As Crônicas de Awenasa escrita por Sonata


Capítulo 2
Fahon


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, ai vai mais um capítulo da história. Peço imensas desculpas pela demora, mas eu estava em semana de provas :/
Boa leitura!! Me perdoem pelo atraso!



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Vindos do norte, os primeiros ventos do inverno começavam a assolar toda a paisagem. As últimas folhas das árvores começavam a rodopiar pelo ar e se juntarem às milhares de outras no chão, alaranjadas e amareladas, formando um imenso tapete dourado até onde a vista podia alcançar. O céu já começava a se tornar permanentemente nublado, dando um ar de serenidade a todo o reino.

– Os agricultores já estão colhendo os últimos grãos antes que o frio chegue – disse Miakoda Hei observando uma pequena fazenda à sua esquerda, fazendo o cavalo em que montava diminuir o trote. – Começaram mais cedo esse ano...

Mia – como impreterivelmente preferia ser chamada – era uma típica jovem de 17 anos do reino de Vesi Jorden: cabelos castanho-avermelhados, olhos extremamente azuis e levemente puxados. Embora tivesse uma aparência muito bonita, Mia era frequentemente motivo de chacota entre as outras garotas devido a sua altura acima do normal para a “média dos vesianos”. Mas ela nem ligava, simplesmente adorava ter seus 1,90 metros, que com certeza lhe era útil em muitas coisas como, por exemplo, exigir o respeito de pessoas chatas como as bonecas de porcelana – como preferia chamar as outras meninas.

– Há boatos que esse inverno vai ser particularmente mais rigoroso. Acho que podemos esperar um pouco de neve logo após o Dia de Dewin, daqui a algumas semanas – disse Dustin, posicionando seu cavalo ao lado do de Mia.

Dustin Aldrich era o tipo de garoto com 17 anos que deixava qualquer mulher sem fôlego. Seus olhos também eram azuis, mas eram seus cabelos que impressionavam: loiros, ondulados e sedosos, que emolduravam seu rosto angelical e caiam até os ombros. Tal aparência deixava óbvio que ele não tinha completa ascendência vesiana. Sua mãe, Helva Aldrich, havia nascido em Yerkir Jorden, o Reino Logo Após A Muralha – como era mais conhecido no sul – e lá havia passado grande parte de sua vida até que, numa viagem de negócios de seu pai à Byen Vedet – capital de Vesi Jorden – conhecera Mwan Aldrich, filho de um conhecido comerciante vesiano de tapeçarias finas, com quem iria se casar anos mais tarde. Como natural das pessoas desse reino, os yerkirs possuem olhos castanhos e cabelos extremamente loiros.

O corpo de Dustin também acompanhava os traços de perfeição de sua face: possuía braços musculosos e ombros largos, sem contar seu peitoral e abdômen bem definidos.

Mia achava sua beleza quase sobrenatural e acompanhara sua evolução durante os anos. Para olhos pouco atentos, seria comum pensar que os dois jovens eram irmãos de nascença, pois moravam juntos e dividiam praticamente tudo. Mas a verdade era que Mia havia sido criada pelos pais de Dustin desde quando tinha apenas sete anos, época em que era uma órfã vagando por Byen Vedet pedindo esmolas para sobreviver. Por mais que tentasse e se esforçasse, nunca havia conseguido recordar nada a respeito dos seus pais de sangue... Em sua mente, a primeira recordação era sua vida nas ruas, embora de vez em quando alguns sonhos bem perturbadores pareciam lhe conceder vislumbres de seu passado, mas sempre as cenas vinham na forma de “colcha de retalhos”, o que tornava impossível distinguir alguma coisa dali.

– Mia? Você está aqui?

A garota quase caiu de seu cavalo quando sua mente foi puxada de volta ao chão. Esses pensamentos sempre a faziam devanear.

– Não me assuste assim, senhor idiota... Da próxima vez eu te empurro do cavalo.

O rapaz riu com vontade.

– Duvido, absolutamente duvido. Se você tentasse, eu já teria te empurrado duas vezes.

– Isso é um desafio? – disse Mia, arqueando uma sobrancelha.

– Talvez...

Os dois riram juntos por um longo tempo, até que a paisagem repleta de fazendas e campos cultiváveis deu lugar a um amplo terreno aberto e ondulante, que se estendia aproximadamente um quilômetro à frente, onde encontrava as águas calmas de um imenso lago.

– O Vesi Encanten... – disse Dustin, com voz sonhadora. – Sempre que o vejo, o meu Loitsu arde em meu peito.

A garota colocou sua mão por dentro da capa e puxou de seu pescoço um lindo colar que tinha o formato de um recipiente oval feito de cristal, de tamanho menor que um dedo mindinho. Em seu interior havia um líquido incolor, que o preenchia até a metade. Conforme se aproximavam cada vez mais do lago, o colar – que tinha o nome de Loitsu – se aquecia perceptivelmente.

– A magia aqui é muito forte – disse Mia, de cabeça baixa. – Você pode sentir?

– Sim – respondeu Dustin, olhando o horizonte. – É como se pudéssemos mover uma montanha.

– “Podemos levar uma pequena parte do Vesi Encanten conosco – recitou a garota apertando com força o colar – Uma fração da origem de nossa força e magia, mas não tudo...”.

Dustin começou a rir.

– Você parece o Mestre Jorey falando nas aulas de história.

– E você sua tia Susan.

– Não achei que desceríamos o nível assim... – retrucou o rapaz carrancudo.

Tia Susan era um daqueles parentes distantes que te visitam uma vez ao ano, mas que é mais do que suficiente para que o sentimento de joga-la de um penhasco seja coletivo.

Continuaram a avançar em um trote lento por mais alguns metros até que chegaram a uma bifurcação da estrada. O destino dos amigos era o vilarejo de Fahon, o mais próximo do lago. Como vinham avançando para o leste desde Byen Vedet e a pequena cidade ficava mais ao norte, seguiram o caminho da esquerda.

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Em menos de uma hora estavam nos portões da pequena cidade. O guarda que estava de vigia fez-lhes um breve cumprimento e desbloqueou o caminho para que passassem.

– Acho que irá chover hoje à noite... – disse a sentinela olhando para o céu nublado. Mesmo com a luminosidade prejudicada pelo espesso véu de nuvens, era possível inferir que não devia faltar mais do que uma ou duas horas antes do por do sol. – Melhor encontrarem logo um lugar para ficarem. Provavelmente as estalagens estarão lotadas, já que amanhã é o Lai Toran. Sugiro que procurem um lugar seguro para acampar.

– Obrigado, Ferrik – disse Dustin, retribuindo o cumprimento do homem com um gesto de cabeça. – Mas dessa vez estamos em missão oficial do Treinamento. Isso significa alojamento no Prédio Central – concluiu com uma piscadela.

– Bom para vocês. E eu vou ficar aqui no vento frio até o fim do meu turno...

– Adeus, Ferrik! – cortou Mia, impelindo seu cavalo de repente. Quando estavam a uma distância considerável do homem, ela concluiu entredentes: - se deixássemos, ele continuaria a falar até o próximo Alinhamento.

O rapaz gargalhou e murmurou algo ininteligível para si mesmo. “Espero que não seja alguma brincadeira de mau gosto que ele esteja planejando”, pensou a jovem.

Para prosseguirem pelas estreitíssimas ruas de Fahon, os amigos tiveram que desmontar dos cavalos e deixa-los em um grande estábulo no início da rua principal – os únicos metros que tinham mais do que dois metros de largura.

– Voltaremos logo, Phill – disse a garota dirigindo-se ao animal, escovando gentilmente com os dedos sua espessa crina.

Phill resfolegou e acariciou o rosto da dona com o focinho, fazendo cócegas.

– Ah, e claro, eu também te amo Rupert, eu não me esqueci de você – adicionou Mia rapidamente dirigindo-se ao cavalo de Dustin, que permaneceu indiferente ao mimo.

– Às vezes penso que ele não tem sentimentos... – disse o rapaz, fitando com olhar vazio seu animal se virar para procurar feno fresco.

– Não diga isso... Para mim, ele se sente extremamente vazio. Você precisa realmente se conectar com a alma dele, permitir que seus pensamentos fluam de um para o outro...

– Sei disso, sei disso... Mas para você é mais fácil...

Mia franziu o cenho e o olhou duvidosa.

– Pode me explicar de onde você tirou isso?

Dustin arrastou os pés no chão de modo inquieto. Havia tocado na ferida... outra vez... Às vezes desejava que simplesmente o chão se abrisse e o engolisse.

– Bem, sabe... É que você tem aulas de meditação e cura, e tudo o mais... Desculpa Mia, eu sei... Foi sem querer.

No Treinamento – que dura geralmente oito anos – os meninos são separados das meninas e seguem destinos diferentes. Os meninos são treinados nas magias e estratégias físicas de combate, com o propósito de que, ao fim, venham a se tornar grandes sahires vesi, guerreiros que manipulam com maestria as técnicas de combate mágico e físico, integrando-os de modo harmônico e altamente destrutivo. As meninas são instruídas a como se portarem adequadamente na sociedade, por isso têm várias aulas sobre ética, afazeres do lar e, ainda, meditação, magias de cura, entre outras. As que se destacam intelectualmente podem também seguir a carreira de diplomatas de Vesi Jorden.

Mas o maior sonho de Mia – desde sua primeira lembrança – é se tornar um sahir. O problema era que, aos olhos da sociedade, uma mulher em combate é considerada algo extremamente desrespeitoso e impróprio, quase que heresia. A mera tentativa de uma pessoa do sexo feminino utilizar seus conhecimentos em magia para o ataque é visto com maus olhos e, muitas vezes, punido pelo reino. [...] Dewin, o deus dos elementos, concedeu a batalha aos homens e a cura às mulheres [...], esse era o argumento utilizado, descrito no Genesis de Awenasa, o livro sagrado que contava a história da criação do continente.

Mia respirou fundo várias vezes. Sabia que Dustin tinha um grande coração e que não falava essas coisas de propósito, mas ainda sim era sempre legal ver a cara dele quando achava que a tinha deixado irritada.

– Muito bem... Eu achava que vocês também tinham a obrigação de meditar com a energia que flui ao nosso redor... Afinal, a magia é um pouco importante para os sahires, não? Ou ainda, achei que a fonte dos poderes das meninas e dos meninos fosse a mesma... Mas perdoe minha ignorância, ainda estou aprendendo.

– Desculpe... – disse o rapaz de cabeça baixa.

A garota teve que se apoiar em uma coluna do estábulo para não rolar de rir no chão. Phill a fitou com um olhar de “acho que ela finalmente ficou louca”.

Dustin a fulminou com os olhos, percebendo que tinha sido vítima novamente do fatídico “Brincadeiras Sem Graças da Mia”.

– Eu te odeio... – disse, dando de costas e saindo para a rua principal.

– Também te amo, Dustin! – gritou ela, chorando de rir.

Para um fim de tarde frio e ventoso – e considerando o tamanho da cidade – Fahon estava definitivamente abarrotada de pessoas que perambulavam de um lado para outro, envoltas em capas de frio. A cada minuto que passava, chegava mais uma família, às vezes um homem solitário ou – raramente, mas acontecia – uma comitiva inteira, com uns 20 integrantes.

– Lai Toran... – disseram Mia e Dustin em uníssono.

O segundo maior festival de Vesi Jorden – atrás apenas do Dia de Dewin – era comemorado sempre no dia 05 de dezembro e era um momento muito importante para todas as famílias que tinham filhos e filhas com 10 anos de idade. Isso porque essa era a ocasião em que eles ganhariam o Loitsu de seus familiares e os preencheriam com as águas do Vesi Encanten, a água que era a fonte de toda a magia do reino. Concluído o ritual, eles iniciavam oficialmente o Treinamento, do qual permaneceriam até os 18 anos.

– Esse momento é meio que um déjà vu, não acha? – disse Mia, observando as crianças exibirem umas às outras os seus Loitsu ainda vazios.

– Nostálgico... E pensar que ano que vem será nosso último no Treinamento... Parece que nosso Lai Toran foi ontem...

A garota olhou para frente pensativa. Já fazia sete anos em que todos os dias escutava as outras meninas de sua idade vangloriarem as qualidades da mulher perfeita: beleza, boa casa e um bom marido. Mas para Mia, foram anos completamente vazios, pois via que seu sonho se tornava cada vez mais distante e – como Dustin acabara de ressaltar – em um ano toda a sua esperança iria morrer definitivamente. “Você jamais vai se tornar um sahir, contente-se com o que já tem”, disse a si mesma. “Mas eu não tenho nada, apenas uma utopia...”.

– Mia... Mia!

– Sim? – respondeu inconscientemente, ainda com a mente distante.

Dustin revirou os olhos sarcasticamente.

– Estava na Lua?

– Acho que mais além... Enfim, o que foi?

– Chegamos – respondeu o rapaz, apontando para uma enorme construção na extremidade de uma larga praça, situada no centro da cidade. A rua principal que começava nos portões conduzia diretamente para onde se encontravam agora.

Embora a garota já o tivesse visto muitas vezes, aquela visão nunca deixava de surpreender. O Prédio Central era feito inteiramente de mármore branco e possuía quatro andares, o que o tornava a construção mais colossal daquele vilarejo. “Nada comparado a Byen Vedet, mas ainda assim impressiona”, pensou.

Como Fahon era o local habitado mais próximo ao Vesi Encanten, era lógico montar ali uma base que cuidasse da organização do Lai Toran. Dessa forma, as decisões se tornavam mais rápidas, sem precisarem ter que viajar da capital para o vilarejo, somente as questões mais cruciais. Sem contar que, na época do festival, o comércio da pequena cidade era bastante favorecido.

– Dustin, você está vendo o que estou vendo?

O rapaz seguiu seu olhar e se deparou com os contornos de um vulto bem conhecido, postado em frente à entrada do Prédio. Seu coração parou por um instante.

– Essa não... Estamos atrasados?

Mia engoliu em seco.

– Você me disse que deveríamos estar aqui no fim da tarde do dia 04 de dezembro, lembra?

O rapaz negou com a cabeça

– Eu disse que era para estarmos no início da tarde, mas você me contradisse... E eu acreditei... Estamos perdidos, estamos mesmo.

Ao se aproximarem, as feições do vulto tornaram-se mais nítidas: era um homem já de idade – talvez uns 60 anos. – meio atarracado e com pernas e braços franzinos, o que deixava seu corpo em total desproporcionalidade. Seu rosto gordo e com rugas faziam os amigos lembrarem-se de uma uva passa, e sua expressão carrancuda deixava ainda mais expressiva essa similaridade.

– Mestre Vaelon – disseram, fazendo uma breve mesura.

O velho levantou um pouco seu nariz torto e enrugado e os fitou de cima.

– Vocês estão encrencados, muito encrencados.


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Notas finais do capítulo

Reviews, reviews ???



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