliver.

— O qu...

Antes que Oliver pudesse completar a frase, Ezekiel o beijou. Um beijo leve e casto, mas ainda um beijo.

Afinal, era hora de recomeçar, certo?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E fim.
Cansativo ou legal?
Foi legal escrever essa historinha. Espero que tenha agradado!
O link da história da Little Hobbit:

https://fanfiction.com.br/historia/659053/NoitedeHalloween/

Não sei por que, mas acho que me dei mal nesse desafio!
Ela posta pouco mais de 3000 palavras; eu, mais de 9000.
Bem, fazer o quê? Eu extrapolo!

Até mais!

E, quem quiser me desafiar para algo, estou sempre por aqui!

Bye!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Marionete." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.