Shikashi!! escrita por Uma Qualquer


Capítulo 17
Entrando numa fria maior ainda


Notas iniciais do capítulo

Sempre carregue uma sombrinha na bolsa.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/658967/chapter/17

"Eu te amo."
Mais simples pensar do que falar, hein?
Respirei fundo, e a dose extra de oxigênio fez meu cérebro funcionar melhor. – Preciso falar com você... Pessoalmente.
De onde saiu tanta coragem eu não sabia. Acho que era só o desespero falando mais alto.
— Está tudo bem? – ele indagou preocupado.
— Sim, tá tudo bem. Mas preciso falar com você.
A urgência em minha voz deve ter convencido ele. Expliquei aonde eu estava, desliguei o celular e sentei num banco na plataforma, vendo a neve que finalmente começava a cair.
Sentia um bloco de gelo se instalando no fundo do estômago. Meu Deus, o que eu tinha acabado de fazer? O que eu ia fazer quando ele chegasse, como eu ia explicar... O que eu ia dizer?
Lembrei de Rin, simplesmente sacudindo o Kaito pelos ombros e jogando a verdade na cara dele, mesmo que ele não ouvisse. Eu nunca poderia fazer aquilo, nunca. Os minutos se arrastavam, o tempo esfriava mais e mais. Alguns trens passaram e espiei a multidão que desembarcava, sentindo um misto de alívio e desespero ao não ver ninguém conhecido entre os passageiros.
Quando comecei a achar que estava de boas fingir que nada aconteceu e simplesmente voltar pra casa, mais um trem chegou na estação. Ao ver as três únicas pessoas que desceram, senti o coração parar.
Como eu fui burra.
— Miku-chan! – Gumi veio correndo até mim ansiosa. – O que houve? Você tá bem?
Gakupo e Luka estavam logo atrás dela, parecendo igualmente alarmados.
Como eu fui burra!
Óbvio que o Gakupo iria contar sobre minha ligação. O que deu em mim, achando que ele viria sozinho? E pra coroar a situação, a Luka também havia decidido tomar uma atitude naquela mesma noite.
Pelo jeito, ela tinha sido mais rápida.
— É que... Eu...
E agora? Que desculpa eu ia dar? Meu cérebro agora estava paralisado, nenhuma ideia vinha à cabeça. A Gumi descalçou uma das luvas e encostou a mão em meu rosto.
— Miku-chan, você está muito pálida – Luka murmurou preocupada. – Há quanto tempo está aqui fora?
— Eu...
— Miku-chan, você tá congelando – Gumi exclamou. – O que aconteceu?
'Me desculpa', era só o que me ocorria agora. Baixei a cabeça enquanto eles esperavam que eu falasse alguma coisa. Pra ganhar algum tempo, mergulhei a mão na bolsa entreaberta, procurando qualquer coisa que me ajudasse enquanto sentia o sangue gelar nas veias. Não era só o frio, eu sabia. Porque o frio não faria meus olhos arderem daquele jeito.
Senti a forma longa da sombrinha, a superfície lisa do celular. E então uma coisa mole e sem forma, que achei que fosse parte do fundo da bolsa, mas quando puxei pra fora descobri que era o lenço de Kaito. Tinha pensado em devolvê-lo, mas sempre esquecia.
— Miku-chan? – Gakupo chamou e eu ergui a cabeça.
Ele e Luka estavam tão próximos, pensei. Suas mãos estavam quase se encostando. Um novo trem havia acabado de parar, eles podiam aproveitar e ir embora nele... Eu não devia ter atrapalhado eles dois, eu nem devia estar ali, eu...
— Me desculpem– sussurrei, as lágrimas caindo antes que eu percebesse.
— Miku-chan – Gumi sentou ao meu lado e segurou minhas mãos nervosamente. – Miku-chan, o que houve?
— Nada, eu só... – engoli um soluço, e mais lágrimas vieram. Meu Deus, que cena deplorável! – Me desculpem... Eu só...
— Só atrasou um pouco a minha vida – uma voz conhecida falou perto de nós.
Ergui a cabeça, assustada, enquanto os outros se viravam. Kaito estava parado, me olhando indiferente, a ponta da echarpe azul balançando ao vento.
— Shion-kun – Luka exclamou. – O que aconteceu?
— Ela não me entregou meus cenários, foi o que aconteceu. – Ele veio em minha direção, os braços cruzados. – Eu estava esperando uma ligação sua, mas parece que você andou ocupada demais hoje.
Continuei olhando pra ele, sem entender. Do que ele estava falando afinal?
— Os cenários – ele insistiu meio impaciente. – Eu disse ontem que iria buscar em sua casa, lembra?
As memórias do dia anterior pareciam ter muito mais tempo agora, mas de alguma forma eu lembrava.
— Ah, sim– murmurei devagar.
— Eu fui à sua casa mais cedo, e sua mãe me informou que você estava em um compromisso. Pedi que ela lhe avisasse para me ligar assim que você chegasse, mas vi dar as dez da noite e nada da sua ligação. Então resolvi voltar à sua casa.
— Por que não ligou pra Miku-chan? – Gumi perguntou a ele.
— Eu liguei agora a pouco. Mas o número estava ocupado.
Meu Deus. Custa deixar um buraco perto de mim nessas horas, só pra eu poder enfiar a cara?
— E-era isso que eu queria dizer– ergui a cabeça para os três à minha frente. – Eu... Eu liguei pra casa de vocês por engano... Estava tão nervosa... Me desculpem, por favor, eu sinto muito...
As lágrimas voltaram aos olhos, mas algo parecia estar se soltando dentro delas. Não era mais desespero ou medo, era alívio. Só esperava que eles acreditassem que eu fosse tão idiota pra cometer um erro desses.
Felizmente a minha burrice não era subestimada pela Gumi.
— Você ainda vai sair de casa e esquecer de pôr a cabeça no pescoço, qualquer dia desses – ela me abraçou bem forte, me deixando quase sem ar.
— Fique tranquila, Miku-chan– Gakupo sorriu. – Ao menos sabemos que você está bem. Pensamos que algo grave tinha acontecido.
— E-eu sei, eu sinto muito...
Enxuguei as lágrimas e finalmente respirei fundo. É, as coisas podiam ter saído muto piores.
— Shion-kun, pode acompanhá-la até em casa? – Luka pediu ao Kaito. – Está muito tarde para ela ir sozinha.
— Claro, sensei – ele me olhou de canto. – Assim aproveito e finalmente pego meus cenários.
Depois de eu me desculpar mais umas cem vezes, me despedi do Gakupo, da Luka e da Gumi. Quando o trem sumiu na escuridão e nos vimos sozinhos, o Kaito voltou-se pra mim.
— Afinal – indagou– que diabos foi isso?
Funguei de leve e ergui um pouco o cachecol no pescoço. Estava frio, eu estava cansada e só queria um chá quentinho e a minha cama. Qualquer coisa era melhor do que dar explicações ao Kaito agora.
— Longa história– resmunguei.
— Bom, você pode me contar enquanto voltamos pra sua casa, não é?
Revirei os olhos. As coisas poderiam ter saído bem piores, Hatsune, lembre-se!
— Você veio de trem? – perguntei. – Não tô vendo o seu mordomo.
— É tarde e está muito frio, e ele já tinha me trazido mais cedo. Não quis incomodá-lo.
— Que gentil de sua parte.
— Quer me explicar o que está acontecendo?
— Não.
— Mas sabe que vai ter que me explicar.
— Está nevando Kaito-kun, você trouxe guarda-chuva?
Apontei para os flocos brancos caindo sobre a linha férrea. Ele olhou para o céu com um ar perdido, e depois voltou-se pra mim. Era óbvio que não tinha trazido.
— Você... Já andou sozinho de metrô antes, certo?
Kaito pareceu insultado pela pergunta, mas não me respondeu. Em vez disso consultou seu relógio de pulso.
— Está ficando tarde – comentou. – Talvez a neve pare de cair daqui a pouco e possamos ir sem problemas.
— Ah claro, espere a neve parar se quiser – eu tirei a sombrinha da bolsa. – Vou na frente.
— Sabia que você tinha algo assim aí dentro – ele sorriu satisfeito, apontando para minha bolsa.
— 'Sabia', como? – perguntei, armando a sombrinha.
— É que é uma bolsa grande.
— Uau. Já pensou em ser detetive?
Subimos os degraus para fora da estação e pegamos o caminho pra minha casa. A neve ainda estava fina e não incomodou muito, o que era ótimo, já que minha sombrinha era pequena e nenhum de nós dois estava disposto a ficar colado um no outro debaixo dela. Enquanto caminhávamos, resolvi contar tudo o que aconteceu e, consequentemente, explicar a encrenca da qual o Kaito havia me tirado.
— Achei que você estivesse com problemas – ele disse assombrado. – Mas não um desse tamanho. Como foi ligar para o Gakupo-san sem dar mais explicações? E por que você tinha que falar com ele, afinal?
— Não é óbvio? Eu queria me declarar pra ele, antes que ele reatasse com a Luka-san!
— Tá, mas por que você queria se declarar pra ele?
Suspirei muito fundo. – Estou devendo isso ao Len. Dei um conselho idiota a ele, ele foi mais idiota ainda em me ouvir e acabou quebrando o braço por isso. Agora eu tenho até o Natal pra me declarar, ou ele vai contar tudo pra Gumi-chan.
Ele pareceu chocado. – Mas... Isso é chantagem! Ele não pode fazer isso.
— Bom, ele já tá fazendo. Minhas opções são, contar primeiro pro Gakupo ou pra Gumi. Mas o meu azar é tão grande que, além deles dois, a Luka também veio...
Passei a mão no rosto, morta de vergonha só de pensar.
Kaito meneou a cabeça. – Sua vida é muito complicada.
— Nem me fala...
Andamos em silêncio por um tempo, eu pensando no meu próprio azar, quando o Kaito soltou um suspiro.
— Então, foi por isso que a Megurine-sensei terminou com o Kamui-san.
— Pois é– murmurei infeliz. – Ele tava sufocando ela com tanto amor...
— Mas a Gumi-chan tem razão, não é. O Kamui-san já deve ter pensado bem, depois de tanto tempo. Seria um bom momento pra eles se reconciliarem. Eles até que formam um bom casal, na verdade.
— Kaito-kun, eu já tô me sentindo um lixo o bastante, sem precisar você me jogar isso na cara.
— Sinto muito se não tem uma forma mais delicada de dizer isso – ele deu de ombros, indiferente. – Mas eu quero o bem da Megurine-sensei, e se ela é feliz com o Kamui-san...
— Tá, já entendi – resmunguei irritada. Aquele cara não sabia mesmo o que era sutileza. – Só... Cala a boca, tá.
Ele ficou calado, e continuei afundada em minha infelicidade até chegarmos em casa.
Uma mamãe muito curiosa de ver a filha acompanhada de um garoto tão tarde da noite convidou o Kaito pra entrar, mas ele agradeceu e me esperou na entrada de casa. Fui pegar a pasta com os cenários prontos e entreguei ao Kaito, um pouco constrangida. Realmente, não tinha sido profissional da minha parte sair de casa sem ao menos deixar os cenários com a mamãe pra ela entregar ao Kaito. Tinha esquecido completamente.
— Atrasei o seu serviço – lamentei. – Foi mal, não vai acontecer outra vez.
Ele folheou os cenários com ar de satisfação. – Tudo bem. Ao menos você terminou tudo, eu ainda estaria na metade se estivesse fazendo tudo sozinho.
Tirou um envelope de dentro do casaco e estendeu pra mim.
— Pedi ao meu editor para ver o quanto devia ser pago a uma assistente– disse. – Já que nunca tive nenhum.
— Nossa – assobiei ao contar as cédulas. – Isso é... Bem, isso é bem mais que a minha mesada, com certeza.
Havia acabado de lembrar de uma coisa. Hm, aquele dinheiro a mais viria bem a calhar agora...
— Isso é bom, não é? – Kaito me perguntou, o olhar franzido.
— Oh, sim – murmurei devagar. – É que o aniversário dos Kagamine vai ser daqui a alguns dias. Estive pensando em preparar alguma coisa pra eles, uma festa surpresa ou algo assim, com todo o pessoal reunido... O que você acha?
Kaito me olhou por um momento, parecendo meio confuso, e então sorriu de leve. – Tem certeza de que vai dar uma festa para o Kagamine que está te chantageando?
Eu não soube o que responder por um momento. Ele guardou a pasta por dentro do casaco e sorriu outra vez.
— Deve achar que eu sou a maior trouxa do mundo – resmunguei. – Não é?
— Não, – disse ele – na verdade não. Boa noite, Miku-chan.
Fiquei olhando ele ir embora, sem saber o que pensar. A neve tinha parado de cair, mas o frio ainda era arrasador, então corri pra dentro de casa.
Mais tarde, enrolada nos lençóis, conferi o celular e vi mensagens da Gumi perguntando se eu estava mesmo bem. Respondi que sim, sentindo o rosto formigar de vergonha, e joguei o celular de lado. Ainda pensei em resolver alguns exercícios da escola, mas não tive coragem nem de olhar pros cadernos.
Aquele dia tinha acabado com minhas forças.

 

 

Omake!

(Pouco antes da fatídica ligação da Miku...)
Luka e Gakupo se encaram. A tensão está no ar.
A Megurine tinha sido incentivada e aconselhada pela Gumi durante todo o caminho, mas não pensou que fosse ser tão difícil...
— O-Oi... – Gakupo murmurou, mal disfarçando o sorriso de alegria sincera em seu rosto. – É bom te ver.
— Hm – ela respirou fundo. – Vim te convidar pra... Visitar a minha casa com a Gumi-chan, qualquer dia desses. Não tive, hm, tempo de mostrar a vocês...
— Seria perfeito.
Luka sentiu a tensão se desfazer. Não tinha sido tão difícil, afinal.
— Vou fazer cupcakes – ela acrescentou, feliz.
O sorriso do Gakupo amarelou.



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

OLAR!!! Mais um capítulo se foi, e pelas minhas contas só faltam mais dois pra 'grande revelação', então reservem a pipoca e os lencinhos desde já ^^
A você que leu, meu domo arigatou ^^ Caso queira deixar uma review com sua opinião, dúvida ou sugestões de presentes de aniversário pros Kagamine (a festinha vai ser no próximo cap) fique à vontade! E se é a sua primeira vez nas reviews, não se acanhe nem se sinta obrigado a comentar todos os caps passados, só te ver aqui já vai fazer meu dia ♥ (lembrando que eu sempre respondo as reviews, mesmo demorando alguns dias ^^")
É isso, bando de linds ♥ Beijas e té maisinho :****