Camomila escrita por MsBrightside


Capítulo 1
Prólogo — O Chá.


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos!
Bom, aí está o capítulo. É uma introdução apenas, se apeguem aos detalhes, pessoal!
Me inspirei em uma música, em particular para escrever o capítulo, vou deixar o link.É Still, da banda Daughter. O banner também é uma cena do clipe de uma música da banda Monkauk. Daughter (https://www.youtube.com/watch?v=uUWrcFpmI5U).
Espero que gostem.
Capítulo betado por: Suicida (https://fanfiction.com.br/u/624091/)



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O CHÁ

Casamento.

Sempre soou bem para mim.

Uma música bem tocada, um chá bem quente em um dia frio. Bom, severo, leal. Um compromisso quase de sangue, mais importante que isso, um compromisso de coração. Eu o levaria para sempre, tenho certeza. Eu o amava, não existia nada maior que isso.

É claro que como todo acordo, nossa união apresentava algumas cláusulas, falhas.

Mas tudo isso são só detalhes, não é? ”



Pés no chão, frios como o céu. Direito ou esquerdo, não se sabe, os olhos de Fred estavam pesados demais para analisar alguma superstição. Rosa não estava ali, percebeu pelo espaço vazio na cama. Às vezes o assombrava a sensação que ela fugia. Suspira, levanta da cama, não se lembra de ter vivido desde a última vez que não percebeu que todos os seus dias estavam sendo iguais. Sem cor, pela sensação de que a dor quase sempre significar o amor.

Uma xícara de chá, camomila pela manhã e para acalmar o coração. Estava quase pronto para mais um dia de trabalho em sua clínica. Não houve sequer um dia que não estivesse, na verdade. Estava acostumado a ligar o piloto automático. Lavar os olhos para não dormir no meio do trânsito, procurar as chaves como se dependesse disso. Ouvi-la chegar pela manhã e ser surpreendido com um beijo na testa. Pelo menos a última parte era o que o mantinha são pelo resto do dia.

— Tenha um bom dia, meu amor! — Rosa acenou, enquanto fazia uma careta de dor. Ultimamente andava bem cansada e abatida.

Ele se despediu de uma maneira amorosa, como sempre. Como foi dito, estava tudo bem. Sempre esteve.

O trânsito no Rio de Janeiro naquele dia não estava dos piores, porém mesmo assim demorou um tempo para chegar até seu trabalho. Fred atuava como psicólogo em uma clínica particular que ficava na Lapa, um dos bairros nobres do Estado. Com alguns anos de serviço, conseguiu conquistar uma clientela e alguns clientes fiéis. Tudo estava indo de vento em polpa, como costumava pensar, mas isso de fato não o agradava muito. O aumento de sua procura significava proporcionalmente o aumento de pessoas com problemas psicológicos e parte deles era o fato de serem todos sozinhos, de não ter quem contar. Isso era bem triste, ele sabia.

Olhou em sua agenda o dia e observou que sua primeira cliente era Julia Garcia. Uma menina de quatorze anos que tinha problemas com autoestima e bipolaridade. Na verdade, ela só aplicava a si o que escutava, não tinha suas próprias opiniões, então se colocava para baixo pelo que ouvia. Ele tentava ajudá-la, mas o mais difícil era tentar fazê-la querer ser ajudada.


— Como você está hoje, Júlia? — perguntou.

Ela apenas balançou os ombros, indiferente.

— Alguma novidade que queira compartilhar comigo?

— Não.

Suspirou.

— Okay, eu preciso de algumas formas. Não quer ver isso aqui funcionar?

— Tanto faz.

— Você acha que tem algo de errado com o modo que vive?

— Achei que você fosse o psicólogo aqui.

— Você não me deixa ser. Precisa deixar eu entrar, Júlia. É o meu trabalho, mas eu não posso te forçar a nada. Quando se sentir confortável…

— Seria mais fácil se pudesse… Eu… Não sei o que eu quero. Deus, está tudo uma bagunça.

Sorriu de um jeito condescendente. Ele sabia do que ela estava falando.



***

— Por que você nunca tira esse anel do dedo, Tio Fred? — a pequena Clara perguntou, enquanto parecia se manter distraída com blocos de madeiras que eram usados para montar. Era um jeito que Fred havia escolhido para se manter perto da menina durante as consultas.

— É uma aliança de casamento. Compromisso. — Começou a explicar de uma maneira simples — que firmei com uma pessoa. Parecida com você.

— Você a ama? — perguntou, parecia interessada agora.

— Sim, muito. Ela é como você. — A menina então riu, continuou a brincar.

Depois de um dia de trabalho, não tão cheio, era hora de voltar para casa. Era cheio de vontade de voltar para os braços de sua amada e viver a noite que já estavam acostumados. Talvez algumas brigas, mas isso são detalhes, apenas, não acha? Bom, a verdade é que quando não estavam com suas línguas entrelaçadas, os dois pareciam estar em um ringue que somente um saía perdendo.

O que é estranho, já que o amor deveria parecer mútuo.

O que havia de errado em fingir que estava tudo bem? Será que era tão errado assim? Fred parecia não ligar, afinal qualquer coisa era melhor que discutir uma relação que, se encarasse bem, já não tinha mais solução.

Também não via nada de errado em viver uma equação mal resolvida.

Enquanto ele fosse ele e ela fosse ela, tudo seria assim, denso. A gravidade pesaria nas costas, mas ele conseguia aguentar, contanto que tivesse o beijo e o cheiro de Rosa para sempre. Existem coisas que nem o amor poderia resolver, mas eles não pareciam fazer parte desse grupo.

A chave girou na fechadura.

A porta se abriu.

Ela estava ali, parada. Parecia perdida, mas isso não era bem uma novidade. Um sorriso singelo se abriu ao vê-lo, cheio de expectativa. Ele retribuiu. Colocou sua maleta em cima da mesa de jantar ao passar por ela. Dirigiu-se a sua amada e a beijou na cabeça, depois no rosto, depois na boca. Era sempre seu destino favorito.

Duas bocas ansiando uma pelo calor da outra.

Um marido bom, que chegava em casa, beijava sua esposa de um jeito modesto e depois esperava a comida no jantar.

Uma esposa inteligente — de um jeito que não ofendesse seu marido —, que se arrumava, perfumada, estava sempre pronta para agradar.

Um marido desgastado, enjoado, que ainda assistia pornografia para se divertir.

Uma esposa enojada, chateada, que gritava socorro no seu sorriso dissimulado.

De um jeito torto ou errado, eles se completavam.

A noite caiu como uma luva, ele estava calmo. Ela ali, de lado, enquanto se perdia nos melhores sorrisos dos personagens das suas novelas favoritas. Rosa sonhava viver o suficiente para interpretar todos eles. Se fazem novelas da vida real, a coisa poderia ser o contrário.

Era como ela gostava de pensar.

Um beijo ou dois durante a alienação diária. Palavras sujas ao ouvido para incentivar e acender algo morto dentro deles, errado, os dois eram como um vulcão pronto para uma erupção. Por mais que a vida acontecesse, nada poderia mudar o fogo entre os dois. Por um momento, aquilo resolvia toda a dúvida se o amor de fato existia ali.

Tapas, arranhões, obscenidades, inconstâncias, momento, suspiros, ousadia, manipulação, dor, amor. Quando se cansa, ele deita de lado e finge dormir, ela o mesmo. Deixam algumas lágrimas escaparem. Ele já não conseguia olhá-la. Era incrível como Rosa mudava as vontades dele. Antes de dormir uma xícara, duas, até três de camomila para lhe garantir um bom descanso.

Antes de dormir, uma dose de agilidade e impureza, junto em uma mistura de liberdade. Se libertar.

Depois do chá, um sono pesado e sem culpa. Suas costas já estavam leves.

O sol bateu contra a janela, era hora de acordar.

Caminhou pelo chão frio mais uma vez, como era o normal, até o banheiro.

Banheira cheia, corpo morto, afogado em água e em suas próprias lamúrias.

Rosa estava morta e sem nenhuma perspectiva de mudança.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!